Nem sempre nosso querido bombardeiro azul viveu apenas de coletâneas e ports. Houve uma época em que Mega Man era a principal franquia da Capcom e o estúdio investia pesado em títulos inéditos. Esse período atingiu seu ápice durante os tempos áureos do Game Boy Advance, que recebeu não só uma série inédita do personagem, mas duas! Paralelamente ao incrível Mega Man Zero, que dava continuidade aos acontecimentos do X e seguia a costumeira ação frenética dos demais jogos, também tivemos Mega Man Battle Network, que trouxe algo totalmente novo.
Battle Network trocava a ação por um sistema de RPG mais estratégico, além de deixar de lado toda aquela realidade distópica de guerra entre robôs. Se passando centenas de anos após Mega Man ZX (sim, todas as séries do personagem pertencem ao mesmo universo), aqui temos um mundo de relativa paz, onde todas as máquinas foram substituídas por pets virtuais. Aqui no Brasil, ficou mais famoso por causa do anime que passava na TV Globinho, mas agora que temos a coletânea Mega Man Battle Network Legacy Collection, chegou o momento de todo mundo experimentar esse mundinho diretamente do material original.
Jack in!
A série Battle Network é contada em seis títulos, todos lançados para o GBA entre 2001 e 2005. Assim como as demais coletâneas de Mega Man que foram lançadas nos últimos anos, essa também é dividida em dois jogos, sendo que o primeiro vai até a terceira entrada (com as duas versões do 3) e o segundo inclui do quarto ao sexto (com ambas as versões de todos os jogos). Ficou faltando só o Mega Man Network Transmission, exclusivo do GameCube que foge totalmente das mecânicas da série, sendo só mais um título comum de plataforma.
Apesar de trazer um dos enredos mais fracos de todas as variações do personagem, Mega Man Battle Network consegue ser divertido e ainda é muito charmoso. Aqui controlamos dois personagens alternadamente: Lan e seu pet MegaMan.EXE – mas antes de mais nada, vamos contextualizar: nessa realidade, pessoas vivem em harmonia com seus “bichinhos” virtuais, que nada mais são que um avatar para acessar a internet. Porém, eles não assumem o controle dos seus pets, já que são inteligências artificiais com livre arbítrio, ou seja, que obedecem a seus donos por vontade própria.
Nesse universo, Mega Man é apenas o pet de um garoto, como se fosse um Pokémon. A trama dos jogos sempre gira em torno de ciberterrorismo e planos maléficos de dominação global, cabendo à dupla (isso mesmo, um garoto de 11 anos e seu joguinho) investigar e impedir os criminosos. É tudo meio bobo, mas segue a mesma lógica de assistir a um anime infantojuvenil, então não chega a incomodar ou ser péssimo. Quem for jogar sabendo que não vai encontrar um enredo profundo ou marcante com certeza não terá problemas.
O gameplay é o verdadeiro destaque dessa série. Enquanto os trechos com Lan envolvem apenas exploração e diálogos, é na “pele” de Mega Man que as coisas ficam interessantes. Passaremos um bom tempo batalhando contra os vírus do mundo virtual em um sistema que mistura turnos e combate em tempo real. Resumidamente, cada turno nos dá cinco chips (como são chamados os ataques neste jogo) aleatórios para que possamos usar contra os inimigos; até que possamos selecionar mais, ainda é possível se mover livremente dentro do seu campo e atacar com a buster (o clássico canhão acoplado no braço do bombadeiro).
Coletar chips e testar diferentes combinações é um dos grandes atrativos de Battle Network, sendo possível criar uma variedade muito alta de estratégias. Além disso, não chega a ser um combate parado ou baseado em sorte, como costuma ser nos RPGs de turnos tradicionais; o jogo meio que força o jogador a se manter em constante movimento, dando uma chance de esquivar dos ataques inimigos. O sistema de combate é simples de aprender e não demora nada para ganhar nossa simpatia, principalmente porque o esquema de chips é idêntico ao de um card game – então além de divertir na ação, também estimula a testar novas combinações e colecionar.
O que tem de novo?
É claro que a Capcom não teria coragem de simplesmente relançar todos os jogos sem nenhum agradinho inédito, então Mega Man Battle Network Legacy Collection também possui algumas novidades. A começar pelo menu principal das duas coletâneas, eles tiveram a brilhante ideia de colocar um Mega Man para nos receber e interagir conosco o tempo inteiro, como se fosse nosso próprio pet virtual. Dado o contexto da série, achei muito legal esse detalhezinho – e dá até para trocar a skin dele!
As duas coletâneas também trazem um menu de extras, repleto de artes promocionais de todos os jogos inclusos e a trilha musical completa de cada um deles. Quanto à emulação dos títulos disponíveis, naturalmente precisamos jogar com bordas devido às dimensões do GBA. Os pacotes trazem uma certa variedade de bordas referentes aos jogos disponíveis naquela coletânea, mas infelizmente não temos a opção de jogar sem nenhuma (com cantos pretos), o que para mim fez falta.
Você tem a liberdade de alterar o tamanho da “tela” do jogo e aplicar um filtro que limpa os pixels dos gráficos, deixando tudo meio borrado. Eu particularmente acho esse tipo de alteração horrível, ainda mais pelo fato do visual de Battle Network ser extremamente charmoso, com um pixel art que faz jus ao legado do GBA. Felizmente, dá para desligar esse filtro e recomendo vivamente a todos que joguem dessa forma (assim fica muito mais fácil de notar a evolução gráfica de cada entrada da série, que traz um nível de detalhes crescente).
Quanto aos jogos em si, rolou uma remasterização nos menus e em todos os textos, então por mais que o visual ainda remeta ao estilo retro do GBA, esses fatores estão completamente adaptados para telas grandes e de alta qualidade. Os 10 títulos das duas coletâneas (lembrando que, a partir do terceiro, todos receberam duas versões no mesmo estilo da série principal de Pokémon) também ganharam uma opção chamada “Buster MAX”, que pode ser usada para facilitar os combates ao extremo.
As batalhas de Battle Network são divertidas, mas seu fator aleatório pode ser extremamente irritante. Quando estamos no mundo virtual, não dá para passar nem 10 segundos sem entrar em combate – e o jogo ainda te força a finalizar todos! A solução para isso é ativar o “Buster MAX”, que multiplica o dano da arma básica do Mega Man na casa das centenas. Um simples tiro que causaria apenas 1 de dano passa a matar praticamente qualquer inimigo com um único ataque, então acaba sendo muito útil para se livrar rápido desses encontros indesejados. Porém, isso também tira toda a graça da coisa e até torna desnecessário o uso de chips, então não recomendo usar o tempo inteiro.
Por último e não menos importante, também foi adicionado batalhas online com outros jogadores, permitindo que cada um assuma seu pet e faça bom uso das melhores combinações de chips. Eu achei isso simplesmente incrível, principalmente porque quem chegou a assistir o anime na época sabe bem que essa era a graça da história: batalhas de pets. Também é possível trocar chips com outras pessoas, então de todas as novidades, esses recursos online certamente são a cerejinha do bolo.
Mega Man Battle Network Legacy Collection é um pacote bem completo que não só reúne todos os jogos da série, mas também traz novidades suficientes para renovar sua vida útil. São títulos que envelheceram muito bem e com certeza merecem uma chance daqueles que deixaram passar na época, assim como serem revisitados por quem já jogou. Agora, resta cruzar os dedos e torcer com todas as forças para que a próxima coletânea seja a de Mega Man Legends.