Skip to main content

Durante a E3 deste ano, houve um jogo que pessoalmente me chamou bastante atenção ao ter exibido seu trailer no evento, muito devido ao seu conceito curioso – para não dizer extravagante. Este era Mosaic, desenvolvido pelo estúdio norueguês Krillbite Studio, também responsável por Among The Sleep, e disponibilizado inicialmente para os PCs e através do sistema de assinatura Apple Arcade no iOS.

Na trama acompanhamos o protagonista em sua realidade rotineira e relativamente triste, sem amigos e basicamente vivendo para trabalhar, do trabalho para casa, da casa para o trabalho. A cada dia acompanhamos este trajeto vivenciando momentos que irão abalar essa rotina, imaginando se aquilo é real ou apenas um delírio.

A verdade que deixamos de enxergar

Seja como for, essa realidade nos faz refletir sobre a nossa própria. Muitas vezes nem percebemos, mas vivemos em uma rotina, ou melhor, deixamos de viver, simplesmente realizando ações automáticas e vivendo em conformismo. Perdemos a razão pelo que estamos fazendo e basicamente vivendo de forma mecânica.

No decorrer do enredo percebemos que o protagonista é uma pessoa muito solitária e individualista, mas na verdade não é ele quem exclui as pessoas de sua vida, e sim o contrário. As pessoas daquela sociedade simplesmente não vivem, estão presas em um ciclo diário e deixaram de ver beleza na vida – ou a beleza da vida. E vivem sua existência em uma espécie de ‘fila indiana’ onde simplesmente seguem em frente sem questionar, perdendo sua própria identidade.

Imagem do jogo Mosaic.
Aw fish, here we go again.

As coisas mudam quando um dia ele acorda e encontra um peixe no lavatório de seu banheiro – detalhe: o peixe fala. Nessa ocasião, há a opção de ouvi-lo ou simplesmente ignorá-lo, jogando-o no vaso. Se decidir por ouvi-lo, ele lhe perguntará sobre seu dia, sua vida, suas perspectivas e etc..

Nesses momentos há a opção de escolher a resposta que iremos proferir ao animal aquático. Essas decisões pouco afetam de forma significativa o desenrolar da trama, apenas alterando algumas pequenas falas no processo. O que é uma pena, pois seria interessante ver uma mudança mais efetiva na história.

Situações inusitadas começam a acontecer a partir deste momento, mas não necessariamente precisamos realizar tais ações e nem mesmo seguir por aquele caminho. Notamos que o protagonista é uma pessoa diferente das demais, ele é especial, e apesar de aparentemente estar desiludido, ainda existe dentro de si uma esperança. É por isso que sua realidade irá mudar após encontrar o peixe falante.

Outro fator interessante é que existe também toda uma crítica – bem aplicada – em relação à nossa privacidade nos meios online. O que uma megacorporação com acesso a informações pessoais de todo mundo pode fazer? Que tipo de informações ela sabe sobre nós? Até que ponto isso é aceitável? Esses são alguns dos questionamentos que nos faremos ao ver a Mosaic Corp., empresa onde o protagonista trabalha e que coleta dados de todos conectados aos seus servidores.

Imagem do jogo Mosaic.
Pior do que Sauron.

O gameplay é bastante simples, seguindo o gênero point and click. Basta clicar para interagir com algum objeto ou item e clicar e segurar na direção que deseja que o personagem siga. Porém diferente de alguns jogos do gênero citado, este não possui opções de interação diferente, e basicamente cada objeto possui apenas um tipo de interação.

Mosaic é um jogo atmosférico, ou seja, que apresenta situações para criar um vínculo com o jogador de maneira que haja empatia ou ao menos alguma identificação, aflorando os sentimentos de vivência e experiências de vida de cada um. É uma experiência relativamente curta, dividida em cinco partes com cerca de 5h de duração total, dependendo da sua curiosidade em explorar e prestar atenção nos detalhes – o que pessoalmente acho bastante recomendável.

Os cenário são bem representados, criando uma atmosfera fria e cinzenta, comum de grandes centros urbanos. Em contraste a isso, as partes harmoniosas que iremos vivenciar na vida do protagonista serão extremamente coloridas e vivas. A trilha sonora também contribui e muito para essa sensação, sendo mais proeminentes nestes momentos mais alegres. E elas representam algo além dentro da narrativa.

Imagem do jogo Mosaic.
O contraste de duas realidades.

Este é um título que irá agradar em cheio os jogadores que gostam de exploração e foco na narrativa, e que aproveitam os jogos nos mínimos detalhes. É exatamente essa a proposta de Mosaic. Prestar atenção em cada detalhe será bastante recompensador, como por exemplo ler as notícias pela manhã no celular do protagonista. Esses nuances só enriquecem a trama e a comparação sombria com nossa realidade nefasta.

E por falar em celular, este é um elemento muito intrigante dentro dessa narrativa. A forma como ele é utilizado, quase como se fosse uma realidade alternativa ao do mundo presente no jogo. No momento que se inicia, a primeira ação tomada pelo personagem é acordar de um sonho despertado pelo seu dispositivo móvel. Nesse instante, podemos simplesmente ler as mensagens recebidas, ler as notícias ou – o pior – jogar BlipBlop.

Assim como pôde ser notado no trailer de anúncio do título, este joguinho de celular é um verdadeiro sugador de vidas. Eu me vi passando mais tempo jogando ele dentro de Mosaic do que o próprio Mosaic – o que chega a ser irônico. Passei a primeira hora de jogo com o personagem na cena inicial, sentado em sua cama, só jogando o joguinho de celular – quer uma representação melhor do que essa da realidade?

Imagem do jogo Mosaic.
É tão real que dá raiva.

A questão é: você pode passar todo o gameplay sem tocar no aparelho, ou simplesmente só ficar no celular. Para além de BlipBlop, no decorrer dos dias, teremos acesso a outros aplicativos, como o “Love”, um aplicativo de namoro – que nunca dá um match – e um de negociações de moedas virtuais, o “BlipCoin”, no qual podemos comprar e vender – sem sucesso – tais moedas. Sem falar do aplicativo do banco, onde as dívidas só se acumulam e apenas vemos o saldo negativo se acumular.

Experiência extra jogo

Algo que poucas vezes eu presenciei em minha vida como um jogador foi ver uma experiência que se expandia para fora do jogo, quebrando as barreiras daquele mundo interativo e apresentando algo a mais para engajar os jogadores de maneiras criativas e diferentes. E Mosaic faz isso de maneira excepcional. Começando pelo supracitado BlipBlop, ele de fato existe, e funcionou – inicialmente – como um teaser para Mosaic, pois foi disponibilizado logo após a exibição na E3. Não era o jogo em si, mas o jogo dentro do jogo. Outro ponto é que existe o site da empresa fictícia Mosaic Corp. como se fosse uma promoção desta empresa.

Sem citar as inúmeras interações que temos acesso através da página de notícias e novidades do Steam, por exemplo, onde os desenvolvedores atuam como se fossem funcionários do setor de Recursos Humanos da empresa, distribuindo inclusive pesquisas de satisfação onde podemos responder perguntas como se fossemos funcionários da Mosaic Corp. Esses são alguns dos exemplos de como o estúdio tem, de forma criativa, elaborado uma interação extra-jogo com os jogadores, trazendo seu universo para o mundo real.

Imagem do jogo Mosaic.
Pessoas sem rosto caminhando sem perspectiva.

BlipBug

Assim como qualquer jogo, este também está suscetível aos bugs. O problema aqui é que todo o progresso não salvo é perdido caso você tenha de reiniciar do último ponto de controle. A questão é que esses checkpoints são divididos pelos capítulos, ou seja, ele reinicia todo o capítulo novamente.

Um dos bugs que enfrentei, o mais grave pelo menos, foi relacionado à geladeira – por mais irônico que isso possa parecer. No início do jogo – assim como em todo início de capítulo – acordamos no apartamento do personagem, e ali há a possibilidade de interagir com determinados objetos da casa, como a TV, o sofá e etc., o que inclui a geladeira.

Porém ao interagir com ela, não consegui mais sair dessa interação, nenhum comando respondia mais, o que me obrigou a retomar do último ponto de controle. O problema disso é que – no meu vício por BlipBlop – eu havia batido inúmeros objetivos dentro desse joguinho e isso tudo foi perdido. Eu esperava que este joguinho possuísse o próprio save, seu próprio progresso, mas não, ou seja, caso seja necessário reiniciar o jogo principal, tudo o que você fez em BlipBlop até então será perdido – algo bem frustrante, diga-se de passagem.

Imagem do jogo Mosaic.
Não podemos fugir da realidade, mesmo ela seja proferida por um peixe de terno.

Por se tratar de um jogo atmosférico, Mosaic não irá agradar a todos, mas com certeza será apreciado por aqueles que buscam por uma experiência diferenciada com foco na narrativa e exploração. Se você se enquadra nessa descrição, com certeza há uma grande experiência lhe aguardando. A dica final que deixo caso decida se aventurar nesta jornada é: preste muita atenção em tudo, dos maiores aos menores detalhes, e não tenha pressa, simplesmente aproveite esse momento – e as interações extra-jogo também.

Review – Silent Hill 2

Rafael NeryRafael Nery15/10/2024
Neva

Review – Neva

Carlos AquinoCarlos Aquino15/10/2024

Review – Citadelum

Paulo AlmeidaPaulo Almeida15/10/2024