Imagine um futuro no qual a Terra é inabitável e você é o capitão de uma grande nave, com a missão de “apenas” encontrar um novo planeta para a raça humana, ainda por cima um que está escondido no meio de uma galáxia vasta e perigosa. Se qualquer coisa der errado e, digamos, a estufa de sua nave seja destruída ou pequenos alienígenas destruam a fiação que conduz energia de um módulo ao outro, o futuro estará perdido. Muita responsa, sim ou claro?
Genesis Alpha One, indie desenvolvido pela Radiation Blue e com distribuição da Team17, propõe essa mesma experiência tensa misturando os gêneros roguelike, basebuilding (ou shipbuilding) e até mesmo shooter em primeira pessoa. É como se qualquer rogue, FTL e Serious Sam tivessem um filho. Debaixo de tantas ideias, o projeto deveria estar fadado a dar tão errado quanto uma expedição mal planejada pelo espaço do jogo. Um feliz engano, pois descobri uma experiência memorável, instigante e que tem altas chances de se tornar um fenômeno entre membros de seu nicho.
NCC-101
Apesar da proposta híbrida ser, a princípio, bem difícil de se imaginar em funcionamento e um tanto quanto intimidadora para um jogador novato, Genesis Alpha One é extremamente atencioso com qualquer um que o jogue. O tutorial inicial é um dos mais eficientes que vi em muito tempo, tanto na clareza das explicações via PDA (um tablet) quanto na aplicação de seus ensinamentos, comportando-se como uma versão light do jogo principal – e com uma galáxia inteira pra se explorar!
Neste tutorial, tem-se uma boa noção de praticamente tudo que o título oferece em seu gameplay cotidiano e como cada peça, da nave e do jogo, se encaixa uma na outra a ponto de melhorar (ou piorar) a condição da expedição. Nele, começamos com uma nave já completinha, com alguns módulos faltando, e a partir desse template podemos construir novas seções conforme nossas necessidades. Vale dizer que não há tempo para encontrar uma gênesis, então a calma é muito bem-vinda.
Entre os módulos possíveis de se construir, alguns são cruciais logo de cara. O raio trator para minerar recursos em destroços espaciais é valioso para garantir materiais de construção – aliens podem pegar carona, então cuidado -, enquanto uma estufa é necessária para manter uma biosfera na nave, qualquer que seja o elemento respirado pela tripulação – humanos respiram O2, enquanto híbridos de aliens consomem outras combinações. O hangar, por fim, permite viajar aos planetas e coletar recursos naturais e itens colecionáveis, que incluem uma série de misteriosos diários intitulados Tom’s Voyage – Bowie na escuta?
Com esses três módulos garantidos, fica a critério do jogador quais construir em seguida, sempre tendo em mente uma hierarquia de suas funções. Há, inclusive, diferentes corporações a se escolher fora do tutorial, cada uma com uma base inicial diferente. Esse processo de construir sua própria nave até que se torne grande o bastante é mais recompensador do que parece, justamente pela variedade de abordagens oferecidas pelo jogo. Se quiser chegar logo àquele planeta compatível com uma gênesis ou apenas coletar cada recurso de destroço por aí, desviando de naves alienígenas e tempestades solares, o controle é seu.
O maior prazer de Genesis Alpha One é de fato a construção da espaçonave, remetendo àquelas miniaturas montáveis com centenas de peças, mas sem um jeito certo de se montar. Pode-se construir reatores para gerar mais energia que alimenta módulos, refinarias para minérios, depósitos para guardar materiais refinados, cafeterias para alimentar a tripulação, túneis de acesso que permitem alternativas de locomoção, elevadores e até mesmo cabines de teletransporte para agilizar o transporte. A disposição geográfica dos módulos é livre e até suas cores são customizáveis, então a nave de cada jogador terá sua aparência única.
Horizonte de eventos
O elemento roguelike entra quando se começa a explorar os planetas, a etapa mais arriscada à vida do jogador. Para garantir que continue o jogo após uma morte, deve-se fabricar clones, tanto do sexo masculino quanto feminino e de diferentes espécies. Quando o jogador morre em uma expedição, por exemplo, um desses clones será promovido à função de capitão, recolocando o jogador na nave e inclusive resgatando seus upgrades. Porém, para manter os clones vivos e em boa quantidade, uma boa biosfera e aposentos são necessários. Assim, a boa manutenção da nave também tem seu impacto nesse elemento.
No aspecto da exploração a pé, o jogo fica um pouco aquém. Todos planetas, sem exceção, contém formas de vida hostis ou, pelo menos, obstinadas em defender o território invadido. Lá, você deve coletar os recursos minerais com um mini-raio de tração, mantendo-se atento ao radar em seu pulso para localizar as ameaças e mandar bala contra elas ou, caso necessário, fugir. Vale dizer que aliens mortos deixam biomassa, que serve para fabricar clones e restaurar vida, e DNA para criar espécies híbridas.
De início, é um processo tenso, mas se torna bastante repetitivo, inclusive na movimentação dos aliens, e por conta disso passa a parecer mais previsível e, portanto, seguro. Ao menos os gráficos, arquitetados na Unreal Engine 4, sempre conferem alguma atmosfera, seja pelas texturas ou iluminação – a performance também é satisfatória, embora não seja cravada nos 60 frames por segundo.
A dinâmica com os inimigos torna-se mais interessante quando o jogador finalmente pousa em um planeta gênesis, considerando que já esteja em condições de habitá-lo. Quando encontrei, quase que milagrosamente, um planeta com biosfera de O2 para eu e meus vinte clones, o trabalho não havia acabado. Nas cavernas locais, havia um ninho cheio de insectoides asquerosos, e eu devia derrotar sua rainha gigante para assegurar a realocação segura da equipe. Explorar as cavernas infestadas não foi fácil, principalmente pelo nojo, mas derrotar a rainha e criar meu primeiro gênesis acabou sendo recompensador.
Mas se você é um admirador de ficção científica mais para o lado pacifista de Star Trek do que o agônico Aliens: O Resgate, não se preocupe. Neste momento “final”, surge um dos poucos sinais objetivos de uma narrativa de fundo, possivelmente relacionada ao misterioso Tom. Questiona-se o quão correto é invadir um planeta alienígena, dizimar a raça que o habita e fincar nossa bandeira apenas para garantir o futuro de outra raça que pouco cuidou de sua terra natal. Eu, no caso, passei a pensar na ironia de representar a corporação General Ballistics em uma missão para prolongar e assegurar a vida.
Após o sucesso da missão, que levou boas horas para ser concluída, iniciei um Novo Jogo + com a mesma nave, instigado a explorar mais do mesmo universo que revelei parcialmente. O progresso feito anteriormente foi gratificante, mas aí surgiram algumas questões. Caso eu me arrisque a explorar outros cantos da galáxia, que variam em dificuldade, e por algum motivo tenha minha nave destruída, tudo terá sido como só mais uma partida. Além dos upgrades e itens que podem ser equipados em uma nova partida / corporação, tudo será esquecido. Será que estou preparado para o aperto no coração?
Dito tudo isso, Genesis Alpha One audaciosamente vai a uma série de lugares já conhecidos mas que nem sempre são tão bem explorados. O casamento entre tantas mecânicas distintas sob uma estrutura roguelike é um grande risco que valeu a pena, até mesmo para alguém que, embora entusiasmado com um ou outro rogue, não se sentiu inicialmente tão convidado por sua premissa. Agora, embora com algumas ressalvas, torço para que este game encontre seu público e seja ao menos considerado pelos jogadores fora de seu nicho – mesmo se este nicho vier a ser apenas este cara que aqui escreve.