Existem tantos jogos indies sendo lançados diariamente e tão pouco tempo para jogar que infelizmente somos forçados a ser bem seletivos na jogatina. Quando recebi Horace para analisar, eu nem sequer sabia do que se tratava este título e comecei a jogá-lo de coração aberto. Bastou uma hora de gameplay para eu pensar comigo mesmo: “Que bom que esse aqui não passou batido”.
Horace é um jogo tão incrível que fica difícil descrevê-lo em uma simples análise de 900 palavras. Ele é tão simples e ao mesmo tempo tão cheio de conteúdo que cada nova descoberta faz nossos olhos brilharem e ansiarem por mais. Falo com tranquilidade que temos aqui uma obra-prima e facilmente o melhor jogo indie de 2020.
O mundo ideal
O protagonista da vez é um robozinho cujo nome intitula o jogo: Horace. Nossa história começa quando ele chega na casa de seu novo dono, um milionário que pouco sabemos a respeito, mas que certamente gosta muito de seu novo “brinquedo”. Horace não ganha o coração de todos logo de cara, mas com o tempo ele se torna um membro daquela família e passa a ter hábitos e hobbies de humano, como assistir a filmes e jogar videogame.
Sem querer spoilar nada sobre o enredo, após uma série de eventos, Horace se vê perdido em um mundo devastado pela guerra. Agora só resta concluir a missão que seu dono designou a ele: limpar um milhão de coisas (literalmente) para enfim se tornar um menino de verdade – mesmo que ele nem sequer entenda o que significa ser “de verdade”.
O foco do jogo é 100% em narrativa e toda a história é narrada pelo próprio Horace. O começo é bem lento e tem muito pouco gameplay, mas as cutscenes são tão divertidas de assistir que você mal vê o tempo passar. Ainda que o jogo tenha um visual retrô e tudo seja feito em pixel art, todos os personagens são extremamente expressivos, tornando essa história muito envolvente.
O mais impressionante é que o jogo nem tem dublagem, afinal escutamos apenas a voz robótica e sem emoção de Horace do início ao fim, mas ainda assim você consegue rir, ficar tenso e muitas vezes até se emocionar. As cutscenes são construídas com perfeição, usando e abusando de vários tipos de enquadramentos cinematográficos que a gente não vê nem em jogos AAA – e detalhe: estamos falando de um jogo 2D sidescroll!
O que coroa esse conjunto é poder ouvir todos os fatos sendo contados do ponto de vista ingênuo de uma máquina, que enxerga tudo de forma literal e não vê maldade nas pessoas. Boa parte do humor se dá aos fatos que ficam subentendidos, mas que são narrados de uma forma inocente pelo nosso protagonista. Horace ganha nossa simpatia quase instantaneamente e não demora nada para começarmos a nos importar com nosso querido robozinho.
Aventuras antigravitacionais
Quando não estamos assistindo cutscenes, teremos um jogo de plataforma perfeitamente balanceado. É desafiador, mas não chega a ser frustrante; não foge muito dos clichês do gênero, mas sempre arranja um jeito de te surpreender. Quando o jogo começa para valer, ganharemos um sapato antigravitacional que nos permite andar pelas paredes e pelo teto, oferecendo uma perspectiva completamente nova de tudo ao nosso redor.
Apesar do nosso objetivo primordial ser sempre seguir as instruções impostas pela narrativa, não podemos nos esquecer de coletar todo o lixo que aparecer no caminho. Tem lixo para todo lado e a princípio parece que vai ser fácil alcançar a marca de 1 milhão de tranqueiras, mas pode acreditar: vai demorar.
A dificuldade do jogo vai se elevando sutilmente. Em um momento passamos por um trecho de plataforma completamente comum e no outro já nos deparamos com uma infinidade de obstáculos que vai exigir um desempenho de “Super Meat Boy”. Porém, o objetivo de Horace não é te deixar frustrado, então contamos com vidas infinitas e checkpoints constantes para tentarmos quantas vezes for preciso.
Em nenhum momento o jogo te força a coletar todo o lixo presente no cenário. Isso acaba se tornando um objetivo secundário, já que sua maior preocupação sempre será superar o desafio de plataforma imposto ali. Aos poucos novas mecânicas são introduzidas e temos até batalhas contra chefes! Como eu disse, esse jogo nunca para de surpreender.
Quando assumimos Horace com mais liberdade, o jogo se torna uma espécie de metroidvania, onde podemos transitar por aí, entrar em casas e procurar mais lixo. Nem tudo vai estar disponível logo de cara, então é aí que entra seu lado metroidvania, nos forçando a revisitar alguns lugares depois. Nem sempre eles serão importantes para o desenrolar da narrativa, mas sempre oferecerão mais desafios de plataforma e é claro, mais lixo para pegar.
Só para eruditos
Não parando por aí, Horace também é repleto de minigames incrivelmente nostálgicos e perfeitamente encaixados na narrativa. Nenhum deles é colocado ali sem contexto, então além de enriquecer a história, eles ainda colocam um sorrisão no nosso rosto. O primeiro deles, por exemplo, é um jogo de Pong entre Horace e seu dono, que sempre jogavam videogame juntos.
Para coroar o belíssimo pixel art dos gráficos, a trilha sonora traz muita música clássica e, por incrível que pareça, deu certo! Horace é um robozinho muito culto e educado que foi criado como um lorde (a roupa dele não nega), então colocar música clássica no fundo casa perfeitamente com o personagem.
Enfim, já falei demais e creio ter trazido motivos o bastante para convencer vocês de que Horace DEVE ser jogado. Eu sinceramente não consigo enxergar nenhum defeito na obra como um todo, não tendo nem mesmo um bug para pontuar. Pela primeira vez em todos esses anos como crítico de games, tenho aqui um jogo sem nenhum ponto negativo.
Na verdade, tem um sim: infelizmente uma hora ele acaba e teremos que nos despedir do nosso amigo Horace e de todos os momentos incríveis que passamos juntos.