Logo ao início de Just Cause 4, o protagonista Rico Rodriguez diz: “um plano é uma lista de coisas que dão errado. Eu gosto de manter essa lista curta”. Desde que a série começou em 2006, os tópicos dessa lista parecem ser “diversão”, “destruição” e “cair de paraquedas”. A Avalanche Studios é um dos poucos casos que consigo lembrar de uma desenvolvedora que se manteve tão consistente em sua visão. Claro, uma visão simples, porém ainda satisfatória.
Com o ponto alto da franquia sendo o ótimo Just Cause 2, seguido do decente porém decepcionante terceiro jogo e o raso primeiro (que parecia mais um teste do conceito da série), Just Cause 4 chega para desafiar o outro número par.
Problemas na vista
Antes de tudo, vale apontar o que vai ser visto de primeira ao jogar a versão 1.01 de Just Cause 4 em um console padrão (nesse caso um PS4). O terceiro jogo da série tinha problemas terríveis de performance, muitas vezes caindo de seu alvo de 30 quadros por segundo até em torno de 15. Mesmo que tivesse bons gráficos, esses momentos de péssima performance atrapalhavam a diversão. Just Cause 4 não apresenta esse problema, mantendo muito bem sua taxa de quadros por segundo. É um dos jogos mais fluidos que vi no ano, trazendo também controles muito responsivos. Porém, algo piorou em troca.
A resolução dinâmica do jogo, em um PS4 padrão, é muito mais baixa que o esperado, parecendo estar muitos momentos em 720p, resolução essa que se via na geração anterior de consoles. Isso em si não seria um grande problema (pelo menos para mim) se, junto disso, não houvesse um péssimo tratamento de imagem e uso exagerado de borrão de movimento. Fica realmente difícil enxergar diversos elementos em tela, especialmente quando se utiliza um carro. Tudo fica muito borrado e às vezes é fácil bater acidentalmente em outro veículo à sua frente. Serrilhados também são excessivos, afogando a imagem. Flashbacks do primeiro Just Cause no PS2 (versão muito inferior às outras) apareceram em minha mente.
Você deve estar pensando “mas gráficos não importam tanto, o que importa mesmo é a jogabilidade”. Eu concordo que a jogabilidade ainda é de maior importância, mas uma apresentação visual desse nível atrapalha a imersão. Não anula, mas afeta negativamente. Ainda mais um jogo como Just Cause 4, onde o marketing trazia imagens e vídeos de cenários belíssimos. No PC, esse nível talvez possa ser atingido. Mas muitos dos jogadores estão nos consoles padrão e foi vendida uma experiência visual distante do que eles terão. Tudo isso se agrava ao comparar o jogo com outros mundos abertos como Red Dead Redemption 2 e Marvel’s Spider-Man que, mesmo nos consoles base, trazem uma estética fantástica, com ótimo tratamento de imagem e resolução 1080p no PS4.
Existem elementos visuais atraentes e momentos espetaculares em Just Cause 4, por baixo de tudo isso, que não brilham tão forte quanto poderiam. Até mesmo as cutscenes apresentam diversos problemas visuais. Vale lembrar que a APEX Engine, da própria Avalanche, também será utilizada em RAGE 2 e Generation Zero, o que gera algumas preocupações aos jogadores nos consoles padrão. Just Cause 4 almeja reproduzir diversos detalhes exigentes de física (com ótima performance, por sinal) que tais futuros lançamentos talvez não façam o mesmo uso. Então, ainda é possível que esses jogos sejam optimizados de maneira diferente e não apresentem as mesmas limitações, mas isso só esperando pra ver. O jogo também não traz uma configuração de brilho ao jogar numa TV sem HDR, mas isso acaba não sendo problema para quem já tem a tela bem calibrada. Já a iluminação do jogo apresenta bugs em alguns momentos.
No final do dia, mesmo com esses problemas, ainda prefiro, sinceramente, a excelente performance do jogo e a responsividade dos controles acima de uma resolução mais alta ou visuais mais “apresentáveis”. Em apenas um momento a taxa de quadros caiu consistentemente e foi exatamente quando, por algum motivo, a resolução dinâmica subiu. Espero que pelo menos o borrão de movimento e o tratamento de imagem sejam modificados através de futuros updates, algo possível de ser feito. Com tudo isso tirado do caminho, vamos ao que mais importa.
Bem-vindo a Solís
A trama do jogo continua clichê mas, dessa vez, não irrita como anteriormente. As personagens não esgotam sua paciência com “personalidades” exacerbadas (estou olhando para você, Mario de Just Cause 3). O tom das cenas é mais sério, sem ser sério demais. A história traz Rico Rodriguez para Solís, com o objetivo de destruir uma super-arma criada por seu pai, Miguel, além de desmantelar a Mão Negra, organização militar que enfrentou tanto no primeiro quanto terceiro capítulos da franquia. Para isso, contará com a ajuda de Mira e Tom Sheldon (presente em todos os jogos). Ao longo das missões, Rico descobre verdades sobre o seu pai e a agência para qual costumava trabalhar. Essas revelações aproveitam bem elementos das tramas dos jogos anteriores. Isso, junto com alguns bons diálogos e cutscenes (mesmo com problemas técnicos), faz com que a campanha seja surpreendentemente competente na narrativa.
Solís é um país sul-americano, com uma cultura muito melhor explorada que os cenários anteriores. Existem diversas rádios, por exemplo, tanto de música quanto de talk-shows com propagandas. O destaque vai para a “Hoje em Solís”, onde o programa “Tiago e Santiago” traz diálogos muito bem escritos entre seus apresentadores. Vale apontar que a dublagem em português no jogo todo é fenomenal, talvez a melhor do ano para mim. Até as propagandas de novelas são convincentes, trazendo um sorriso ao rosto com sua qualidade acertada. Enquanto isso, o excelente trabalho de som das armas e veículos confere peso à ação. A trilha sonora de Alyssa Menes é fantástica, extremamente atmosférica e fazendo uso tanto de elementos eletrônicos quanto instrumentais.
As missões realizadas seguem 3 linhas, além das típicas missões principais da história. As do Sargento são treinamentos de seu jovem exército rebelde, atacando de diferentes maneiras a Mão Negra. As de Javi Huerta trazem tumbas a serem exploradas, com o intuito de descobrir a história pré-colonial de Solís. Já as de Garland King, diretora de cinema, pedem que Rico realize acrobacias veiculares e atos explosivos a serem filmados.
Todas elas fazem bom uso das mecânicas, apresentando situações variadas o suficiente. Se em uma você guia um helicóptero com passageiros atirando mísseis em seus alvos, em outra você mesmo estará pendurado de cabeça pra baixo na aeronave, matando inimigos com um rifle de precisão. As tumbas são interessantes, mesmo que sempre tragam o esquema de encontrar a alavanca para soltar uma esfera gigante e guiá-la ao botão.
Onde que ele consegue esses brinquedos maravilhosos?
Não fazendo mais parte da agência, Rico ainda possui suas ferramentas fantásticas como o paraquedas infinito (do primeiro jogo), o gancho e amarras retráteis (do segundo) e o traje planador (do terceiro). Em Just Cause 4, entre as novidades estão as lentes de RA (Realidade Aumentada), que podem marcar temporariamente zonas de busca e objetivos ao toque do L3, o analógico esquerdo. E agora o gancho traz um bom grau de customização, além de novas funções. Por exemplo, a função retrátil do gancho, que conecta um objeto a outro, pode ter o comprimento da corda e a velocidade da puxada aumentada ou diminuída, entre outros detalhes.
Já as duas funções novas, o balão (utilizado para levantar objetos) e o propulsor (que impulsionam os objetos nos quais estão acoplados), também trazem diferentes configurações. No caso do balão, seu gás pode ser trocado para hélio, fazendo com que exploda com seus tiros) e sua altitude máxima alterada, sem falar em outros atributos. Esse grau de customização garante mais variedade no uso do gancho, sendo extremamente divertido experimentar com essas habilidades, algo que as missões permitem bem.
Para a evoluir as ferramentas e destravar essas alterações, é necessário conseguir pontos de modificação. Eles são garantidos ao conseguir experiência com as missões de contatos. Deve se completar missões e atividades de Javi Huerta para a função retrátil, de Garland para os propulsores e do Sargento para o balão.
Completar missões e controlar novas bases também garantem que novos suprimentos possam ser adquiridos e transportados até Rico pelos pilotos. Esses pilotos também servem como um mecanismo de viagem rápida para partes do cenário, porém, assim como nas entregas, precisam de um tempo de reabastecimento após sua utilização.
Abrir novas regiões do cenário e suas missões funciona de outra maneira agora. Em Just Cause 4, o cenário é marcado por linhas de frente. Para destravar uma nova região, é necessário ter conquistado a região adjacente, além de possuir um certo número de esquadrões para arcar com o custo definido no mapa. O ganho de esquadrões vem ao completar as atividades nas regiões já destravadas. A progressão tem bom ritmo, sendo satisfatório destravar novos itens e missões. O jogo me estimulou de maneira eficiente a completar todas as atividades que encontrava.
Enquanto em Just Cause 3 a porcentagem de cada local era aumentada por destruir todos os equipamentos militares, agora ela sobe simplesmente ao completar as atividades em seu entorno. Isso é certamente mais divertido, fazendo com que a dominação total do mapa (algo que realizei no terceiro jogo) não seja tão ridiculamente repetitiva como antes. Entre essas atividades estão a destruição de dirigíveis, a passagem por aros de velocidade com diferentes veículos, trajetos com o traje planador, transporte de caixas através do uso de balões e propulsores, entre outras.
Porque sim
O maior trunfo de Just Cause 4 é sua jogabilidade, com controles muito mais responsivos. O movimento de Rico é fluido, assim como a mira. O controle de veículos é mais solto, porém bem mais fácil de utilizar que no jogo anterior (especialmente as aeronaves). Os veículos podem ser controlados no ar, ajustando sua posição e podendo desfazer capotagens facilmente. O mapeamento de botões também é diferente, trazendo o modelo padrão de L2 ativar a mira mais aproximada, não mais utilizando o analógico direito R3. Essa mira também já pode ser utilizada desde o início, não precisando ser destravada como em Just Cause 3.
O combate se beneficia muito com os controles, além de uma variedade maior de inimigos e armas. Existem inimigos com escudos, inimigos que se camuflam, canhões automatizados e drones variados. Para derrotar alguns deles, não se utilizam apenas as armas como também o gancho. Por exemplo, para destruir canhões, é necessário remover duas tampas de sua estrutura e atirar no gerador lá dentro. Já as armas trazem funções secundárias, como por exemplo um rifle inteligente que trava seus tiros nos inimigos ou uma metralhadora que solta um drone amigo, que ajuda Rico na batalha. Como diz Garland King ao conhecer Rico, ele é “o Da Vinci da violência”. Just Cause 4 traz uma variedade maior de pincéis e tintas.
A composição do gancho pode ser trocada, podendo incluir as 3 funções no mesmo gancho, com uma delas sendo ativada automaticamente e as outras duas ao tocar ou segurar o direcional para cima. A potência delas também pode ser ajustada como baixa, média ou alta. Ou seja, a customização continua compreensiva e o jogador pode planejar usos insanos das ferramentas (esse sim é um jogo que vai render belos vídeos no Youtube). As tempestades, furacões e outras ameaças da natureza são muito bem implementadas, chegando a adicionar tensão em casos como missões que Rico precisa fugir de raios enquanto cumpre seus objetivos. Algumas armas também se aproveitam dessas novidades, como o canhão elétrico e o de vento.
Nem tudo funciona, obviamente. Além dos já mencionados problemas gráficos, encontrei alguns bugs e um travamento. Após uma missão, não conseguia mais ativar o paraquedas e o traje planador, precisando recarregar o jogo. Em outra, onde precisava hackear um dirigível e protegê-lo, consegui hackeá-lo mesmo após sua destruição, enquanto caía com seus destroços. Um problema, que não ocorre sempre, acontece ao tirar capturas de tela enquanto pilota um veículo. Como o botão para capturar tela é o triângulo, após o botão Share, quando realizava uma captura rápida Rico se jogava do veículo, o que chegou a falhar algumas missões (devido ao fato de que os carros explodem fácil quando o personagem não está neles). A solução foi ativar o Share e esperar um tempo antes de tirar a captura, algo não muito prático já que nesse momento você perde o controle do jogo, o que não ajuda em tiroteios e perseguições.
Existem também problemas com o salvamento de progresso. Em alguns momentos, ao terminar um objetivo e voltar ao menu principal, o jogo não salvou meu progresso. Ao morrer durante a missão, os checkpoints funcionaram normalmente, porém ao sair para o menu e voltar, o progresso era perdido, pois o jogo me colocava de volta no mundo aberto.
O que mais importa é que, mesmo com diversos problemas, Just Cause 4 consegue ser bem divertido, dando espaço para experimentação e fornecendo diversas ferramentas ao jogador. É um modelo de mundo aberto que não se vê tanto ultimamente, um videogame que é admitidamente um videogame.
Claro, não é maravilhoso. Várias missões são simples e o jogo não vai surpreender tanto os jogadores, ainda seguindo uma fórmula. Além disso, os diversos problemas técnicos e gráficos acabam trazendo a nota pra baixo, infelizmente. Por trás disso, porém, está um ótimo jogo, que certamente não faz feio em comparação a Just Cause 2. Então, para quem sabe o que esperar da franquia e consegue tolerar os problemas mencionados (ou quem for aguardar correções para o borrão de movimento e bugs), a viagem para Solís é recomendada.