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Não é de agora que a discussão “videogames deveriam ser considerados obras de arte” vem ganhando força, e convenhamos que este é um assunto muito delicado que merece até uma coluna à parte (podem me cobrar), mas vez ou outra sempre pinta um jogo aqui e ali que traz este pensamento à tona novamente.

Não importa se foi GRIS, Okami, Ori and the Blind Forest ou qualquer outro jogo bonito – alguns games nos deixam tão encantados que passamos a enxergá-lo como arte. Heaven’s Vault é um desses jogos diferentões que tem o seu charme. Se eu tivesse que escolher um punhado de títulos que de alguma forma me transmitiram esse tom artístico, com toda certeza este seria um deles.

O passado no futuro

Em Heaven’s Vault você assume a arqueóloga Aliya Elasra, uma “loba solitária” apaixonada pelo passado que busca por segredos antigos de uma região no espaço chamada Nebula. Após receber um chamado de sua antiga mentora, a professora Myari, Aliya recebe a missão de investigar o paradeiro do antigo parceiro de Myari, que desapareceu misteriosamente.

O jogo é um adventure point and click com foco em narrativa, mas é difícil compará-lo com outros títulos. Não há nada igual Heaven’s Vault! Apesar do gênero ser mais que manjado e já ter visto dias melhores na década de 1990, a inkle fez um trabalho esplêndido em reinventá-lo.

A particularidade mais notável do jogo é o seu visual. Todos os cenários são em 3D e nesse quesito os gráficos não são nada impressionantes, mas todas as pessoas que habitam estes lugares são desenhadas a mão. Não parando por aí, o modo como elas se movem também é muito fora dos padrões: é como se cada movimento fosse um desenho diferente, mas não apresentados em uma sequência muito rápida para simular um movimento real.

Exploração é a chave de tudo em Heaven’s Vault.

Os personagens se movimentam lentamente, frame por frame. Os movimentos não são dinâmicos, são quase contemplativos, assim como tudo neste jogo. Mas é assim por um bom motivo: diálogos, toneladas deles. Como todo bom point and click, o que sustenta a narrativa de Heaven’s Vault são linhas e mais linhas de diálogos e interações com NPCs, e aqui os personagens não param de falar um minuto, literalmente.

Para acompanhá-la em sua jornada, a professora Myari presenteia Aliya com um robô que a orientará com informações sobre os planetas que visitaremos, como o ecossistema e a cultura dos nativos de cada lugar. Aliya e o robô Six conversam o tempo inteiro e todos os diálogos são interativos, ou seja, na maioria das vezes você será bombardeado com três opções de respostas para dar continuidade à conversa – isso no meio do gameplay!

Grande parte das conversas acontecem em tempo real e apenas as mais importantes possuem momentos focados apenas nelas. Ter o dom de prestar atenção em todos os diálogos ao mesmo tempo que joga é para poucos. Por isso, para tirar total proveito de Heaven’s Vault, é necessário ser quase fluente em inglês, pois além de não ter localização em português, há outra questão que vai atrapalhar um bocado: o jogo não tem dublagem.

Os personagens não tem voz (com exceção dos poucos momentos em que Aliya está narrando a história), então você não poderá contar com o auxílio da audição e será forçado a ler todos os textos para entender tudo. Pode acreditar: há pouquíssimos diálogos que não fazem diferença para a trama, então escolha suas respostas com cuidado.

O Huang é um intelectual que pode te ajudar a traduzir os símbolos antigos.

Um salto ao paraíso

 

Como você já deve ter notado até aqui, Heaven’s Vault é ambientando em um universo sci-fi, então poderemos visitar vários planetas usando uma nave que mais parece um veículo tirado das animações Atlantis ou Planeta do Tesouro (ambas da Disney). Nós temos de pilotar essa nave durante todo o trajeto até o destino, mas nem nesses momentos os diálogos param, o que é bem pior porque você pode acabar tomando o caminho errado enquanto lê as conversas (mas fique tranquilo, o jogo te colocará de volta na rota certa automaticamente).

Em cada planeta enfrentaremos desafios diferentes, mas todos baseados em exploração. Nenhuma localização é visitada às cegas, é a sua investigação que indicará qual o próximo passo a ser seguido. A narrativa não é nada linear e, dependendo do seu desempenho, qualquer coisa pode acontecer, desde você fracassar na missão até solucionar o mistério cedo demais.

Cuidado pra não pegar o caminho errado!

Sentimos isso na pele logo no primeiro planeta que visitamos, um lugar meio pantanoso com um único vilarejo. Lá, as pessoas vivem do plantio de arroz e da criação de porcos e todos têm uma coisa em comum: eles não falam com forasteiros. Vai da paciência e empenho do jogador em encarar esse desafio e encontrar as pistas mais improváveis, assim como NPCs dispostos a conversar.

Não apenas isso, é necessário ser muito astuto nos diálogos e saber lidar com cada NPC para conseguir arrancar informações valiosas, caso contrário você perderá aquela oportunidade para sempre! Eu só tive uma noção do quanto os diálogos têm peso na história quando neste mesmo planeta uma mulher me abordou e afirmou ter visto o homem que eu estava procurando, mas ela achou que estava falando com outra pessoa. Eu poderia ter mentido e falado que eu era a mulher que ela achava que fosse, mas eu disse a verdade e ela simplesmente me virou as costas e foi embora. Eu perdi informações valiosas ali e tive que continuar a investigação de outro modo. Sensacional!

Mas essa nem é a melhor parte de Heaven’s Vault. Como controlamos uma arqueóloga, acharemos muitas inscrições e artefatos com dizeres em uma língua antiga, e será nosso trabalho descobrir o significado de cada hieróglifo até traduzir essas frases. Como você descobre novas palavras? Chutando, explorando, conversando, tudo que temos direito.

Traduzir hieróglifos antigos é a melhor coisa deste jogo.

Sempre que vamos traduzir uma frase, entramos em uma espécie de puzzle que nos dá algumas sugestões de palavras para cada ideograma. Você deve arriscar qualquer significado e assim continuar procurando mais palavras para poder ligar os pontos e relacionar umas às outras, descobrindo novos significados. Ser fluente no idioma antigo é uma das tarefas opcionais do jogo e pode acreditar, é muito instigante e divertido.

Quando estamos visitando um planeta, o game geralmente segue com o som ambiente daquele lugar, mas ele tem uma trilha sonora muito presente e simplesmente fantástica. Cada faixa deste jogo é de uma melodia encantadora que vai fazer você querer continuar ouvindo mesmo quando não está jogando. Novamente, voltamos ao assunto da arte – não é apenas pelo seu visual único, mas sua trilha sonora coroa esse lado artístico do jogo.

Creio que já falei mais que o suficiente para provar que Heaven’s Vault DEVE ser jogado e, para mim, já é o candidato mais forte para melhor jogo indie do ano no Gamerview Indie Awards. É claro que não podemos ignorar o fato de que é impossível tirar proveito dele sem ser bom no inglês, mas preenchendo esse requisito não tem mais desculpa. Jogue Heaven’s Vault!

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