Um imigrante ilegal é adotado por um idoso, corre riscos por toda a sua infância e tem seu casamento prometido a uma princesa quando ainda criança. Essa é o passado do protagonista do maior manga shonen de todos os tempos, Dragon Ball. Em Dragon Ball Z: Kakarot acompanhamos a vida de Goku, porém uma vez que ele já tenha crescido e seja um adulto responsável pagando seus boletos – ou quase isso.
A CyberConnect2, especialista em jogos que adaptam narrativas de animes – tendo, por exemplo, 19 jogos baseados em Naruto lançados com mais um no forno – traz a nós Dragon Ball Z: Kakarot, um role-playing game de ação recontando toda a saga Z.
Em um ato inédito de inovação criativa, Dragon Ball Z: Kakarot acompanha a narrativa desde a invasão dos Saiyajins até o fim do conflito contra Majin Boo, coisa que só outros 50 jogos fizeram. Literalmente. Eu contei. Foram lançados outros 50 jogos especificamente sobre a saga Z de Dragon Ball. Contabilizando, dá quase dois jogos por ano desde o lançamento do mangá em 1984…
No episódio de hoje
Dragon Ball Z: Kakarot nos propõe acompanhar as quatro fases contidas na saga Z do anime: a invasão dos Saiyajins, o embate com Freeza, o ataque dos andróides e o embrólio com Majin Boo, porém o diferencial está na liberdade de um mundo quase aberto. É, quase aberto. E esse jogo está cheio de quases.
Dividindo-se entre momentos de narrativas em cutscenes e a exploração do planeta, experienciamos quase todos os pormenores de uma vida naquele mundo.
A narrativa busca ser um resumo dos acontecimentos do anime, contando com todos os personagens que passaram pelos episódios e, pelo que pude notar, todos dublados tanto em japonês quanto em inglês. Não vou nem comentar muito sobre as dublagens pois apesar de serem horríveis, aparentam estar de acordo com a série televisiva.
Acompanhar esses personagens extremamente carismáticos, absurdamente ingênuos e estupidamente prolixos é um prazer tal qual foi há 20 anos vendo a TV Globinho – e já adianto que essa é a coisa boa do jogo, daqui pra frente a coisa complica. Infelizmente, as animações que fornecem a parte visual é sofrida e consideravelmente limitada em sua complexidade.
Em múltiplos casos, os personagens se movimentam como robôs – ou aqueles bonecos vagabundos de feiras sem nenhuma articulação no corpo e que viravam bolas de Super Bonder depois de uma semana – e suas bocas se movimentam livremente, independente do que estejam falando tanto em inglês quanto em japonês.
Caso eu não me interessasse por rever ou relembrar dos acontecimentos, nem sequer me daria ao trabalho de assistir as cenas, fossem elas as cutscenes convencionais ou as que exigem interações para passar as falas. E adiciono que não entendo por que boa parte delas exige que eu aperte um botão sendo que não tomo decisão nenhuma e os diálogos não são necessariamente importantes. E essa é só a primeira das decisões de design questionáveis do jogo.
Dragon Ball Z: Kakarot se vende como um jogo de mundo aberto, mas sejamos honestos, não é. Temos acesso a algumas áreas fechadas com poucas coisas para se explorar em um mundo semi-desértico. Ao se transionar de uma área à outra, nos deparamos com uma tela de carregamento estupidamente longa e frustrante.
O conteúdo de cada área, tanto para as menores quanto para as maiores, acaba por não ser suficiente. Nas áreas urbanas, as cidades são pequenas e com uma boa variedade de veículos, as interações com personagens são raras, mas minimamente agradáveis. O problema é que dentre as dezenas de áreas, a quantidade de cidades não chega a cinco.
Nas áreas rurais, sejam litorâneas, florestas ou desérticas – terráqueas e alienígenas – o conteúdo a se consumir é ínfimo. Aparentemente com consciência disso, Dragon Ball Z: Kakarot busca disfarçar com constantes combates randômicos com inimigos desinteressantes e repetitivos. Além disso, as opções que nos são dadas é coletar frutas e animais – raros e pouco úteis -, buscar outros itens variados e pescar. Nada disso diverte o suficiente para valer o esforço de parar a movimentação.
Em se tratando disso, a movimentação do jogo é focada no vôo, apesar de andar e correr em uma velocidade absurda ainda serem possibilidades. Acredito eu que sobre andar vocês tem conhecimento suficiente. A corrida já tem um diferencial, visto que a velocidade padrão de corrida é Mach 3 (não, não é #ad) e isso faz essa escolha ser bem razoável. Aparentemente qualquer imbecil espalhado por aquele planeta consegue voar, então está tudo muito que bem.
O controle de vôo se divide em duas partes: decolagem/pouso e vôo de cruzeiro. Uma vez que você esteja já no fluxo, é tudo muito tranquilo, as curvas, subidas e descidas são fáceis de se controlar. O problema é só ao começar e terminar estes vôos, onde sempre se soa como algo não natural e deixando ligeiramente confuso sobre direção e altura.
Para ajudar, o componente indispensável do jogo de mundo aberto – por mais que Dragon Ball Z: Kakarot não seja um jogo de mundo aberto de fato – é o mini-mapa. E este mini-mapa é uma porcaria. O seu tamanho não é suficiente, porém isso não seria tão problemático se o ponto de referência do seu personagem não se confundisse com todos os outros componentes exibidos. Além de não acompanhar a variação da câmera, somente o movimento espacial para alterar onde o marcador aponta. Digo tranquilamente que tive problemas para me encontrar em pelo menos três quartos das vezes que levantei vôo.
Isso sem falar nos inúmeros problemas de performance que encontrei jogando no PS4. Como disse previamente, as telas de carregamento foram minhas maiores companheiras, tanto pela frequência quanto pela demora em se finalizar. O problema não seria tão grande se os travamentos não fossem constantes, principalmente durante as cutscenes e transições.
Qual é o nível de poder dele?
Agora, quando pensamos em Dragon Ball, o que vem à nossa mente? PORRADA! A boa e velha esmurrada na cara de alguém. Tendo isso, cerca de 40% do jogo consiste em agredir pessoas/coisas/alienígenas/pedras – alías, gosto que os personagens não tem preconceito nenhum sobre quem ou o que agredir, se dá pra acertar, bora bater.
Considerando o histórico da CyberConnect2, é de esperar que o estúdio tenha como especialidade a proficiência no combate. Na verdade, o que recomendo é que eles joguem outros títulos de outras produtoras, para ver se trazem conceitos novos para tornar a experiência agradável.
As variações de movimentação do combate se resumem a golpes normais – um botão só para golpes que acontecem automaticamente -, um botão de esquiva e até 4 botões para golpes especiais – como Kaioken e Kamehameha. Essa pouca variedade faz com que o combate seja muito simplista, não dando muitas possibilidades para que o jogador consiga impor sua personalidade na maneira de jogar. Em diversas vezes, me vi mexendo no celular e apertando o bolinha no controle sem pensar, só esperando acabar aquela luta tediosa.
A parte visual do combate também é problemática, pois na maior parte do tempo são múltiplos lutadores em uma arena insana. Cada movimento tem seus efeitos visuais e sonoros. Junto a isso, a câmera sofre leves ataques epiléticos devido à movimentação dos lutadores. Ah é, e por mais que tenhamos todo um esquema de movimentação de vôo em outras partes do jogo, durante o combate este esquema muda. E você que se lasque. Em termos de jogos de luta confusos, dou para Dragon Ball Z: Kakarot uma nota 9 de 10 Marvel vs. Capcom 3’s.
Em um combate tão intenso quanto se espera de Dragon Ball, é necessário que as animações sejam suficientemente diferenciáveis para que possamos reagir e mostrar que somos guerreiros lendários, dignos de um poder ACIMA DE 8000! E Dragon Ball Z: Kakarot faz absolutamente o contrário de tudo o que descrevi. Na maior parte dos momentos me vi tentando todas as possibilidades para ver se alguma coisa funcionava, com resultados diferentes em cada vez.
Os adversários se dividem em duas categorias: banais – que podem ser derrotados sem nem olhar para a tela – e impossíveis – que exigem uma dose de sorte além de qualquer habilidade e grinding. Não existe uma curva de melhoria estável no jogo, a experiência obtida de qualquer combate é irrelevante e somente os avanços da história permitem que o personagem se aprimore de fato. Com isso, todo o conceito de RPG vai por água abaixo.
O mais impressionante depois de eu falar tudo isso é que eu me vi preso em Dragon Ball Z: Kakarot, jogando mais de 20 horas em 4 dias. Estava detestando a exploração, o combate, as animações, valendo a pena somente para acompanhar a narrativa. Honestamente, a única explicação que vejo para isso é a minha paixão por Dragon Ball desde criança. Por fim, se você quer um RPG de Dragon Ball, experimente Dragon Ball Z: Super Saiya Densetsu de Super Nintendo, afinal, ainda é a melhor escolha