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Final Fantasy XV é daqueles jogos que você nem precisa pensar muito para apontar as falhas. Personagens genéricos, mundo aberto grande (e um tanto desértico), gráficos inconsistentes, missão principal desconectada das missões secundárias, câmera de combate maluca… Enfim, dá pra elencar uma porrada de problemas que poderiam enterrar o jogo. Mas sabe o que é bizarro? Final Fantasy XV é massa e não consegui largar o bicho até agora. Essa análise acaba virando um exercício pra tentar entender o que diabos esse jogo tem de legal que não me faz soltar o controle. Bora nessa?

Primeira coisa de todas: ô grupinho genérico que botaram nesse Final Fantasy, viu. Lembra de Cloud de FFVII? Saca o Squall do VIII? Então, o Noctis, o protagonista da vez, segue esse padrão meio folha em branco, meio passivo, meio cara de prisão de ventre e que vai deixando a vida o levar. Como herdeiro-do-trono-que-não-liga-pra-isso (clichê 1), ele se vê obrigado a lutar pelos seus domínios quando um grupo militar invade o reino (clichê 2) e mata seu pai (clichê 3). Ele, que já estava em viagem com seus seguranças/amigos de infância, entra numa road trip com os três broders à procura das armas do reino para tentar salvar a bagaça toda.

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Noctis e as brodagens. Ou um grupo qualquer genérico de anime.

Ok, plot organizado, nada muito fora do padrão dos JRPGs clássicos que a gente aprendeu a amar e até condizente como a primeira frase que a Square Enix estampa logo no início do jogo: “Um Final Fantasy para fãs e novatos”. Só que o grupo é genérico demais e acaba que você não se importa de verdade com ninguém. Um cara forte e de bom coração (clichê 4), um inteligente e meio chato (clichê 5) e um mais novo, empolgadão e que serve de alívio cômico (clichê 6). É isso que você vai ter como grupo em Final Fantasy XV. Ah sim, um deles cozinha comidas que parecem de verdade e outro é o Instagrammer da parada toda.

Bota essa galera toda dentro do Regalia, o carrão do filho do rei, e saia pelo mundo numa viagem de autoconhecimento e amizade. A decisão de transformar Final Fantasy XV num jogo de mundo aberto acaba sendo bem legal. Pegaram o que estava dando certo em RPGs ocidentais e levaram para a franquia japonesa. Apesar de achar que poderiam ter trabalhado melhor a ocupação deste mundo, não é um aspecto que detona o jogo. Mas não espere algo mais criativo como regiões do mapa simulando contos de fadas (The Witcher 3).

Outra coisa é que nem tudo no mapa são belos cenários. No geral, o visual de Final Fantasy XV é ótimo, apesar dos personagens um pouco duros tanto nas feições quanto nos movimentos. Mas, ao mesmo tempo que temos áreas de praia com céu, mar e rochas foto realísticas, uma cidade lotada de detalhes bacanas e monstros bem desenhados, temos cenários internos de dungeons que usam texturas feias e repetidas e alguns assets que aparecem incontáveis vezes pelo mapa. Acho que dá para justificar essa mistura pelo tempo de produção e a quantidade de pessoas que devem ter metido a mão nesse jogo.

Um mundo inteiro a ser descoberto a bordo do Regalia.
Um mundo inteiro a ser descoberto a bordo do Regalia.

Histórias que não se conectam

Uma armadilha dos jogos de mundo aberto que Final Fantasy XV cai direitinho é não conectar direito a história principal com as secundárias. Enquanto você está tentando salvar o reino, lidando com a fúria de deuses e enfrentando perigos mortais, chega um cara e fala que precisa de feijões para fazer uma nova receita. E você para tudo e vai desenrolar os feijões para ele. Do ponto de vista do gameplay, beleza, é uma side quest que vai entreter e tudo mais. Mas, cara, você está atrasando teu propósito de vida pro cara encher a barriga dos clientes com feijões!

Missões secundárias simples funcionam em jogos como The Witcher, no qual a personagem principal é um cara com perfil mais individualista que adoraria não estar metido em coisas grandiosas, mas não muito em algo grandiloquente como Final Fantasy. E mesmo em Witcher 3, uma simples missão de recuperar uma panela (lembra dessa?) pode virar algo fantástico, com desenvolvimento de plot interessante.

Altissia é uma das cidades mais belas e grandiosas do jogo. Infelizmente, são poucas assim.
Altissia é uma das cidades mais belas e grandiosas do jogo. Infelizmente, são poucas assim.

Em Final Fantasy XV, não. A maioria das side quests são missões com histórias fraquinhas que não importam para a história principal e que estão lá para fazer volume. E não estou dizendo que são ruins; na verdade a maioria é legal como exercício de gameplay, mas existe um abismo narrativo que separa o plot principal com todo o seu drama, as relações de responsabilidade e amizade, e as outras histórias do resto do mundo.

Sistema de batalhas caótico

Não joguei todos os Final Fantasy, portanto posso estar falando algo passível de críticas aqui, mas o sistema de batalha deste XV é o mais caótico que já peguei na franquia. Caótico pro bem e pro mal. Resumidamente, você controla Noctis em um sistema de luta em tempo real, com livre movimentação e pode ativar habilidades dos outros personagens do grupo.

De vez em quando confuso, mas na maior parte do tempo bem divertido.
De vez em quando confuso, mas na maior parte do tempo bem divertido.

Rápido e bem focado no combate corporal, o sistema é simples de aprender, mas difícil de dominar com seus combos, ataques de oportunidade, golpes de elo, esquivas e etc. Junta isso com a possibilidade de mais de dez personagens lutando ao mesmo tempo e uma câmera que, de vez em quando, muda pros piores ângulos e você tem uma baita confusão pra administrar. Entretanto, existe um segundo modo de batalha mais pausado e estratégico pra quem não gosta das coisas tão frenéticas.

Dois aspectos clássicos que ficaram um pouco escanteados nos combates foram as magias e as summons – aqui chamadas de Astrals. Ambas existem, mas as magias são criadas como se fossem feitiços elementais (fogo, gelo e trovão) com número reduzido de usos e equipadas como armas. Ao mesmo tempo que são poderosas, também são perigosas, já que funcionam em área e podem atingir seus companheiros de grupo.

As summons são ainda mais poderosas, mas são pouquíssimas e você não tem um controle real sobre elas. Normalmente, dentro de uma batalha longa ou quando você está em desvantagem, uma summon que você já dominou resolve te ajudar. Isso quase sempre determina a vitória na luta, tamanha a destruição que ela causa, mas é algo meio brochante você não poder mais selecionar o Bahamut no menuzinho e assistir o bicho fazer o estrago.

Esse é Ramuh e ele é bem legal quando aparece. Mas pense num cara difícil de aparecer...
Esse é Ramuh e ele é bem legal quando aparece. Mas pense num cara difícil de aparecer…

Um Final Fantasy para fãs e novatos

É engraçado que, apesar das mudanças, a Square Enix, conseguiu recolocar Final Fantasy nos trilhos e entrega o que prometeram nessa frase aí de cima. Existe toda a mitologia envolvendo a franquia: estão lá os Chocobos e o Moogle, aparecem Cid, Wedge e Biggs, tem espadona, tem arma de fogo bizarra, tem Ifrit, Shiva e Leviathan, tem ameaça que pode destruir todo o mundo, tem drama, tem personagem japonês caricato… Enfim, é um Final Fantasy de verdade e bem feito com fan service e tudo mais. E também é um jogo que pegou o caminho nos últimos anos trilhado por Skyrim, Fallout e The Witcher e entrega ritmo e conteúdo de acordo com o que o jogador mais novo, teoricamente, gostaria.

No meio de muitas mudanças nos dez anos de produção, dos erros e acertos, temos um produto que bota novamente Final Fantasy entre as melhores franquias de RPG atuais. O estranho é que não vai ser pela história, provavelmente não vai ser pelo gameplay, pelos personagens e nem pelo mundo que criaram, mas pelo conjunto disso tudo que entrega um jogo imperfeito, mas legal o bastante no que tenta oferecer. Uma colcha de retalhos desenvolvida ao longo de dez anos que cumpre bem o seu papel.

Só pra te deixar com fome depois de ler o texto. Sim, é a comida do jogo. =)
Só pra te deixar com fome depois de ler o texto. Sim, é a comida do jogo. =)