Quando pensamos em um jogo que abusa da qualidade visual para oferecer uma experiência que vai mais para o lado da arte como algo interativo e menos pela preocupação em se prender aos controles e gameplay, logo me recordo dos sucessos de Journey, Ori e Unravel. Esses três títulos, na minha opinião, são os expoentes quando o assunto é impressionar pela qualidade visual, narrativa contada por meio de metáforas e alta carga emocional. Desenvolvido pela Zoink e como parte inicial, até mesmo experimental, da Electronic Arts para o seu programa de indies após o sucesso de Unravel, Fe consegue surpreender por diversos pontos positivos, inclusive pela sua simplicidade.
Por ser extremamente minimalista em sua proposta, este poderia ser o review mais rápido que já fiz aqui no Gamerview, mas espero poder extrair o melhor da minha singela opinião, que vem se dividindo entre a possibilidade de estar no TOP 10 desse ano e me irritar com as pequenas coisas que ainda existem nessa geração!
Welcome to the jungle
Fe é uma grande metáfora para a vida. Esse é mais um jogo com aplicabilidade e que você pode contextualizá-lo dentro de uma sociedade ou até mesmo em um ecossistema. Tudo isso sem nenhum texto ou falas, com poucas cores, uma trilha sonora incrível e um protagonista carismático. Você controla um bichinho estranho que parece um filhote de raposa com esquilo, que busca salvar uma floresta e seus habitantes da ameaça dos Silenciosos. Esses inimigos bípedes aprisionam os animais e espíritos que ocupam esse mundo misterioso, além de serem os algozes responsáveis por matarem o seu personagem durante a aventura. Não preciso explicar muito para dizer que é uma grande alusão à dualidade entre homem e natureza, seja lá qual for o motivo que motiva esses bichos, que hora andam sob duas pernas, outras em cima de quatro patas, e passam o tempo todo sempre alertas e analisando o mundo à sua frente.
Como se não bastasse o pacote de analogias, o nosso personagem é também o grande centro da principal mecânica desse jogo: a comunicação. Utilizando o gatilho do R2 (versão utilizada para esse review) ou utilizando o sensor de movimento do Nintendo Switch, você utilizará a voz do seu personagem para se comunicar com os demais seres da natureza. Como assim? Basta apertar o R2 para ele falar/cantar/chorar, já que a cada novo “idioma” aprendido ele muda o estilo de som emitido, e um “raio” simulando o espectro vocal aparece entre os personagens. Calculando a pressão certa no botão, você conseguirá falar a mesma língua e somente assim será entendido. Essa é a premissa básica para você seguir em sua jornada pedindo ajuda, ganhando habilidades e até mesmo ativando plantas, paredes e elementos que dependam da sua voz.
O jogo deixa claro que a comunicação é a base de tudo para a sobrevivência, seja para você se mover pelos cenários ou até mesmo cumprir suas missões. Ou seja, as diversas vozes desse mundo precisam estar em harmonia para que todos consigam se entender e os conflitos serem enfrentados. E o responsável por tudo isso será você! O jogador precisará buscar pela voz correta para aprender e usar esse “poder” para abrir caminhos, se locomover, cumprir missões e até mesmo enfrentar o perigo dos Silenciosos. Pássaro, gambá e veado poderão ser usados como ferramentas para suas necessidades, abrindo novas experiências durante o jogo.
Metroplatavania
Como disse no início, Fe tinha tudo para ser um dos TOP 10 de 2018 para mim. O meu hype estava lá em cima e a cada detalhe divulgado a vontade de jogar só aumentava, porém no fim percebi que muito da experiência do jogo era mais uma tentativa de acertar por parte da Zoink Games do que realmente criar um gameplay fluido e um jogo mais refinado. A movimentação do personagem não é algo agradável, prejudicando a mecânica reservada ao estilo plataforma que o jogo possui, afinal você não consegue pular o suficiente para alcançar os locais necessários sem utilizar algum apoio no meio do caminho. Se mover pelo cenário é fácil, porém o protagonista não parece se mover tão naturalmente e a noção espacial para pulos mais ousados é sempre um risco imenso de cair e morrer.
Subir em árvores também pode ser traiçoeiro, pois você apertará o X para ir mais alto e pode acabar apertando sem querer uma vez a mais e fazendo com que o personagem se jogue para longe, já que o topo da árvore é o limite para um pulo maior e mais longe (nunca saberemos quantas vezes a pressa foi minha inimiga aqui). O mesmo acontece para quando você precisa pular e se mover rapidamente entre árvores, planar no ar e correr por plataformas – os controles parecem não serem exatos e a resposta do bichano tende a não respeitar muito bem o que você quer executar. Definitivamente, esses pequenos problemas acabam atrapalhando em sequências mais velozes ou que exigem precisão nos movimentos, e que infelizmente insistem em continuar existindo desde a geração do Nintendo 64. Você entenderá esse drama quando precisar escalar um certo veado gigante que fica andando, ao melhor estilo Shadow of the Colossus!
Além do estilo plataforma, pular para passar por diversos obstáculos, Fe também aposta num esquema Metroidvania para obrigar o jogador a buscar por cristais, que desbloqueiam habilidades que vão auxiliar e permitir o seu progresso, além de guiar a narrativa pelos diversos animais que você precisa ajudar para aprender seus sons. Eu achei divertido explorar esse mundo não para encontrar os colecionáveis (cristais e pinturas em paredes), mas sim pelo seu visual e trilha sonora.
De longe Fe não tem a mesma graça de um Ori no quesito exploração para obtenção de upgrades ou habilidades, talvez por conta do estilo minimalista que o jogo possui em sua direção de arte e que sempre causa confusão na hora de voltar por algum caminho. Tudo bem que você pode usar o seu canto de pássaro para chamar um pequeno passarinho que guiará o jogador pelo caminho correto, porém em muitos momentos chamá-lo será um desafio por conta dos outros itens disponíveis para interação ao redor ou até mesmo por ele simplesmente não funcionar.
Para somar nesse bolo todo, os desenvolvedores incluíram também um pouquinho de stealth no jogo. Aproveitando a cor preta do personagem e os cenários, você consegue se esconder em arbustos ou gramas altas para escapar e passar pelos Silenciosos. O problema é que essa mesma vantagem acaba sendo um problema por conta da câmera, que de vez em quando pode atrapalhar sua movimentação e impedir que você fique exatamente escondido. Basta um relance pelos olhos grandes dos Silenciosos e você terá que correr para se esconder, caso contrário você perderá.
A grande questão é que tudo isso acaba sempre tendo uma falha e não apresentando um gameplay leve, fluido e sem problemas para pular ou alcançar os locais que deseja. O jogo exige pouca habilidade, porém é muito frustrante você usar um pulo e a física do jogo (ou até mesmo o level design) não contribuir para que você consiga chegar no local desejado, sem que busque a ajuda de alguma pedra ou local de apoio. Por conta disso, eu não me importei em deixar para trás muitos dos colecionáveis e apostar somente na história.
Um colírio para os olhos
Fe, na minha opinião, é um dos jogos com melhor direção de arte e estilo próprio. Pode ter diversas referências de jogos indies que trabalharam na mesma pegada, porém ele é único. Exatamente pela arte escura e a escolha do low poly (aquele visual com poucos polígonos, mais geométrico e tudo muito pontudo), a Zoink Games conseguiu surpreender com os contrastes, iluminação e até mesmo com essa paleta de cores inusitada. A trilha sonora instrumental lembra quase uma obra de arte experimental, com um violoncelo pesado que marca bastante as músicas de fundo. Pontuando muito bem os acontecimentos, a música acalma e ainda proporciona uma boa imersão.
Tudo isso acaba criando uma experiência agradável e que supera os pequenos defeitos de gameplay. A capacidade narrativa dele e a interpretação por trás dos acontecimentos surpreende pela beleza visual e capacidade em nos entreter de maneira inteligente, sem ser boba, por mais que possa ser previsível. Com um encerramento bonito e poético, Fe consegue encerrar a jornada provando que não precisamos de muito (por mais que você possa se perder em tentativas) para um bom jogo que é competente em sua proposta.
Talvez se não fosse pela ambição, e se tivesse apostado mais na proposta de Journey e menos em algo que derivasse dessa referência, buscando em Ori outras mecânicas de jogo, Fe poderia ser um jogo muito melhor. Ainda que possivelmente ficasse mais simples do que já é, já sabemos que em muitas vezes menos pode ser mais!