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Era só uma questão de tempo. Só isso. Esperar o relógio do fim do mundo bater as 12 badaladas notúrnicas. Aquecimento global extremo, crise econômica generalizada, pandemias estourando em cada esquina desse mundo e uma tensão quase que sexual entre novas e velhas potências. Uma nova guerra fria, mas dessa vez bem quente.

A The Bearded Ladies traz toda distorção que é Mutant Year Zero: Road to Eden, publicado pela Funcom. Um misto quente entre stealth, exploração e combate tático por turno. Como era de se esperar, a sociedade como conhecemos acabou, mas a Terra continua aí, totalmente de boas. A natureza tomou conta do que eram as cidades que agora são basicamente cemitérios, sua missão é encontrar a terra prometida, o que os antigos chamavam de Eden.

Já ouviu falar d’A Iniciativa Arca?

Um pato, um porco e uma moça que parece ser feita de pedra. Sim, é basicamente com esses seres minimamente diferentes que sua aventura tem início. Tudo bem, Selma chega um pouquinho depois, mas aceitem essa liberdade poética para que o texto funcione melhor.

A clássica forma do grande e forte bronco com o menor e mais magro que é esperto demais para seu próprio bem. Somada a eles o terceiro membro, que preferiria muito estar sozinha, mas sabe que essa não é a melhor escolha por agora. Esse é o grupo quase nada psicologicamente funcional que nós acompanhamos.

Imagem de Mutant
O mundo foi totalmente tomado pelas plantas. Pelo menos assim deve ser mais fresco.

Dux, o pato, é uma versão ainda mais decadente que Howard, do filme de 1986. Com o bico rachado por causa de sabe Deus o quê, Dux é o arquétipo do malandro que sabe falar, mas fala mais do que sabe.

Bormin é um javali. Essa descrição poderia ser literal, pela sua forma física ou absolutamente subjetiva, pela sua doçura e delicadeza de comportamento. Com mais riscos e cicatrizes no rosto que tela de celular que decidiu brincar de Daiane dos Santos na calçada de casa, Bormin é o retrato da dureza que é viver nessa realidade. E quem ele se tornou corrobora perfeitamente com isso.

Selma, a moça de pedra, mais uma vez, tanto na physique quanto na psique. Causar o mínimo de problema para ter menos coisas pra limpar depois. Esse é o lema pelo qual ela vive.

Imagem de Mutant
O mundo de Mutant é preenchido com mensagens ampliando a profundidade do universo.

Esses são só os três primeiros personagens que podemos colocar na nossa trupe. Absolutamente diferentes entre si, completam a química de um bom grupo com diálogos e percepções variadas durante os momentos de exploração, o que dá um grau além de personalidade para cada um deles.

Considerando que os criadores de Mutant Year Zero: Road to Eden são os líderes de design de Hitman e Payday, não me impressiona que Dux, Bormin, Selma e os outros tenham tanto carisma e personalidade quanto têm.

Você e seus meninos mutantes são soltos no mundo, livres para explorar por onde querem, mas cientes do que pode obliterar vocês em pouquíssimos segundos. A maior porção de gameplay acontece explorando ambientes realmente vivos. Os inimigos fazem suas patrulhas, os animais estão vivendo, se alimentando, correndo quando veem um pato e um javali gigantes correndo na direção deles.

Imagem de Mutant
Todo ambiente assim tem um “gerente” que soa estranhamente suspeito.

Conforme a exploração acontece, você pode encontrar diversos tipos de entulhos espalhados por aí. Desde pedaços de armas, usados para aprimorar o que você carrega, até tralhas variadas, tudo serve para alguma coisa nesse mundo desgraçado. Tudo. Serve. Para. Alguma. Coisa. Então fica esperto.

Além disso, como nem tudo são flores, você também encontra com alguns seres que não são assim tão simpáticos perante suas digníssimas presenças. Tendo a opção de andar como loucos, com lanternas acesas e correndo, ou indo na encolha, com tudo apagadinho, podemos nos preparar sempre que algum adversário se mostra.

A variação de movimento nos permite explorar o local do embate, recolher quaisquer materiais e nos posicionar em lugares que nos beneficiarão mais antes de que o combate seja deflagrado, balas e cabeças comecem a voar.

Uma vez que você tenha observado perfeitamente os movimentos dos monstros (você chama eles assim e eles dizem o mesmo de volta, sabia?), escolhido seus locais de tocaia, chega o momento em que cito um antigo poeta: “Tá na hora do pau!

Imagem de Mutant
Tudo o que se move pode (e vai) te matar!

O combate em si não é muito inteligível, é relativamente simples, mas a exibição das informações poderiam ser um pouco melhores. Os números, porcentagens e possíveis danos críticos ficam todos muito truncados, apertados onde não necessariamente caberiam.

Na maior parte das lutas que enfrentei mais de 2 inimigos a conta acabou ficando complicada demais. Muito fortes, com armas muito potentes, uma porcentagem de acerto ridícula e com a sincera impressão de que a cobertura de danos deles deve ser feita com ligas de titânio. NÃO É POSSÍVEL!

Panis Et Circenses

Um ponto problemático é que apesar de dar a oportunidade para o jogador trabalhar entre stealth e combate direto, inclusive tendo um personagem especializado, com habilidades totalmente voltado para isso, Mutant Year Zero: Road to Eden somente beneficia jogar escondido. Ok, faz sentido, somos de uma resistência, mais frágeis, porém em qualquer momento que você não esteja na sua melhor configuração possível antes do início do combate, pode desistir. Não vai rolar.

Independente disso, a combinação da utilização das armas dos personagens com suas habilidades específicas é bem agradável, funciona muito bem. Não necessariamente tem sucesso, principalmente pela estupenda dificuldade de qualquer combate, por mais imbecil que seja.

Imagem de Mutant
Só consigo pensar na musiquinha dos X-Men tocando no fundo.

Habilidades essas que são obtidas (ou aprimoradas) participando dos combates. Obtendo sucessos neles, os personagens ganham pontos de experiências que podem ser gastos criando mutações. Cada personagem possui duas árvores paralelas de mutações possíveis, uma de habilidades ativas e uma de habilidades passivas e aumento de vida. O toque de termos mutações modificando o corpo do personagem juntamente ao tema do jogo é realmente algo diferenciado que traz um sabor especial.

Por se passar em ambientes completamente inóspitos, os combates de Mutant Year Zero: Road to Eden acabam por sempre acontecer em locais interessantes. Sejam eles barcos encalhados, pátios de ferro-velhos com carros jogados por todos os lados, casas semi destruídas, todos podem e vão ser estraçalhados realizando homicídios generalizados. Mas tudo em prol da sobrevivência.

Imagem de Mutant
A Arca. Acho que não foi assim que Noé planejou…

O local de refúgio desses sobreviventes é a Arca. Um prédio digno de qualquer distopia futurista, parecendo muito mais uma casa na árvore do que um edifício em si. A Arca abriga todo tipo de pessoa estranha, seja ela um humano convencional ou um mutante, digamos, diferente. Cada um dos NPCs tem uma história que aparece de pouco a pouco, transbordando carisma. Dá para ver vazando pelas bordas. É carisma DEMAIS.

Por falar em carisma, vamos falar das personalizações. A quantidade de loot diferente que se pode conseguir neste jogo chega ao ponto de ser desconcertante. Chapéus, armaduras, charutos, armas e pedaços delas, tudo quanto é coisa que se pode colocar, prender ou segurar em alguém, dá para se encontrar em Mutant Year Zero: Road to Eden. E, o que eu mais gosto (apesar de que já não é mais um diferencial, porém ainda gosto), é que todas estas alterações são visíveis nos personagens durante o gameplay. Então andar com seu patinho com uma viseira azul é absorto.

Agora falando em tecnicalidades. Como já havia dito anteriormente, os locais que você passa com seus personagens realmente parecem vivos, os animais se movem, fogem da barulheira que você faz. Assim como os sons do jogo que são muito realistas e bem trabalhados.

Imagem de Mutant
Cada pedacinho da arma pode ser customizada com os loots que se encontram pelo mundo.

E o toque especial está nas animações dos personagens. Atualmente está em voga a questão dos animais antropomorfizados de forma muito realista. Dux e Bormin estão assustadoramente realistas, inclusive com interação com a iluminação. Estão em um ponto que chega a ser estranho, quase desconfortável ficar olhando.

Por fim, Mutant Year Zero: Road to Eden é uma nova propriedade intelectual interessante, com personagens carismáticos, em um universo com possibilidades de ampliações. A jogabilidade, principalmente no que se refere ao combate poderia receber alguns polimentos, mas nada que faça o jogo deixar de ser interessante. A exploração nem sempre é divertida e pode soar um pouco cansativa, porém ainda é um diferencial. Enfim, Mutant Year Zero: Road to Eden é uma ótima adição em um gênero que tende a se sobrecarregar muito em breve.

Review – Liberté

Rafael NeryRafael Nery09/12/2024