Como é de costume nas análises que escrevo, vou começar com um pouco de sinceridade. Eu nunca havia jogado um título da franquia Monster Hunter na vida antes de Monster Hunter: World. Aliás, como deve ter acontecido com muitos, meu interesse por esse game se aflorou com um trailer exibido na E3 do ano passado, pois até então a franquia era apenas um jogo meio peculiar que tinha versões todo ano para algum portátil da Nintendo. Como sempre fui um jogador de consoles, essa franquia sinceramente passou batida por mim.
Dentro deste contexto é válido dizer que Monster Hunter: World é voltado para um nicho específico de jogadores e jogadoras. O fato de a Capcom ter decidido trazer o jogo para o mainstream dos consoles de mesa atuais não significa que a empresa tenha se esforçado em modernizar ou atualizar seu design – para o bem ou para o mal – ou que tenha aberto mão das características fundamentais do jogo. Então eu sugiro que leia essa análise até o fim para decidir se este jogo é para você ou se você foi apenas engolido pelo hype.
Supremacia Humana
A história em Monster Hunter: World é bem simples. Você é um caçador ou caçadora – Alyssa no meu caso – membro da quinta frota de caçadores que está a caminho do Novo Mundo. Infelizmente, para você e para os animais da região, um dragão ancião chamado Zorah Magdaros aparece causando muito batuque e confusão por essas bandas, e cabe a você e mais um bando de gente entender o que está acontecendo.
Durante o decorrer dessa história, o jogo tenta deixar as coisas um pouco mais complexas, com alguns twists aqui e ali, mas no geral, o que a gente absorve de fato é que tem um bando de humanos querendo colonizar umas terras por aí, mas tem uns bichos meio malcriados no caminho que devem ser eliminados. É bem fácil perder o interesse por tudo já que o jogo tem uma campanha que exige uma média de 50 horas para terminar e, bem, nem o enredo e nem a construção dos personagens são seu ponto mais forte.
Claro que se o nome do jogo é Monster Hunter fica meio óbvio qual a premissa da história e também os objetivos. No entanto, devo dizer que fiquei bem incomodado em vários momentos da minha jogatina quando a minha missão era caçar animais – já que nem todos se parecem com monstros assassinos e maldosos – cuja animação e efeitos sonoros sugeriam dor, agonia e medo. Ficar correndo e batendo em uma lagartixa gigante que está mancando, chorando, sem um pedaço do rabo e claramente fugindo para manter a sua própria vida, simplesmente porque você precisa montar um acampamento ali ou porque ela anda atrapalhando o trabalho da frota, é um pouco sádico demais até mesmo para um videogame.
Jogos hoje não existem em um vácuo. Na verdade nunca existiram, mas talvez por conta do avanço da linguagem e seu aperfeiçoamento nós não podemos mais entender a interação de um título como somente o fato de apertar um botão e algo acontecer naquele mundo digital. Muitos games hoje em dia são aclamados e outros gongados justamente por que o que se passa no mundo aqui fora acaba respingando no mundo do jogo e vice-versa.
Nesse sentido acredito que falte um pouco de sensibilidade em Monster Hunter: World para lidar com o tema principal. E vejam bem, matar coisas é uma mecânica presente em 90% dos jogos, e está tudo bem. O problema aqui não é a matança, mas sim como essa matança é apresentada. No último Tomb Raider Lara Croft mata animais selvagens para confeccionar suas armas, mas não há animações de bichos sofrendo e, logo na primeira caça, existe uma cutscene sobre como aquilo a incomoda e como ela respeita a vida do animal que foi morto, isso acaba criando um contexto mais ameno para as futuras matanças no jogo. Aqui eles poderiam pelo menos ter tentado criar argumentos mais fortes para justificar a caça a alguns bichos.
Coisa linda de viver
Talvez esse meu incômodo com a matança dos bichinhos venha do fato de que Monster Hunter: World é um jogo muito realista – em termos gráficos pelo menos. Suas animações, efeitos sonoros e cenários criam um mundo orgânico realmente impressionante. Claro que em um jogo com a escala e escopo de Monster Hunter: World nós iremos encontrar vez ou outra animações quebradas, polígonos atravessados um dentro do outro, etc. Mas no geral, esses probleminhas não ofuscam o fato de que é lindo.
Aqui vale ressaltar a animação e o comportamento dos monstros e dos animais que vivem nos mais de 10 cenários e sub cenários existentes no jogo. A forma como eles se movimentam e interagem entre eles é muito next-gen. Sério. Em alguns momentos durante a batalha é possível que a sua caça encontre outro monstro pelo cenário e que eles comecem a lutar entre si. Esse segundo monstro pode ser só uma presa fácil usada para restaurar a vida e energia da sua caça ou um monstro maior e mais perigoso, exigindo que você mesmo se afaste da ação e espere a situação se resolver por si, ou acabará com um monstro maior atrás de você ou pior, dois monstros querendo te fazer de biscoito Cream Cracker. Estes momentos trazem uma das melhores dinâmicas da aventura e resume muito bem o que é a experiência em Monster Hunter: World em seus melhores momentos.
Cada cenário é também tão vivo e orgânico quanto seus habitantes e, embora alguns possam parecer artificiais por conta de sua estrutura enxuta e level design, a grande maioria é um colírio para os olhos. O meu cenário preferido é o Coral Highlands com seu contraste de cores quentes e frias e vegetação única.
No entanto, a imersão em um mundo digital não estaria completa sem um bom design de som, e Monster Hunter: World também entrega bastante resultado neste quesito. Talvez a variação de músicas e temas do jogo não seja lá grandes coisas, mas os efeitos sonoros das armas e animais são muito bons, principalmente ao jogar com fones de ouvido, já que o time da Capcom fez um ótimo trabalhando com o acabamento do som em 3D.
Aprendendo a caçar… Ou não!
Como falei lá no começo do texto, imagino que muitas pessoas – assim como eu – vão chegar pela primeira vez em Monster Hunter: World sem ter passado pelos demais jogos da franquia. Ou seja, completos noobs. Nesse sentido, devo dizer que este novo título faz um péssimo trabalho em ensinar suas regras e mecânicas, além de ser bem relaxado na hora de guiar a experiência do jogador no decorrer da jogatina.
Começando pela estrutura de missões, que é uma confusão só. De início, o jogo te apresenta as quests básicas. Aqui temos as Assigned Quests, que são as quests da história principal; Optional Quests com caças aleatórias, busca a ovos (!!!) e lutas de arena; Investigações para caçar ou capturar monstros em determinadas condições; e Eventos especiais. Além dessas missões básicas, temos ainda as quests do Resource Center como as Bounties, Complete Deliveries, Manage Investigations, entre outras micro quests que você vai coletando ao interagir com NPCS pelo mundo.
O problema dessa estrutura não está na variedade, pois já é bem comum hoje em dia jogos que possuem um sistema de missões e controle de recursos complexos, como Dragon Age Inquisition e até mesmo o flopado Mass Effect Andromeda. Qualquer um que tenha a menor familiaridade com RPGs mais parrudos irá sacar qual é a de Monster Hunter: World. O problema real aqui é que tudo isso é apresentado de forma tão confusa pela usabilidade e interface que o jogo parece ser mil vezes mais complexo do que ele realmente é.
E não me chamem de nutellinha! A questão aqui é que Monster Hunter: World não é um The Legend of Zelda: Breath of the Wild que pouco te dá de informação justamente para te incentivar a descobrir e aprender por conta própria, usando a sua intuição através do entendimento das dinâmicas daquele mundo. Monster Hunter não é nem de longe um jogo minimalista e intuitivo, muito pelo contrário. Há uma profusão de informação e menus e submenus e tutoriais com vídeo e sem vídeo e textos e ai minha nossa quanta coisa. O erro está em simplesmente se perder nessa profusão de informação e não ser claro e objetivo com os jogadores.
Afiando a faca
Muito li e ouvi sobre a parte de se preparar para os encontros com os monstros na série Monster Hunter. O jogo de fato tenta oferecer mecânicas para que isso aconteça, como o livro de guia de monstros, com informações sobre cada criatura que você encontra no mundo, ou a cantina com os Palicos (gatos) cozinheiros que criam pratos que irão te dar um suporte na próxima missão. No entanto, todas essas mecânicas não se consolidam de fato quando estamos jogando e essa preparação acaba sendo bem rasa no final das contas.
Basicamente, tanto os monstros como as suas armaduras e armas seguem as regrinhas básicas de elementos (fogo, água, etc), e as informações sobre como derrotar cada monstro são bem básicas também, se resumindo em “sentar o cacete até o bicho morrer”, pois na prática é isso que acontece. O próprio ato de coletar inteligência sobre os monstros se baseia em apertar um botão em partes brilhantes no cenário e pronto, está feita a “investigação” e os pontos de pesquisa estão prontos para você gastar nas lojas. Com isso, o meu processo de preparação foi sempre ter as armaduras e armas no nível mais elevado que conseguisse, comer alguma coisa na cantina que me desse mais força e ter no bolso itens básicos de cura e projéteis para me ajudarem na manutenção da batalha. Eu sinceramente parei de ler as informações sobre os monstros depois que percebi que não havia muita importância estratégica ali já que a minha preparação era basicamente a mesma para todo bicho.
Talvez a parte que mais exija preparação e estratégia fique a cargo dos coadjuvantes da história, nossos companheiros de batalha chamados Palicos. Esses gatinhos encrenqueiros podem oferecer itens de cura, lançar projéteis e atacar os inimigos de variadas formas, dependendo da arma com a qual eles foram equipados. Por conta disso, a forma como você combina a sua arma principal com a arma com que o seu gatinho irá carregar ao campo de batalha acaba elevando um pouco o nível estratégico da preparação.
Quando o monstro pega
Mas vamos falar do que importa. Vamos falar da hora que o bicho pega, literalmente. O sistema de batalha em si de Monster Hunter: World também acaba sendo subjetivo ao quão profunda você goste da sua experiência de jogo. Aqui, o jogador pode optar por 14 classes de armas que variam desde um simples conjunto de espada e escudo até coisas doidas como a Hunting Horn, um instrumento musical que serve de suporte e ataque dependendo da combinação de botões utilizada. A variedade de estilo de combate é bem interessante, no entanto, você só poderá carregar uma única arma com você no campo de batalha. Caso queria trocar de arma no meio da luta, terá de voltar para o acampamento e trocar a arma via o menu de escolhas de armas.
Esse sistema me trouxe alguns momentos de reflexão. Monster Hunter: World assume que o jogador terá uma ou no máximo três classes de sua preferência, contando com os demais jogadores em oferecer variedade de combate na hora de caçar. Acontece que essas classes de armas não oferecem muita variedade de combos e estratégias em si, portanto, depois de horas e horas batalhando com a mesma arma, eu fiquei meio entediado e resolvi trocar de classe justamente para poder variar um pouco a forma de jogar. O meu problema com essa premissa é que, por design, o jogo não te incentiva a mudar de armas e experimentar novas estratégias de combate. É possível derrotar todos os monstros do jogo com todas as armas. Não existe uma arma que seja extremamente favorável para determinado tipo de monstro. Nessa tentativa de balancear as classes, Monster Hunter: World acaba desperdiçando seu potencial. O mérito em derrotar os monstros está mais na persistência e destreza nos controles do que na inteligência e estratégia.
E por falar em destreza nos controles, lá vem bomba. O combate em Monster Hunter: World, principalmente o corpo a corpo com armas de curto e médio alcance, é bem desengonçado e exige um bom tempo para se adaptar. A Capcom resolveu ir contra quase todas as convenções contemporâneas dos jogos do gênero. O sistema de mira automática na verdade não é uma mira automática. Não dá para corrigir o curso de um combo durante os movimentos. Escolher ítens é demorado pois existem muitas opções no menu radial de acesso rápido. Interagir com o cenário durante as lutas é uma rifa. Enfim, todos esses elementos juntos durante o frenesi da batalha acabam criando vários soluços durante a ação, quebrando um pouco o ritmo do jogo e exigindo uma boa curva de adaptação por parte do jogador.
Um dia do caçador, o outro…
Os sistemas de recompensa e progressão em Monster Hunter: World talvez sejam o grande salvador do jogo ou o grande vilão, dependendo das suas preferências e motivações como jogador. O loop de engajamento projetado em Monster Hunter consiste em procurar por recursos no cenário para criar itens que vão lhe ajudar nas caças, caçar monstros que irão lhe oferecer recursos para criar armas e armaduras mais fortes, voltar e repetir esse ciclo de novo e de novo e de novo. Monster Hunter: World é um jogo para se fazer grinding, muito grinding. A diferença é que não é o seu personagem em si que evolui somente, mas sim as suas armas, armaduras e itens que por sua vez dependem dos monstros que você caça ou captura para serem criadas.
Eu particularmente gosto de fazer grinding quando o jogo me motiva a tal, utilizando-se de promessas futuras como novos golpes, magias, etc. No entanto, em Monster Hunter: World, a única coisa que aumenta é a sua força e defesa em relação as armaduras e armas que você consegue confeccionar. Ou seja, os golpes e habilidades que você tem na primeira hora do jogo serão basicamente os mesmos da trigésima quinta hora, com exceção de alguns itens especiais que você ganha pelo caminho. Um clássico sistema de progressão vertical. De uma certa forma, o incentivo que o jogo te dá são atributos materiais ou recompensas mais diretas, o que pode brochar alguns jogadores que preferem sistemas de progressão um pouco mais horizontais e profundos. No entanto, este loop criado para o jogo pode ser bem divertido e viciante para jogadores colecionadores.
Além disso, progredir em Monster Hunter: World é uma tarefa difícil e demorada. Se você preferir jogar solo, as batalhas podem demorar bastante tempo e, dependendo do monstro que você for enfrentar e do arsenal a sua disposição, você irá falhar… Bastante! Por isso é bom esquecer um pouco esse seu lado introspectivo e chamar os amiguinhos para virem te ajudar nessa jornada.
SOS
Monster Hunter: World é um jogo projetado para estar online 100% do tempo, mesmo que você decida enfrentar os monstros somente com a sua espada gigante e o seu gatinho baderneiro. Porém, se o seu objetivo é realmente prosperar neste jogo, é praticamente obrigatório que você jogue em matilhas de 4 jogadores para progredir e conseguir matéria-prima para deixar seu avatar mais forte mais rápido. A progressão nesse jogo vai demorar uma eternidade se você resolver fazer tudo sozinho. Não seja essa pessoa.
Obviamente, tudo fica muito mais divertido se você estiver jogando com amigos e com o chat de voz ativado. Caso contrário, vai parecer que você está jogando com NPCs aleatórios na tela, já que os comandos sociais são raramente utilizados e o chat de voz mais raramente utilizado ainda. No entanto, bato palmas para a Capcom em criar uma experiência que assume que a realidade hoje é jogar junto online. Isso fica claro desde o sistema de classes de armas até a forma como as missões são projetadas. Prova dessa boa sacada da Capcom é o tremendo sucesso que o jogo vem fazendo no Twitch, sempre no top 10 desde o seu lançamento.
Infelizmente, por conta dessa natureza sempre online, tive alguns problemas de missões falhando por erro de conexão no meio da partida, ou simplesmente por motivos inexplicáveis. Cheguei a perder quase 40 minutos de jogo porque tentei duas vezes recorrer a ajuda de outros jogadores para matar um monstro e das duas vezes a missão falhou no meio da partida. Algo a ver com um dos outros jogadores terem feito alguma coisa errada. O que foi essa coisa errada, eu não sei, pois os feedbacks desse jogo são bem confusos ou inexistentes em alguns momentos, o que me deixou bem frustrado e tendo que matar aquele morcegão inflável com minhas próprias mãos.
Botando o pé na mesa
Monster Hunter: World é um jogo que oferece muita coisa para se fazer, realmente. Eu nem consegui falar da metade dos sistemas presentes no jogo. Dá para pescar, mandar uma gataria atrás de recursos, criar seu próprio Squad… Enfim, muita coisa. E embora muitos desses sistemas sejam bem projetados, eles acabam ficando perdidos ou subutilizados já que a arquitetura de informação e usabilidade desse jogo são confusas e exigem do jogador um conhecimento prévio ou muito esforço para acompanhar tudo que jogam na sua tela. No final das contas, Monster Hunter: World é um jogo de premissa simples e direta, mas que complica muito as coisas tentando criar uma profundidade artificial na experiência.
Portanto, se você está procurando uma experiência single player com ação fluida como Horizon Zero Dawn, passe longe de Monster Hunter: World. A pegada aqui está mais para uma mistura entre as estruturas de missões e progressão de Destiny com o combate árduo de Dark Souls, embora estes dois exemplos executem melhor todas essas características do que Monster Hunter: World de forma geral. Se nenhum desses dois jogos te apetece, provavelmente Monster Hunter também não irá. Contudo, se esta é a sua praia, Monster Hunter: World talvez seja a melhor coisa que você irá jogar neste começo de ano.