“Não julgue um livro pela capa” casa perfeitamente com Dropsy, mais um excelente título indie publicado pela Devolver Digital e que chega ao Nintendo Switch sete anos após seu lançamento para PC.
Neste jogo, a surpresa de ter um preconceito (no sentido de conceito previamente formado) desmontado com certeza faz parte da experiência, criando uma sensação agradabilíssima ao ser surpreendido pelo conteúdo. Use o joy-con para clicar aqui e acolá para vivenciar uma jornada que aquecerá o seu coração.
Respeitável público, bem-vindos à Dropsy!
Resgatando a jogabilidade dos jogos point and click (ou apontar e clicar), Dropsy cria uma curiosa jornada de um palhaço por um mundo aberto e livre para interagir com todos ao seu redor. Apenas com essa premissa talvez não seria o suficiente para conquistar o seu interesse.
E se acrescentássemos à sinopse o fato de que o personagem principal é um palhaço que, inicialmente, parece ser assustador? Inchado, feio, com apenas três dentes, olhos esbranquiçados e com maquiagem circense a lá Coringa do Batman, aquele filmado por Christopher Nolan.
Atormentado por pesadelos do passado, que vivenciamos ao começar o jogo e que tenta nos levar para a construção daquele preconceito, em que seu circo foi consumido pelo fogo e que também levou a vida de sua mãe, Dropsy vaga por este mundinho em busca de afeto, aceitação e encontrar seu próprio lugar.
Levado pela curiosidade, descobri que o termo “dropsy” refere-se de maneira mais antiga e popular ao edema. Esta seria a causa que levou nosso personagem à sua aparência, erroneamente associada ao “terror” apresentado no começo do jogo. Também pode ser uma referência ao inchaço do mundo que precisamos explorar, que precisa ser aliviado com a inocência de um palhaço.
E por quê “inocência”? Simplesmente pelo fato da nossa interação com os personagens mais caricatos e bizarros, espalhados pela cidade em que encontra-se o seu circo, apenas com sua empatia. Esta, traduzida pela interação realizada através de cliques para ouvirmos, solucionarmos problemas, presentearmos e, o mais importante, distribuirmos abraços.
Do picadeiro para um mundinho triste
Por mais que exista uma narrativa ao redor de Dropsy, os desenvolvedores da A Jolly Corpse e Tendershoot, criaram uma jornada que acaba sobrepondo a história para focarmos na busca pelo bem-estar do nosso personagem e dos moradores vizinhos ao circo.
Não que esta questão seja um problema, mas acaba sendo mais interessante conquistar a felicidade dos personagens e concluir pequenas tarefas com um abraço do que entender o que se passa no simples enredo ao fundo.
Fica claro que a ideia principal buscada pelos desenvolvedores é simplificar a história e o gameplay, buscando nos famosos jogos da LucasArts o point and click como solução, para mostrar que a jornada de Dropsy está em termos não apenas um final do jogo, mas diversos finais felizes ao transformarmos a vida miserável de dos personagens.
Um ser que sofre de uma condição atípica é apresentado como cura para um mundo ferido e triste, resgatando a origem e função de um palhaço: conquistar um sorriso. Por mais que estes sorrisos façam parte dos objetivos do jogo e mesmo sem poder nos abraçar, com certeza existe para transformar a vida de quem tiver o prazer de jogá-lo.
Uma bitoca no seu nariz
O que auxilia nesta questão empática ao controlarmos Dropsy é perceber que estamos num mundo colorido, repleto de personagens dos mais variados tipos e condições, representados por uma pixel art muito bem trabalhada e expressiva. Como parte da jogabilidade, saem as caixas de texto e diálogos escritos para balões de falas com iconografias.
Para nos colocarmos no lugar daquele personagem que estamos interagindo, nós precisamos interpretar e entender o que está acontecendo com ele. Seria muito fácil ler e entender o que precisamos fazer, mas os desenvolvedores criaram uma maneira genuína de nos levar ao significado mais literal dos jogos de apontar e clicar, exigindo dos jogadores a hiperligação entre mundo, personagens e objetos.
Infelizmente o jogo derrapa ao oferecer um mapa deste mundinho aberto que dificulta demais a localização dos destinos por não ser muito claro e como sinaliza os objetivos. Aproveitando este ponto negativo, mas que não dificulta a experiência, os controles adaptados para os joy-cons não ajudam muito.
Ao invés de podermos controlar Dropsy, temos apenas a opção de usar o analógico para mover um cursor na tela, sendo que o fator “point and click” poderia estar somente na interação e não na movimentação também.
No entanto esta simplificação na jogabilidade, apostando apenas em um cursor na tela, favorece em termos a oportunidade de controlar quatro personagens: Dropsy, seu cachorro, um ratinho e outro passarinho.
Trocando rapidamente entre esses personagens ao utilizar L e R, você terá ainda mais desafios para entender como solucionar os pequenos quebra-cabeças e concluirmos as pequenas histórias dos cidadãos desta cidade.
Abraços quentinhos
Dropsy consegue oferecer uma experiência nostálgica, calorosa e reflexiva, resgatando a nossa humanidade em meio à jogos que pouco exploram este tipo de enredo. Exemplo disso é a construção do painel sobre a cama do seu personagem, com fotos daqueles que fizeram parte da sua jornada, reforçando a característica principal deste jogo: empatia.
Acompanhado de uma direção de arte primorosa e uma trilha sonora, criada por Chris Schlarb, que consegue pontuar momentos de alegria, tristeza e solidão, indo do piano e saxofone ao rock progressivo, muitas vezes pontuado brilhantemente pelo silêncio, tudo contribui para a construção deste mundinho que precisa ser descoberto, curado e amado por Dropsy e, principalmente, você.