Lembra dos beat ‘em up dos fliperamas que sugavam dezenas de horas de nossas vidas? Daqueles RPGs bonitões com heróis e vilões que enchiam os olhos apenas pela proposta dos seus personagens dentro de uma boa história? Ou daqueles outros jogos que vieram com a geração PS2 e a febre dos títulos com direção de arte feita em cel shading ou até mesmo handmade? Lembrou de tudo? Ótimo! Agora reuna todas essas suas boas memórias e comece a jogar Dragon’s Crown Pro para perceber que as 20 horas desse lançamento serão pouco, e você não verá o tempo passando enquanto estiver dentro dessa obra de arte interativa.
O excelente trabalho da Atlus e Vanillaware retorna para essa nova geração se preocupando ao máximo em manter-se como grande expoente da arte e mente de George Kamitani. Um título que consegue reunir diversas características de mais de um gênero sem perder sua própria identidade, e que com toda certeza merece estar no PS4 para quem não teve a oportunidade de jogá-lo na geração anterior. A questão que fica é: vale a pena comprar essa nova edição ou o jogo não envelheceu bem para estar entre os esperados lançamentos de 2018?
Ainda melhor do que antes
Se antes era bonito, então agora temos a prova que realmente um jogo belo consegue se tornar belíssimo. Infelizmente testei em um PS4 que não era o PRO, porém ver esse mesmo estilo de arte em uma TV que não é de tubo (já que OdinSphere, GrimGrimoire e Muramasa saíram no PS2 e Wii) e sem perder definição ou frame rate, como acontecia no PSVita (na versão original), é uma das principais provas e atrativos para quem tem curiosidade em comprar esse jogo. A Atlus conseguiu trabalhar em um título para 2018 que conseguiu envelhecer bem, tem uma proposta interessante em como unir gêneros com grande apelo de público e ainda trabalhar uma aventura que parece nos levar para dentro de um livro do universo de Tolkien ou até mesmo D&D. Se pudéssemos comparar, Dragon’s Crown poderia muito bem ser uma evolução de Golden Axe, Shadow over Mystara e por quê não Baldur’s Gate?
Infelizmente, parte do que era bom e agora ficou melhor fica por conta apenas dos gráficos. O trabalho desse remaster, entre gerações tão próximas, se limitou em disponibilizar o visual em alta definição, além da tradução das legendas, menus e textos para o português, enquanto agora você pode habilitar a dublagem em japonês. Aproveitando esse tópico, a estrutura desse jogo se assemelha aos livros de RPG, por conta da narração que nos introduz aos acontecimentos e também prepara o terreno para as dungeons que vamos enfrentar – quase como um mestre narrando trechos antes da ação dos heróis, a narrativa se desenvolve dessa maneira e nos acompanha durante a busca pela Coroa.
O que torna a experiência e o gameplay extremamente gratificantes é a oportunidade de jogar co-op local ou online, e para quem não tem amigos, a Vanillaware ainda deixou ossos pelos cenários, te permitindo ressuscitar heróis derrotados para acompanharem você nessa aventura (esses controlados pela máquina).
Talvez o 4K e a televisão gigantesca desse final de década possam ser os grandes vilões de Dragon’s Crown Pro. Tendo até quatro heróis na tela, Rannie (um NPC que acompanhará sua viagem por Hydeland) e os vários inimigos que precisaremos enfrentar acabou resultando no grande motivo e maior ponto negativo que os desenvolvedores não conseguiram tratar: a confusão de informações, movimentação, golpes e esquivas num curto pedaço de cenário.
A câmera, por ser muito próxima do que está acontecendo (e para mostrar muito bem a arte desse universo) acaba deixando tudo muito maior que o normal, além da HUD no topo e as explosões de magia acontecendo. Tudo isso ao mesmo tempo e bem na sua cara, exigindo certa habilidade do gamer em prever de onde veio algum ataque ou conseguir fugir a tempo de não cair sem querer em cima de uma pancadaria rolando solta logo ao seu lado.
Quando você se acostuma com esses exageros, tudo para extrapolar bastante a qualidade visual, até a arte peculiar e que desde o PS3 vem causando polêmica pode ser assimilada. Tudo bem que Rob Leifeld deve estar rolando de inveja por conta dos peitorais gigantescos, traços femininos mega exagerados e proporções de anatomia totalmente descartados. Tudo isso faz com que um jogo com temática já batida, que oferece uma experiência arcade mascarada de RPG, tenha sua própria identidade e valor.
Seria muito fácil termos algo próximo do que qualquer jogo da franquia Dungeons & Dragons já teve, desde as primeiras gerações até o recente Neverwinter, do que apostar em algo próprio, autoral e que consiga conviver em um mesmo mundo de GrimGrimoire e OdinSphere. E eles realmente coexistem em um mesmo mundo, porém em regiões e tempos diferentes, de acordo com entrevista dada pelo Kamitani, uma das mentes por trás deste título.
Mecânicas conhecidas com diversão atualizada
Como disse anteriormente neste review, o maior trunfo da Atlus foi trazer um lançamento que grita por score, melhores resultados e compensa o jogador com pedras/talismãs para buscar o sonhado “one hit kill” e fazer chover 9999 de dano na tela. Nessa etapa do desenvolvimento, ter a inclusão de elementos de RPG engrandeceu o que poderia ser um simples beat ‘em up; apostando em loot a cada etapa de uma masmorra concluída, você também receberá uma nota pelo seu desempenho e que fazem parte do tesouro que você recebe, sem contar o gold como moeda para transações. Como se não bastasse, você pode terminar a história e desbloquear um modo ainda mais difícil com mais levels a serem conquistados.
Infelizmente, assim como o visual tem seu próprio lado negativo, essa questão relacionada ao progresso do personagem e suas características próximas de um jogo arcade também possuem seu ponto fraco. Dentre as 10h a 15h de duração, sem muitas sidequests realizadas, é fácil perceber que o grind será obrigatório e, por conta da baixa diversidade de dungeons ou até mesmo pela limitação de Hydeland ser um reino pequeno para ser explorado, com certeza você, assim como eu, ficará entediado após umas três ou cinco horas de jogo.
Conversando com a galera do Gamerview, descobri que o amigo Renato Moura Jr. levou três anos para platinar esse jogo! Enquanto eu já estava bem esgotado no primeiro final de semana em que tive a oportunidade de jogar antes do lançamento. Tudo pode ser explicado pela chatice que se torna ao tentar enfrentar um chefe, que para mim ainda é a parte mais gratificante do jogo, porém o caminho até ele pode ser realizado em apenas 20 minutos enquanto o grind exige sua dedicação por pelo menos uma hora. Não faz sentido essa matemática maluca, não é mesmo?
O legal e que pode ser usado como atrativo para quem desejar encarar esse tempo todo de matança dos mais diversos tipos de monstros – desde seres mitológicos aos fantásticos tolkinianos, passando por piratas e animais – é a possibilidade de customização do seu personagem. Talvez quebrando um pouco a expectativa quanto à representação visual na mudança de armas e acessórios, você terá uma grande gama de equipamentos para buscar, lootear e testar, além de usar a sua árvore de skills para seguir um caminho peculiar.
Que tal ter um mago com uma pegada mais humana e até mesmo ataques corporais fortes? Ou uma amazona que consegue ter habilidades que podem mesclar um bárbaro com ladino? Em Hydeland tudo, ou melhor, quase tudo pode ser feito com o seu herói. Dentro das limitações que as habilidades oferecerem, você consegue subir o seu nível e apostar em diversidade de escolhas para complementar a sua jogabilidade. Só faltou um anão que pudesse ser tão bom quanto um guerreiro e ágil como um elfo.
Falando em classes, armas e ataques, o que não falta é magia nesse mundo. O que deixa tudo mais difícil é a raiz do jogos beat ‘em up fazendo com que seus ataques possam ser facilmente errados. Por falta de status e nível do herói? Não! Pela simples localização na tela. Como o cenário é daqueles meio inclinados, na diagonal e que você consegue ir de cima para baixo no controle, andando do fundo para a frente, você precisa se encaixar exatamente no mesmo alinhamento do seu inimigo para realizar um ataque com sucesso. Sabe o mais complexo disso tudo? Jogue com um personagem que ataque à distância e você terá o maior tormento da sua vida. Sempre será mais fácil esmagar o botão e balançar sua espada pelo cenário, na esperança de pegar qualquer inimigo pela frente, porém os ataques mágicos ou projéteis tem uma chance muito maior de erro. Concordo que em gerações passadas isso era determinante, por conta da limitação técnica dos consoles, mas vamos combinar que usar o analógico para se posicionar num ataque em meio à confusão visual de um cenário claustrofóbico podem não ser coisas tão fáceis ou agradáveis.
Tudo é uma questão de mentalização
Dragon’s Crown Pro pode não ter a melhor história, que da metade para o final você já consegue sacar o rumo e como ela possivelmente vai acabar, sem oferecer nenhuma reviravolta surpreendente. Da mesma forma como pode ser estranho em um primeiro momento para quem nunca jogou, se acostumar com as diferenças estéticas e escolhas de gameplay. O mais importante é todos saberem que tudo isso é apenas uma questão de se acostumar com o estilo que a Atlus aposta nessa (quase) franquia e que possivelmente tenhamos outros jogos da Vanillaware para o PS4.
As questões relacionadas ao tamanho dos personagens, a direção de arte, a boa trilha sonora (nesta edição em versão orquestrada), mas sempre no mesmo tom, que acaba enjoando rápido e não marca na memória. O gameplay simples que complica por conta da precisão exigida no ataque, ou até mesmo se acostumar com o estilo do jogo para enfrentar os chefões – tudo é superado pela qualidade do gameplay e diversão que esse título oferece. Abra o seu coração, resgate seu amor pelo D&D e as histórias de fantasia medieval para curtir boas horas em Hydeland em busca de um artefato mágico: a Coroa do Dragão!