Na BGS do ano passado, pude conversar com Leonardo Zimbres, fundador da Zanardi & Liza, estúdio indie brasileiro de desenvolvimento de games que tem na equipe sua esposa Paula Zimbres e o músico Txai Viegas, seu irmão. Naquele dia, Leonardo narrou seu típico cotidiano de desenvolvedor independente: deixar as crianças na escola e ir até a biblioteca mais próxima trabalhar no jogo em seu note. O trabalho que ele estava fazendo na biblioteca era justamente o de programador de Dog Duty, jogo que estava sendo apresentado na BGS apenas através de um vídeo de demonstração. Logo de cara, fiquei interessado na ambientação e na perspectiva, similares a Desert Strike.
Comandos em Ação Digital
A ideia original que eles tinham para Dog Duty era fazer um jogo genérico de tiro, até o momento em que se depararam com a caixa do Quartel-General dos Comandos em Ação, que discriminava a função exata que cada boneco desempenhava nele, assim como o local de suas operações: um ficava no radar, outro operava uma torre, outro cuidava do cachorro, e por aí vai. Não deu outra, quiseram implementar uma jogabilidade em que cada personagem desempenha uma função diferente no momento do perigo e o jogador é o responsável para gerenciar isso em tempo real. DogDuty é o resultado disso.
O jogo é todo baseado em referências ligadas aos anos 80: a Guerra Fria, a corrida nuclear, os brinquedos da época, a exploração e o “mundo aberto” de Desert Strike e o futuro distópico de Mad Max, mas neste caso “com um jeito mais brasileiro, acontecendo em um futuro distópico de uma espécie de Brasil”, segundo Leonardo.
Dog Duty tem como pano de fundo uma história densa e profunda: um esquadrão de mercenários é contratado por outra nação pra derrubar o Comandante Octopus, ditador maligno do governo de uma ilha. Com o andar do jogo, descobre-se que há outros interesses e que a história não é tão simples assim, aludindo a conflitos históricos cinzentos como a Guerra Fria, os contras na Nicarágua, etc., que não foram exatamente uma batalha entre mocinhos e bandidos como a dos Comandos em Ação contra as forças do Comandante Cobra.
Real Time Squad Combat com efeito Matrix
A divulgação de Dog Duty diz que ele é um combate de equipe em tempo real. O que isso significa na prática é que o jogador terá à disposição pelo menos quatro mercenários com características próprias, cada uma delas úteis para determinado momento ou função. Na versão atual na Steam, por exemplo, temos um médico com habilidade de curar a si mesmo e a quem estiver perto dele; um fortão estilo B.A. do Esquadrão Classe A capaz de disparar rajadas de tiros repetidas e poderosas com sua arma por um curto período de tempo; e um soldado capaz de fazer um ataque muito rápido que pega os inimigos de surpresa e arranca muita energia.
Mas como controlar os três simultaneamente no momento da ação? É possível fazer isso de duas formas: selecionando individualmente um personagem de cada vez e dando comandos a ele ou selecionando um grupo de dois ou mais personagens e dando o mesmo comando a todos os selecionados. No estágio atual do jogo, na grande maioria das vezes a força bruta de mandar todo mundo assassinar um inimigo funcionou que é uma beleza. A opção de instruir individualmente cada personagem em funções diferentes claramente é o modelo central do jogo, que deve ser refinado até a versão final do jogo para que o jogador a use sem sequer se lembrar que seja possível comandar mais de um boneco de cada vez.
Para facilitar a orquestração, existe uma função de reduzir a velocidade da ação, muito similar ao que chamo “efeito Matrix” (imagine aquela cena em que Neo desvia de uma série de tiros envergando a coluna como um berimbau). Através desta função, é possível corrigir a trajetória dos personagens em tempo de execução dos comandos, escapando de tiros e permitindo variações na estratégia de acordo com o desenrolar do conflito. Parece promissor.
Comandando os Comandos
Até a data da publicação desta análise, a utilização de controles estava bloqueada, sendo possível jogar somente com mouse e teclado, mas algo que me parece muito mais interessante do que ativar a habilidade de cada personagem clicando em ícones da HUD é aproveitar o design padrão dos quatro botões de rosto (XYBA, por exemplo). Digo mais: acredito que este jogo clama por um controle com comandos bem distribuídos em seus botões, para que o jogador não se distraia interagindo com a interface através de comandos clicáveis e possa manter o foco total na ação, que é o coração do jogo.
Por falar em controle, não são somente homenzinhos sob o comando do jogador, sendo possível também controlar um caminhão nesta versão atual, além da promessa de um hovercraft e um barco para a versão final. O mapa é dividido em cenários interligados por terra e água e os veículos são utilizados para se deslocar de um ponto ao outro. Há diversas bases inimigas e aliadas no mapa, onde batalharemos para tonar posse ou compraremos e venderemos equipamentos, respectivamente.
Algo divertido é que podemos ser interceptados no meio do trajeto, momento em que entra em ação uma batalha em movimento ao melhor estilo Mad Max e é digna de nota a possibilidade de atropelar homenzinhos e explodir veículos menores com o impacto do caminhão, o que traz uma sensação incrível de encarnarmos o eterno Max.
Missão possível, por favor!
O jogo está muito bonito, o caminhão está dando pinta de que será gostoso de pilotar, a câmera lenta promete a possibilidade de driblar projéteis inimigos e orquestrar o comando de quatro personagens realizando tarefas diferentes em locais diferentes da base inimiga: o jogo parece estar evoluindo bem. Porém, algo para a galera da Zanardi & Liza ficar de olhos bem abertos diz respeito ao design das bases inimigas. Este acesso antecipado ainda não serve para tirar medida quanto a isso, já que o momento está mais pra refinar o gameplay. Mas é preciso pontuar que a essência de Dog Duty parece depender fortemente da relação entre o design das bases inimigas e o balanceamento entre os recursos à disposição do jogador e as sacanagens que a Evil Octopus Army aprontará.
Digo isso porque um jogo ficou marcado dolorosamente na minha lembrança dos tempos de locadora: Mission Impossible (Ultra, 1990) de NES. Aquele jogo disponibilizava exatamente quatro agentes para o jogador, cada um deles com características e habilidades próprias, em um jogo projetado para que cada um deles fosse fundamental para a superação de todas as fases do jogo, cada um em sua função específica. A dificuldade, porém, de manter os personagens vivos diante das ciladas do jogo era tão alta que chegávamos a querer atirar o cartucho na parede, o que desperdiçava o rico potencial do jogo. Espero que Mission Impossible possa servir de anti-modelo, para que Dog Duty não transforme a vida do jogador em uma vida de cão, muito pelo contrário, que seja uma experiência prazerosa.
Assim sendo, desejo muita inspiração para a Zanardi & Liza e principalmente para Hugo Vaz, artista e designer de fases de Dog Duty, “emprestado” da Beholder Studios, dos premiados Knights of Pen & Paper e Chroma Squad! Que Dog Duty esbanje criatividade nos desafios e permita soluções criativas por parte do jogador, sem judiar muito dele… E quem sabe um multiplayer com um jogador controlando os Comandos e outro controlando os Octopus?