Quase cem anos atrás, um homem apavorado pela própria essência da vida se refugiou dentro de sua própria mente. H.P. Lovecraft é e continuará sendo um dos maiores expoentes no gênero chamado de horror cósmico. Trazendo temas abstratos e aliens fora de nossa compreensão para o gênero, angariou seguidores ao redor do mundo. É também um dos estilos de escrita de horror mais comumente mal-adaptados em relação ao número de tentativas/ sucesso. Lust for Darkness, o jogo criado pela Movie Games Lunarium, está aí para nos provar que apenas estruturas estranhas não são o suficiente.
Baseando-se nos conceitos criados por H.P. Lovecraft, como a cidade perdida de R’lyeh, Lust for Darkness traz um mundo onde o prazer sexual e físico são lei. Uma fusão de escolas entre Lovecraft, horror cósmico e Hellraiser.
Há um outro mundo além daquela porta
Jonathan é um homem acometido pela dor de perder sua esposa. Anos atrás, a mesma desapareceu de forma misteriosa, após ter sido convidada para visitar a antiga mansão Willard. Grávida do futuro filho do casal, Amanda desapareceu no mundo, ou era o que Jonathan pensava. Em uma noite, após horas de trabalho em sua casa, Jonathan sente uma estranha presença e recebe um envelope. A carta escrita por Amanda diz que ela ainda se encontra na mansão Willard e espera que Jonathan possa ir resgatá-la.
Sem saber se pode ou não confiar na carta, Jonathan junta toda sua coragem e segue rumo à bizarra mansão. Lá, ele se infiltra pelos jardins, onde Amanda deixou para ele uma máscara e um manto negro: este é o disfarce para que Jonathan possa se infiltrar em meio à alta sociedade que frequenta a mansão. Ao entrar, Jonathan descobre que aqueles lá presentes são membros do Culto do Êxtase e buscam a terra de Lusst’ghaa, um plano extra-dimensional onde todos os prazeres da carne são possíveis, ou pelo menos é o que acreditam.
Nesta exata noite em que Jonathan se encontra na mansão, os portões entre nossa dimensão e a de Lusst’ghaa irão se conectar. Antes que isso ocorra, Jonathan deve encontrar Amanda e seu bebê para que possam finalmente viver em paz, porém o culto possui outros planos. Antes que possa encontrar Amanda, uma grande orgia tem início e os portões se abrem após Jonathan interagir com um bizarro objeto fálico. Uma vez que acorda novamente, Jonathan se vê em um local alien, onde encontra uma nova máscara que permite que o mesmo veja segredos e outras coisas escondidas. Munido desta bizarra máscara, sua coragem e astúcia, Jonathan deve evitar as estranhas criaturas que permeiam este mundo bizarro, os cultistas e Willard com seu bizarro servo demoníaco.
Lust for Darkness é um jogo que surgiu de uma campanha bem fundada no Kickstarter, que mal estreou e já está em busca de patrocínio para uma continuação, chamada Lust for Beyond. Testado no Nintendo Switch e no PC, as diferenças se encontram mais no quesito gráfico, porém a visão geral de Lust for Darkness continua a mesma: uma experiência de horror cósmico malfeita e com pouco conteúdo.
O jogo já começa de maneira estranha, com uma cena velada de estupro de Amanda. Os controles são travados, a movimentação de Jonathan é dura e pouco orgânica e o jogo apresenta mais itens inúteis com os quais podemos interagir do que é necessário. Utilizando uma temática recorrente no gênero de terror, a famosa “mansão mal assombrada”, temos um estilo clássico para que a história seja contada, mas tudo é malfeito e apressado, não dando tempo para que o terror cósmico realmente brilhe e apareça como desejaríamos.
O gameplay de Lust for Darkness relembra muito o de jogos como S.O.M.A. e Slender: The Arrival. Nosso personagem interage com itens no cenário, utiliza outros para resolver puzzles pela mansão e pelo mundo de Lusst’ghaa e corre. Como nos jogos citados anteriormente, não dispomos de uma arma ou maneira de nos defendermos, apenas podemos correr de nossos agressores, sejam eles cultistas ou criaturas. Algo de que senti falta é o ato de podermos nos agachar, e por mais básica que aparente, a falta dessa ação traz grandes problemas para jogadores mais antigos do gênero, que costumam utilizar esses momentos para analisar suas opções e ações futuras.
O jogo conta com dois tipos de criaturas, as chamadas de The Enthralled e os The Changed. O primeiro grupo são os humanos que foram transportados primariamente para a terra de Lusst’ghaa e se tornaram apenas brinquedos, sofrendo diversas operações físicas, adquirindo lâminas em seus braços e largos órgãos genitais, a fim de proporcionar prazer. Já o segundo grupo de criaturas são residentes das terras de Lusst’ghaa e vivem em eterna busca de prazer, apenas uma casca do que foram um dia neste universo deformado.
Uma vez que tenha tido acesso ao mundo de Lusst’ghaa, o jogador deverá resolver inúmeros puzzles em busca de saídas, enquanto foge desesperadamente das criaturas que o matam com apenas um toque. Para conseguir se desvencilhar das mesmas e achar pistas, a máscara que encontramos mais cedo entra em ação. Ao utilizarmos esta máscara, vemos coisas escondidas pelos cenários do jogo que podem conter respostas para os puzzles. Mas abusar dos poderes da mesma é uma péssima ideia, já que quanto mais tempo ela permanece em nosso rosto, mais louco Jonathan se torna.
A questão da loucura e desespero expressos por Jonathan durante o jogo é totalmente aleatória e pouco explicada. Em determinados momentos do jogo, a tela começa a desfocar e Jonathan parece ofegante, porém não há um indicador ou um medidor para que possamos controlar ou saber o quão ruim isso é. O que é mais um grande desfavor ao jogo, já que se tal mecânica está inclusa no jogo, deveria ter sido melhor explorada, tendo em vista que loucura e perda de controle são temas comuns do gênero.
Por isso, poucas são as obras de horror cósmico que realmente acertam nos games, e Lust for Darkness não explica os conceitos e regras de mecânica do jogo de maneira coesa, o que deveria ser prioridade. Ao invés disso, explica aquilo que não deve ser explicado, ou seja, o mundo, criaturas e objetivo das mesmas.
Desprazeres além da decepção
Os gráficos de Lust for Darkness não são nem um pouco revigorantes ou impactantes. No começo do jogo, vemos que Jonathan vive uma vida que condiz com os tempos atuais, um carro sedan moderno e uma bela casa toda bem equipada. Porém, quando chegamos na parte da mansão, o jogo retorna a uma visão do início do século XX, contando com cultos mascarados e carros da época como Bentley Litre Vanden Plas e o clássico Ford Model T.
Os jardins e a mansão são repletos de estátuas desnudas ou praticando atos sexuais, sejam eles entre humanos ou bestiais. Isso mostra que a equipe realmente pesquisou o que seria necessário para representar um culto voltado ao ato carnal e busca do prazer eterno, mas os gráficos pouco impressionantes tanto no Switch, quanto no PC deixam a desejar.
A trilha sonora é passável, nada muito bem aprofundado, com as composições de Graham Plowman. Graham tem feito há anos diversas composições em torno do universo do horror cósmico, como os contos O Forasteiro, Nos Montes da Loucura e O Cão de Caça de H.P Lovecraft. A trilha sonora de Lust for Darkness se alterna entre uma música de lobby enquanto na mansão, e uma música desconexa enquanto no universo de Lusst’ghaa.
Lust for Darkness é uma obra de horror cósmico falha, em todos os sentidos. Suas personagens são rasas e com pouco conteúdo a ser explorado, a terra de Lusst’ghaa é pouco explicada ou citada em prévias ou documentos, e não existe complexidade visual ou algum fator realmente alarmante e assustador no jogo, que falha em acertar todos os pontos que realmente tornam o gênero do terror cósmico algo tão fascinante e desconcertante de ser lido.
Ainda há muito a ser aprendido e trabalhado para que a série Lust for chegue ao patamar dos contos de H.P Lovecraft e grandes obras atuais do gênero como The Void, Aniquilação, 2001: Uma odisseia no espaço e outras. Infelizmente, este é mais um dos títulos do gênero que falha em sua premissa e ficará às margens da praia da loucura e desconcerto, distante ainda da ilha do horror cósmico.