Resgatando os lançamentos de 2016 e 2019, a Bloober Team surpreendeu com o anúncio de Layers of Fear numa nova edição que reúne o primeiro e segundo jogos, além de um novo conteúdo extra, totalmente retrabalhados na Unreal Engine 5 e uma nova história surpreendente.
Mais um fruto desta nova geração, preocupada em entregar visuais deslumbrantes, será que realismo e iluminação incríveis são o que este terror psicológico precisa para a imersão que prometem? Ou um cuidado maior com a construção narrativa já seria o suficiente para criar boas experiências?
As camadas da ganância
Logo no início somos apresentados à misteriosa Escritora, que retorna após dez anos ao seu local de reclusão criativo num farol macabro para reviver e continuar seu trabalho literário. É dessa forma que temos o ponto em comum entre Layers of Fear, Layers of Fear: Inheritance e Layers of Fear 2, amarrando-os à uma nova história.
Com a possibilidade de jogar todo o conteúdo em formato de capítulos, conforme você vai desbloqueando, o jogo apresenta todas as histórias para você começar por onde quiser, mas que erra ao não separar as sequências no farol fazendo com que você tenha acesso a ela somente ao finalizar certas etapas dos demais capítulos.
Decidi seguir a ordem que o jogo tinha para oferecer que, após a sequência inicial comentada acima, acompanhamos a história de um pintor alcóolatra, que sofre de um bloqueio criativo e pela busca da perfeição artística, em paralelo acompanhamos os dramas familiares envolvendo sua esposa, musicista e que também apresenta problemas psicológicos, e a pequena filha desse casal perturbado.
Intercalando com o presente da Escritora, que está trabalhando num novo lançamento para atender às exigências do seu editor e tentando superar uma perda, temos a possibilidade de revisitar a história do pintor pela perspectiva da filha, que retorna à mansão no DLC “Inheritance”, ou conhecendo o novo conteúdo ao controlar a esposa do pintor, no novo conteúdo “The Final Note”.
Ao finalizar “o livro sobre o pintor vitoriano”, com apenas seis horas, nós praticamente fizemos metade do jogo e finalmente podemos conhecer a história sobre um artista de cinema em um cruzeiro para uma filmagem de um novo sucesso hollywoodiano que, enquanto trabalha na busca pela construção do seu personagem, acaba revivendo dramas, perdas, dificuldades e a violência que sofreu durante a infância.
Quando chegamos ao fim do “livro sobre o artista de cinema” também conhecemos o desfecho da jorna da escritora presa no farol, com um desfecho que conseguiu usar muito bem a metáfora sobre ganância e a busca pelo sucesso, além de “materializar” um elemento do primeiro jogo, amarrando todas as crônicas.
Além da grata surpresa sobre como as histórias se amarram, mesmo achando que a sequência no farol é muito fraca como narrativa e acaba do nada, também fui surpreendido com um erro crítico que fechou o jogo e causou a perda de parte do progresso, mesmo entregando os troféus do PS5 e mostrando a sequência de encerramento.
Infelizmente a cadência em como as narrativas se constróem, além de alguns detalhes que explorarei abaixo, me deixaram sem vontade de retomar o jogo para conhecer os demais finais de Layers of Fear.
Assustador, perturbador ou tedioso?
Mesmo eu sou muito medroso, o que permitiu com que eu fosse até o fim de todas as três histórias, além do interesse pela história, foi o tédio. Mesmo com o retrabalho incrível para o visual do jogo, entregando cenários impressionantes e iluminação que parecem reais, a narrativa é arrastada e a jogabilidade transforma o medo em tédio.
Cada crônica ou livro, chame como quiser, demora pelo menos de duas a três horas para apresentar suas ameaças, mas que aparece em momentos bem marcados pelo visual ou trilha do jogo, fazendo com que o restante da exploração seja preenchido apenas com exploração, alguns puzzles bobinhos, poucos jump scare e muitos elementos para interagir.
Ou seja, 80% de Layers of Fear é quase um walking simulator, para caminharmos e apertarmos R2 na tentativa de coletar todos os elementos e informações, que depois são encontrados numa espécie de hub central ligado a cada um dos progatonistas. Tente fazer isso por pelo menos dez horas em um mesmo cenário, recolhendo o mesmo tipo de itens, em sua maioria com textos narrados, para se entediar ou irritar com os controles que não foram padronizados entre a sequência do pintor, artista e escritora.
Correr com os protagonistas surge com velocidades diferentes em cada história, assim como um pode agachar e outro não, sem contar a posição da câmera quando temos uma visão pela perspectiva de uma criança, que também aparecem distintas entre os capítulos. Nada que atrapalhe a experiência, mas que contribuiu para me deixar mais entediado durante o jogo.
Assim como os jogos originais, ambos não oferecem muita ameaça ou latência para o inimigo imortal que enfrentamos: como pintor usamos uma antiga lanterna a carvão para enfrentar uma mulher decrépita; já como artista, temos uma lanterna tradicional para “lutar” (com muitas aspas) contra uma espécie de manequim deformado. Em ambas as ocasiões, os encontros servem apenas para retardar o inimigo, evitando que ele chegue próximo o suficiente para atacar os protagonistas.
O mais interessante em torno dessa mecânica de utilizarmos uma lanterna, para compensar um combate breve e inútil, está em interagir com objetos e ambiente para revelar caminhos ou itens coletáveis. Com a mansão e navio se tornando um pesadelo labiríntico, seja para escapar ou explorar, essa lanterna acrescenta uma boa camada (olha o trocadilho) para incrementar a experiência.
Andar demais também é um terror
Infelizmente andar pelos corredores não é assustador, mesmo com alguns jump scares, além do terror psicológico ser bem previsível, fazendo você ir até uma porta ou fim de um corredor, para ser obrigado a virar e se deparar com o cenário modificado. Aflitivo e nojento, mas não assustador, são sentimentos que competem fortemente com o tédio por ter guias até mesmo para você ser assustado, com elementos que indicam para o local em que você precisa olhar para esse susto vir.
O mais bizarro disso tudo é que os desenvolvedores resolveram recompensar, com um troféu, para quando você não segue as indicações na tela e permanece “ignorando o medo”, ou seja, o jogo realmente falha em criar um terror iminente pelo simples fato de você estar no local. Ambos são vicerais e perturbadores, mas o segundo tem uma melhor relação entre “jogador e jogo” que o primeiro.
Vale ressaltar que entre sustos bobos e aleatórios, o navio oferece alguns bons puzzles para serem resolvidos, preenchendo melhor o tempo de jogo, amarrando muito melhor o jogo com o cenário em que se passa, a relação que tem com os personagens e as motivações para os acontecimentos.
Criando uma solução fraca para amarrar todas as histórias, mesmo com muitos pontos interessantes ao trabalhar temáticas enraizadas no pecado da ganância, construindo histórias que tocam em assuntos muito delicados da psiquê humana, Layers of Fear peca ao entregar uma experiência monótona e que faz com que não nos importemos com escolhas ou rumos das histórias, sem favorecer o potencial de replay que o jogo oferece e se apegando apenas ao novo visual.