Pé na porta, tiro, porrada e bomba seriam a definição perfeita de High Hell. Exceto que não tem bomba para você arremessar no jogo. Mas todo o resto está lá, incluindo também coxinhas de galinha, bituca de cigarro, batidão na caixa de som e um ou outro pinto. Não o filhote da galinha, pinto mesmo.
Com esse climão vidaloka o FPS dá uma sacudida boa no gênero, combinando a velocidade alucinante de um Strafe (ou Doom, para a galera da antiga) com a precisão cirúrgica (e a insanidade) de um Hotline Miami, mas com um suingue brasileiro, cortesia de seu criador Terri Vellmann – que tem nome de gringo, mas é paulista.
Para quem não está ligando o nome à pessoa, Vellmann é o pirado por trás de Heavy Bullets. Aqui ele se junta com o rapper Doseone (de Enter The Gungeon, Gun Godz e Samurai Gunn) para produzir uma obra que é uma pancada nos ouvidos e dedo nervoso no mouse.
Armada e perigosa
Sem perder tempo com historinha, ceninha ou conversa fiada, o jogo apresenta um rápido tutorial para quem nunca pegou um FPS na vida e já te joga aos tubarões. Não há muito o que aprender: é acertar ou ser acertado, em 20 níveis que passam voando, com uma única arma, sem precisar recarregar, que te cura quando você mata e cujo recarregamento dura uma fração de segundos para não deixar o ritmo cair.
Enquanto em outros jogos do gênero você precisa girar uma maçaneta ou apertar um botão para uma porta abrir automaticamente, aqui você mete o pé na porta e já entra atirando, porque, se piscar, vai morrer.
O esporro musical pulsa no seu fone de ouvido (ou caixa de som), te empurrando para um frenesi de matança. Sim, é a fórmula de Hotline Miami, mas aqui em níveis 3D, em primeira pessoa e com a possibilidade de procurar caminhos alternativos e surpreender os inimigos com tiros em ângulos perfeitos.
Mas High Hell não foi feito apenas para quem é movido à adrenalina, ainda que possivelmente seja um dos FPS mais velozes que já vi. Pois a cada morte, você aprende a posição dos inimigos e pode fazer melhor na próxima.
Testar novas abordagens. Ser cruel de longe. Entrar em sincronia com os movimentos dos inimigos e executar o tiro preciso. Ou pode enfiar o pé na porta outra vez e libertar o inferno que existe dentro de você. Fica a critério de cada um e o jogo não força um estilo de jogar, embora tenha vários recursos e estatísticas para quem gosta de fazer tudo muito rápido e coletar troféus.
Eu? Eu estava nessa pelo grave do baixo. Pela maldade. E pela bizarrice.
Travadão de ácido
Ao mesmo tempo que mecanicamente High Hell é instigante, com controles precisos e fluidos como poucos jogos de tiro atualmente, conceitualmente ele é ainda mais instigante. Se Vellmann aparentemente não se preocupa em contar uma história, as pistas de um universo coeso estão espalhadas aqui e ali para quem se atrever a procurar em plena carnificina. Em meio a arranha-céus controlados por uma organização criminosa e satânica, uma trama de vingança vai ganhando contorno.
High Hell é um jogo sem diálogos, sem explicações expositivas, apenas fragmentos cuidadosamente plantados nos níveis. Não se deixe iludir pelo caos, há muito mais intenção e construção de atmosfera aqui do se imagina a princípio e mais até do que muitas produções AAA. E essa atmosfera é propositalmente insana.
A preocupação de Vellmann em criar algo divertido e ao mesmo tempo integrado se reflete até nas telas de carregamento interativas, que apontam para acontecimentos que ainda aparecerão, mas de uma forma totalmente bizarra e dentro da proposta do jogo.
Pela culatra
Se tivesse que apontar falhas em High Hell (e eu tenho), eu diria que sua curta duração pode frustrar algumas pessoas. E isso é bom: um jogo tão repleto de pirações e tão gostoso de se atravessar que deixa um sabor de quero mais, depois de apenas duas horas de jogabilidade. Pode ser até menos, se você for muito bom em FPS e não prestar atenção nos detalhes. Pelos bodes virgens, pode ser muito menos, já que há uma conquista para quem vencer o jogo em quinze minutos!
No meu caso já são quase cinco horas, isso porque eu sou metódico e nada frenético. E também porque empaquei no chefe do nível 10 e fiz questão de jogar vários níveis mais de uma vez, por pura farra.
A ausência de um ajuste de dificuldade também pode ser encarada como um defeito do jogo. Como em qualquer título, sem um ajuste, é óbvio que High Hell será quase impossível para alguns jogadores e fácil demais para outros. Eu diria para os primeiros “continue persistindo, vai com calma, aumente a sensibilidade do mouse, se entregue à batida”. Para os segundos, eu diria “tenta achar todos os segredos, supere seu tempo, participe do ranking global, se entregue à batida”.
Na fritura das salsichas, High Hell desponta como um sério candidato a FPS do ano, desbancando medalhões de guerra ou ficção-científica com um universo ímpar e uma pureza nos controles que traz de volta aquele jeito moleque dos anos 90.