Uma coisa que sempre definiu a franquia Mario é a sensação de controle. Power-ups, mundos temáticos, dinossauros como montaria, tudo isso só serve para enriquecer a experiência; o espírito do encanador está mesmo nos dois verbos principais: correr e pular. É fácil imaginar programadores da Nintendo ajustando variáveis obsessivamente até chegar na física perfeita pra cada Mario novo, dada a qualidade consistente dos controles e o perfeccionismo pelo qual a Nintendo é conhecida.
Super Mario 64 em específico se encontrou em uma situação difícil, tendo que traduzir esse aspecto pela primeira vez para a terceira dimensão em um mundo no qual jogos 3D ainda eram o futuro. E de cara a Nintendo fez um trabalho melhor do que todo mundo estaria fazendo cinco, dez anos depois. Eles definiram ali o básico de como jogos de plataforma em 3D deveriam funcionar em questão de câmera, level design e, mais importante, em controle. Você pode passar horas nos pátios do castelo no qual o jogo se passa só dando backflips e pulando de parede em parede, tão responsiva e imaginativa é a ação de controlar o nosso amigo italiano.
Quando ouvi que A Hat in Time seria uma homenagem aos collect-a-thons, populares na época, me veio a cabeça os inúmeros jogos que queriam tanto ser Super Mario 64 mas que não sabiam como; que achavam que espalhar uma quantidade obscena de colecionáveis pelo cenário bastaria (daí vem o nome, “collect-a-thon”). Tal foi a minha surpresa ao perceber nos primeiros minutos com A Hat in Time que, ao contrário dos antecessores, esse tinha aprendido a lição. Aqui os controles vêm em primeiro lugar, como deveria ser em todo jogo de plataforma.
Uma jornada pelo espaço(-tempo)
Em A Hat in Time você controla uma garota alien que viaja em uma nave espacial em forma de chapéu. Após um conflito com a máfia intergalática ampulhetas que funcionam como combustível para sua nave são espalhadas pelo mundo, e é sua missão encontrar cada uma delas. Ignorando um pouco o surrealismo, esse cenário oferece uma estrutura funcional pro jogo: dentro da nave há quartos que representam capítulos, cada um com várias fases cheias de ampulhetas para serem coletadas.
É aqui que o jogo começa a surpreender, já que cada capítulo possui seu próprio arco narrativo. Por exemplo, em um deles você se envolve em uma disputa entre dois produtores de cinema que pretendem usar ampulhetas encontradas nos seus próximos filmes, e a personagem acaba tendo que atuar em ambos para conseguir as ampulhetas de volta. Ter histórias além de “salve a princesa”, principalmente histórias cheias de charme assim (e acredite, há charme saindo por cada poro desse jogo), adiciona mais engajamento à experiência. É justamente nesse senso de personalidade que A Hat in Time consegue se destacar das suas influências.
Mas por outro lado a variedade de missões também traz um pouco de inconsistência. Algumas fases funcionam como um mini mundo aberto, com missões secundárias, segredos e um monte de colecionáveis. Outras são missões lineares que abandonam essa estrutura pra poder contar uma história. Todas são divertidas, mas a impressão é a de que A Hat in Time seria um jogo melhor se houvesse mais coesão, se ele possuísse uma identidade mais forte em relação à estrutura das missões.
De tirar o chapéu
Mas no final nada isso importa. Colecionáveis, exploração, história, tudo isso só serve para dar uma razão para a garota alien pular e correr e pular mais um pouco. O único erro imperdoável que A Hat in Time poderia cometer seria ter um avatar que não é divertido de controlar, e é justamente aqui que os desenvolvedores mais acertaram.
Em primeiro lugar, o básico: você sempre sente que está sob total controle da personagem. A pior coisa em um jogo de plataforma é morrer não por erro próprio, mas por causa dos controles, e fico feliz em dizer que em muitas horas de jogo isso não me aconteceu uma única vez. Parte disso é graças à câmera: ela, que costuma ser o maior vilão em jogos do gênero, é tão bem implementada aqui que você esquece que ela existe. Há um botão que a centraliza nas suas costas, estilo Ocarina of Time, mas ele também acaba sendo esquecido (o que deveria ser a meta de todo sistema de câmera, diga-se de passagem).
Mas o que torna tudo tão divertido é a ação de pular. Há um pulo duplo, que evita que o menor dos erros seja fatal, e um botão para “mergulhar” quando em ar. Os jogadores mais experientes irão descobrir maneiras de juntar os dois para conseguir ainda mais movimentos, sendo capaz de dar um terceiro pulo, ganhar mais velocidade, desviar de inimigos com facilidade, entre outras mecânicas emergentes. Todos esses movimentos são extremamente responsíveis mesmo quando no ar, e tanto a aceleração quanto o peso da personagem parecem perfeitos.
E claro, as fases são feitas para tirar máximo de proveito disso, cheias de estruturas e desafios que exigem acrobacias para serem superados. As orbs em especial, que funcionam como moedas, são utilizadas para grande efeito, alinhadas em filas ou em arcos como se pedissem para o jogador “pule aqui” ou “faça esse percurso” – não para chegar a algum lugar em específico, mas só por diversão. De fato se movimentar é tão divertido nesse jogo que diversas vezes me peguei esquecendo do objetivo da fase enquanto saia pulando por aí sem rumo, explorando os cenários.
Por que todo jogo em 2017 tem que ter inventário?
Há um sistema de progressão, apesar de que bem simples. Em especial é possível equipar diferentes chapéus, cada um oferecendo um poder novo à personagem. O chapéu inicial faz com que a câmera foque no objetivo da fase ao pressionar o gatilho esquerdo; esse funciona como um sistema de dicas que a maioria das pessoas vai querer evitar, já que estraga o pouco de exploração que o jogo oferece. Porém logo libera-se novos chapéus, alguns obrigatórios para se completar certos objetivos. A maioria não oferece nada de interessante (poções explosivas, se transformar em uma pedra de gelo), mas um deles permite que a personagem corra e você vai querer ter esse equipado o tempo todo, já que adiciona muito mais dinamismo à jogabilidade.
Há também emblemas que podem ser equipados, dois ou três por vez, que funcionam de maneira similar aos chapéus, mas que também oferecem habilidades passivas. De novo vai haver alguns que você vai querer ter equipados o tempo todo e outros completamente esquecíveis. Mas ao contrário dos chapéus esses não são obrigatórios em momento algum, o que deixa mais evidente o quão desnecessário todo esse sistema de power up é em primeiro lugar, como se só estivessem enchendo linguiça.
Igualmente desnecessário é o sistema de combate, que parece estar lá só para os encontros com os chefões. Aproveitando a deixa para citar alguns problemas, o jogo tem uma quantidade grande de bugs, apesar de eu nunca ter encontrado nenhum sério, e a história às vezes parece um pouco imprópria para crianças, principalmente no que diz respeito à mafia. Todos defeitos superficiais e ignoráveis, importantes de serem ditos mas que não afetarão o divertimento de ninguém.
Uma fórmula clássica, revisada
A Hat in Time se provou um jogo cheio de mágica e charme, refinando os clássicos collect-a-thons e adicionando por cima uma narrativa divertida que definitivamente enriquece a experiência. O trabalho mais importante foi feito nos controles, tanto nos movimentos quanto na câmera, e isso por si só faz com que A Hat in Time mereça um lugar entre os grandes jogos de plataforma 3D. Se você tem nostalgia pela época do Nintendo 64 / Playstation, A Hat in Time captura como aqueles jogos são na sua memória (ou seja, melhor do que realmente são), e se você é muito novo para esse tipo de nostalgia essa é a oportunidade perfeita para entender porque uma geração inteira se apaixonou por esse gênero em primeiro lugar.
Prós:
🔺 Controles fantásticos
🔺 História que acrescenta à experiência
🔺 Charme por todo lugar
Contras:
🔻 Alguns bugs
🔻 Pequenas decisões estranhas de design
Ficha Técnica:
Lançamento: 05/10/17
Desenvolvedora: Gears for Breakfast
Distribuidora: Gears for Breakfast
Plataformas: PC, PS4, Xbox One
Testado no: PC