O melhor tipo de jogo é aquele que surpreende por criar qualquer tipo de sentimento e, consequentemente, uma boa memória. O recente trabalho da Bippinbits é a prova de que a simplicidade consegue gerar tensão, nervosismo, ansiedade e medo, tudo junto e do início ao fim.
Detalhe importante que não estamos falando de um survivor horror AAA, mas sim de um indie com visual minimalista e uma proposta mais simples do que qualquer jogo que impressiona pelo visual, jogabilidade ou narrativa. Conheça Dome Keeper, lançamento indie que chegou para oferecer uma montanha-russa de sentimentos.
Perdido em Marte
Publicado pela Raw Fury, Dome Keeper chega no fim da onda de Vampire Survivors, mas em meio aos clones que nasceram dentro desse gênero roguelike com visual 8-bit, com a proposta de pegar essa fórmula e extrapolar, criando sua própria identidade e estilo.
Indo direto ao ponto, não temos uma narrativa para este jogo. Você habita uma cúpula (ou domo, como preferir) em um planeta misterioso. Sem muita informação, sua função é escavar o terreno em busca de minérios para aprimorar sua tecnologia e sobreviver ao ataque de hordas inimigas, repletas de alienígenas.
Numa primeira análise pode até parecer que os desenvolvedores “copiaram e colaram, mas fizeram diferente” de Steamworld Dig, pois você controla um engenheiro que deverá escavar, quebrando pedras e chegando cada vez mais fundo, porém aqui utilizando um jetpack com uma broca/britadeira acoplada.
Mesclando mecânicas de survivor e tower defense, você precisará buscar por três tipos distintos de recursos: ferro (quadrado), água (redondo) e cobalto (triângulo), para processar melhorias na cúpula e em seu personagem, afinal não estamos em um “Harvest Moon” espacial para apenas cultivar tudo isso.
Durante a sua jornada, você terá breves momentos de calmaria até surgir um alerta sonoro, avisando que uma horda de monstros alienígenas chegará por terra e ar. Para sobreviver e continuar sua missão, você conta inicialmente apenas com um raio para movê-lo 180° e atacar todas as ameaças.
Com o passar das partidas, você conseguirá acoplar um segundo raio atordoador, um condensador de água, um dissipador de hordas e outras melhorias que poderão ser encontradas na escavação ou escolhidas na preparação da run, assim que forem sendo encontradas ao final de cada partida e preservada para o próximo desafio.
Em busca da relíquia perdida
Missão? Mas não era apenas sobreviver? Não! Mesmo sem uma história para Dome Keeper, o looping de explorar, cavar, minerar e evoluir sua cúpula ou personagem existe apenas para sobrevivermos tempo suficiente para encontrarmos uma relíquia misteriosa e perdida, que servirá como desbloqueável para acessar novas opções de jogo e uma nova fase/planeta. Um modo “Prestígio” também está disponível para ser desbloqueado, porém infelizmente não consegui sucesso nas minhas partidas para acessá-lo.
Neste momento que o jogo brilha demais. Ao jogarmos, ele cria um misto de sentimentos e que talvez limite este título para pessoas que sofrem de ansiedade. Começa com o de curiosidade para cavarmos cada vez mais fundo em busca de recursos, depois vem a dúvida, pois você precisa escolher quanto do loot carregar de volta para a cúpula sem comprometer a velocidade do jetpack por conta do peso.
Enquanto isso o tempo entre uma onda de ataque e outra vai passando, criando aquele nervosismo de “será que chegarei em tempo?”. Você fica na indecisão sobre cavar mais ou retornar. Afinal você precisa buscar pela quantidade de elementos necessária, exibida no menu de melhorias acessada pelo computador da cúpula, para o aprimoramento que busca: melhorar sua defesa, ataque ou seu personagem.
Para ajudar no nervosismo, você não sabe qual tipo de alienígena vai surgir para atacar sua cúpula. A cada horda que aparece, os ataques vão ficando mais fortes e em maior quantidade, exigindo uma estratégia maior para balancear ataque e defesa, inclusive com a velocidade em que você movimenta seu raio pela cúpula ou do seu personagem pelo subsolo. Importante ressaltar que a cada nova fase desbloqueada, após encontrar a relíquia, novos inimigos também vão surgindo e com comportamentos distintos do que já encontramos.
Ao acessar o computador para “comprar” uma melhoria, você encontrará opções para otimizar a cúpual e o personagem, mas também terá opção de fazer upgrade nos dispositivos extras que vai encontrando ou desbloqueando. Se a cúpula recebe aprimoramentos para suportar a investida dos aliens que chegam pela terra ou pelo ar, o seu personagem oferece melhorias que auxiliarão na velocidade do jetpack, potência da broca para cavar mais rápido e a quantidade de peso que ele pode carregar. Já os equipamentos extras, por exemplo, podem passar a causar dano ou prolongar efeitos.
Uma corrida contra o tempo começa, exigindo que você monte sua estratégia baseando-se na quantidade de recursos encontrada, que varia muito entre uma partida e outra. Com sorte você encontrará circuitos que acrescentarão dispositivos extras e que não estão disponíveis como melhorias da cúpula, como fábrica de bombas, teletransporte, elevador de mineração ou que podem ser destruídos para obter cobalto, o recurso mais raro e que é utilizado para recuperar o HP da cúpula.
O mistério reside abaixo
A Bippinbits conseguiu criar uma atmosfera claustrofóbica com o visual minimalista de Dome Keeper, desde o cenário da surperfície até a escuridão que nos acompanhará durante a exploração do subsolo. Quase como um jogo 8-bit, tudo possui pouca informação visual para você enquanto se aventura por qualquer direção em busca dos minérios ou até mesmo a relíquia perdida.
Se engana aquele que achar que falta profundidade (sem trocadilhos) neste título, pois a ideia é não se apoiar em mapas ou sistemas para você se localizar. Ele simula muito bem o desespero de estar perdido em busca de algo que não conhecemos, simples assim. O minimalismo faz parte do gameplay e da experiência, criando todos os sentimentos negativos em meio à uma experiência extremamente positiva.
A trilha sonora com um quê de lo-fi ajuda a criar um sentimento de solidão, mesclando uma virada ao assumirmos o controle de defesa da cúpula. Por um breve momento esquecemos de tudo, quebrando o silêncio de quando chegamos na superfície e assumimos o computador da cúpula.
Começando com uma trilha mais incidente, a jogabilidade da sobrevivência começa, competindo com a tensão ao acompanharmos a barra de progresso da horda inimiga diminuir a cada alienígena que surge ou é derrotado. O alívio vem, sinalizado até mesmo pela trilha, com um respiro ao sobrevivermos por mais uma onda, mas nada dura muito porque precisamos retomar a escavação o mais rápido possível.
De volta para minha terra
Acompanhando a proposta 8-bit, os inimigos possuem design simples ao mesmo tempo que são fáceis de identificar. Você sabe qual o tipo de ataque ele vai desferir contra a cúpula, assim como conhecerá o tempo que demorará para derrotá-lo com o seu nível atual de ataque e defesa. O mesmo acontece para saber se ele virá por terra ou céu, além da quantidade que normalmente eles aparecerão pela esquerda ou direita.
Tudo é muito simples ao mesmo tempo em que possui uma dificuldade altíssima (e que não pode ser alterada antes de cada run), exigindo atenção e estratégia. Se os controles são fáceis para você explorar e cavar, os inimigos vão fazer com que você pense bem em qual ordem atacá-los, calculando a velocidade que a sua arma na cúpula demora para se mover de um lado para o outro.
Dome Keeper é sinônimo de criatividade, simplicidade e, claro, qualidade. Com certeza uma pérola indie que merece sua atenção e que vai deixar aquele gostinho de “vou tentar só mais uma run” toda vez que você for jogar.