Edward Hopper foi um pintor e ilustrador norte-americano do século XX que deixou sua marca nas artes plásticas ao retratar com cores plácidas a solidão e o cotidiano da vida prosaica da América urbana. Sua influência foi tão forte que chegou na Polônia, terra natal dos criadores de Earthworms, que se inspiraram em suas telas para criar tudo, menos uma representação bucólica do cotidiano.
Se na escolha de cores e no discurso, a All Those Moments busca invocar o espírito desencarnado de Hopper, o resultado aqui está mais próximo da obra de outro artista plástico, do outro lado do mundo, o bizarro e, ocasionalmente, chocante, Tetsuya Ishida. Considerando a obsessão do jogo por tentáculos, ou “minhocas”, como consta no título, a atmosfera se afasta de vez das paisagens tristonhas da América pós-guerra e se aproxima das neuroses contemporâneas e do horror orgânico de décadas posteriores.
Na superfície, Earthworms é uma história de detetive, típica dos anos 40. Em suas entranhas, é um mergulho alucinógeno nas paranoias dos anos 80, época em que se passa a trama. Um mergulho de onde o jogador não voltará a emergir, pelo menos não com respostas.
Túnel do tempo
Daniel White é um detetive com um estranho dom: visões macabras podem ajudá-lo a elucidar os crimes que investiga. À partir dessa premissa, ele é chamado por uma figura vestida de árvore (?) para descobrir o paradeiro de uma moça desaparecida em uma ilha isolada.
Nem seus dons nem o sumiço de Lydia ocupam lugar central no que acaba sendo uma sucessão de fatos que desafiam a lógica e flertam com o surrealismo. As pistas fornecidas pelas visões são ora crípticas demais, ora de pouca utilidade e o jogador acabará encontrando soluções sem precisar delas. E quanto à Lydia… Bem, encontrá-la não é nem metade da trama.
Earthworms se desenvolve como um adventure point and click tradicional, onde é preciso coletar itens do ambiente, combiná-los entre si ou com outros objetos no ambiente para desbloquear a próxima fase. Nesse quesito o jogo também funciona como uma viagem no tempo, mas os desenvolvedores fizeram a gentileza de remover alguns defeitos do passado: há, por exemplo, um caderno de anotações que às vezes assinala qual é o seu próximo objetivo, em alguns pontos é impossível sair de algum lugar se ficou faltando alguma interação não explorada e itens que não terão mais utilidade depois são descartados automaticamente do inventário.
Porém, a ilogicidade de alguns puzzles, característica que já foi marcante nos clássicos de outrora, retorna aqui. O jogador se verá fazendo muita tentativa e erro, combinando tudo com tudo em toda parte na esperança de desbloquear uma solução. Embora os enigmas não possam ser classificados de difíceis (não sou especialista no gênero e travei poucas vezes), fica a pergunta na cabeça porque são necessários um pato de borracha, um vaso de planta e uma armadura para abrir uma porta (e esse não é um exemplo aleatório…).
Ilha perdida
A partir da metade do jogo, confesso que parei de tentar entender o que estava acontecendo. Earthworms que antes parecia pender para o macabro, dá uma forte guinada para a ficção-científica, para logo em seguida misturar tudo em um caldeirão que ainda acrescenta piadas fora de hora (outra homenagem aos adventures do passado), retrofuturismo, xamanismo e outras viagens de ácido que deixariam o pobre Hopper sem sono.
Mas prosseguia pelo prazer de cada tela, cada cenário novo descortinado, pintado à mão e com mais perguntas do que respostas.
A trilha sonora, brilhantemente executada por Piotr Surmacz cai como uma luva na experiência: misteriosa, perturbadora, com toques de humor aqui e ali. A grande verdade é que Earthworms parece não se levar tão a sério assim, apesar das cenas de violência ou dos horrores cósmicos que insinua.
Esse conflito entre o tenso e o hilário, que também está presente em sua música, acaba produzindo um efeito grotesco, que acredito ser o que os desenvolvedores desejavam, mas que não pode ser recomendado para qualquer jogador.
Lamentavelmente, essa paixão pelo esquisito pode ser facilmente confundida com uma perda de direcionamento. A partir do momento em que tudo se torna plausível, nada mais é plausível e parei de me importar com a história e com a pilha de dúvidas que vinham se acumulando na minha cabeça: quem é fulano? por que beltrano fez tal coisa? o que significa isso? o que significa aquilo?
Não me surpreendi nem um pouco quando o final desceu sobre minha cabeça abruptamente, sem resolver um décimo do que foi proposto ao longo da jornada. Embora haja três finais em Earthworms (um deles dificílimo de atingir), eles apenas alteram o texto final, o que acontece depois com os envolvidos. As pontas soltas permanecem soltas, como os tentáculos partidos que permeiam a travessia do detetive White.