Demon’s Souls saiu para PlayStation 3 em 2009 e é um game do estúdio japonês FromSoftware, que antes dele já havia entregado games de mechs da série Armored Core e também a série King’s Field no PlayStation 1, jogo que é conhecido por ser de certo modo um precursor de Demon’s Souls e, de quebra, é famoso por ter tido sua trilogia do PS1 lançada num espaço de apenas 19 meses. O primeiro saiu em dezembro de 1994 e o último, em junho de 1996… Haja gente fazendo jogo lá na FromSoftware!
O relançamento para a estreia do PS5 veio pelas mãos do estúdio norte-americano Bluepoint Games, que tem no currículo uma vasta coleção de remasters de jogos da Sony, como os God of War 1 e 2 no PS3, o HD Collection da série Metal Gear Solid para PS3 e Xbox 360 (e agora para PC também), Gravity Rush, Uncharted: The Nathan Drake Collection e o remake de Shadow of the Colussus, estes três últimos para PS4. Relançar ou remasterizar jogos antigos é o forte dos caras e, a julgar pelos trabalhos anteriores, Demon’s Souls não poderia ter caído em melhores mãos.
Mas todo jogador que se preza já deveria saber de tudo isso, certo? Na verdade não: do alto do meu (vergonhoso, talvez?) histórico, eu nunca havia jogado Demon’s Souls na vida e, consequentemente, nunca havia me interessado posteriormente por “souls like” em geral. Mas depois de Demon’s Souls no PS5, eu me preparo para talvez não ver um jogo que o ultrapasse em qualidade tão cedo.
Demon’s Souls tem história, mas pelo menos isso eu não achei muito convincente. Um papo de uma tal entidade que precisa ser “pacificada” por um herói praticamente anônimo e que pode ser de classes como cavaleiro, nobre (que é a personificação do termo “apelona”), bárbaro ou guerreiro. Sendo um “souls like”, você é jogado no mundo de Boletaria com pouca coisa para se virar – geralmente uma espadinha mixuruca e um escudo velho, e deve literalmente aprender tudo sobre como se dar bem lá na raça mesmo. Sem tutoriais nem nada até de mensagens que outros jogadores deixam em lugares estratégicos.
A jogabilidade é simplesmente um deleite. Os ataques básicos são feitos com R1 e R2, com o botão Quadrado servindo para consumir itens e o X para interagir com coisas do cenário. Mas a movimentação é muito, muito suave mesmo. Já ouvi gente falando que esses Souls são meio “travadões”, mas não senti nada disso em Demon’s Souls. Aqui, ninguém morre por culpa do controle.
Você morreu. De novo.
A dificuldade é alta, mas Demon’s Souls é um dos jogos mais recompensadores que eu já tive o prazer de jogar. Exige timing preciso, exige treino, e frustra. Mas nada como morrer e ter de começar de novo no primeiro “mundo” (mantendo apenas os itens da última jogatina) do zero e conseguir chegar mais longe, e depois mais longe…. para depois de muito sofrimento, e muitas horas, e muitas mortes, conseguir finalmente matar o inimigo que destrava o NPC que deixa o seu personagem subir de nível. Eu nunca joguei tanto seguidas vezes a mesma fase matando os mesmos inimigos, mas a cada partida você conhece melhor o cenário, começa a prestar mais atenção em qual distância exata você pode ou deve ficar do inimigo para ele de repente não te ver e você poupar uma estressante, porém recompensadora, batalha de espada.
O fato de você voltar tantas e tantas vezes no mesmo cenário (contra os mesmos inimigos, que estarão nos mesmos lugares) não é nem um pouco cansativa: na pior das hipóteses, você vai criar um laço com aquele mundo, e a sensação de “já passei por aqui e sei como é” irá se tornar algo cada vez mais forte. Morrer no mesmo lugar para o mesmo inimigo ou chefe? Vai acontecer, mas por algum motivo, chegar lá de novo sempre vale a pena.
Talvez ajude o fato de, tecnicamente, Demon’s Souls ser basicamente perfeito, e tudo começa pelo controle Dual Sense: quando você quebra caixotes de madeira, a sensação é de madeiras quebrando dentro do controle. Quando você acerta uma parede com uma espada, a sensação também é de uma espada passando por dentro do controle. É difícil de explicar, e boa parte dessa “sensação” toda também é causada pelo fato de que o controle também faz um barulho característico que ajuda o cérebro a associar a vibração ao que está acontecendo na tela junto do que o jogador está ouvindo. É um “truque”, como dizem, mas funciona muito bem.
Demon’s Souls oferece dois modos gráficos: um Cinemático, que roda em resolução 4K e a 30 quadros por segundo, e um Performance, que roda a 1440p a 60 quadros por segundo (e 1440p é 2560×1440, que erroneamente é chamado por alguns de “2K”; na verdade 1440p é “quad HD”, pois é uma resolução 4 vezes mais alta que 720p, enquanto que 2K é uma resolução pouquíssimo utilizada de 2048×1080 que é basicamente um full HD com alguns pixels a mais na vertical).
4K, para quê te quero?
Jogando nos dois modos, é até difícil justificar a existência do modo 4K a 30 quadros por segundo. Visualmente, as texturas ficam um pouco mais nítidas em 4K (mas não muito mais nítidas, e a uma distância normal de uma televisão de 55” ou 65”, é muito difícil perceber as diferenças), mas o grande porém desse modo é a praticamente total falta de um efeito de borrão de movimento (conhecido popularmente como motion blur) para suavizar a movimentação – eu digo “praticamente” porque até existe um slider de motion blur no game, mas ele não funciona muito bem, deixando o jogo com a movimentação muito “travada” ou com excesso de “rastros” na tela.
Esse truque do motion blur é bastante utilizado (e bem implementado) em vários outros jogos que rodam a 30 quadros por segundo, como os da série Assassin’s Creed da geração anterior, The Witcher 3 e até os Forza Horizon, e um excelente exemplo mais contemporâneo é Marvel Spider-Man: Miles Morales, que aplica este efeito com uma sutileza tão incrível a ponto de muita gente, incluindo eu, preferir jogar o game desta forma em vez dos 60 quadros por segundo com menor resolução e menos efeitos.
Sem querer entrar no campo das comparações, mas como se não bastasse o Demon’s Souls não ter nada que disfarce os 30 quadros do modo 4K, a queda na fidelidade visual e nos efeitos é quase nula – não é um game que, sei lá, oferece um ray tracing e, por conta desse sacrifício de processamento, precisa cortar os frames pela metade. Graficamente, com o jogo parado, quase não dá para perceber mesmo as diferenças entre os dois modos visuais, portanto, fica a recomendação básica de que o jogador mantenha o game no modo de 1440p a 60 quadros por segundo, o que, por sinal, já é o modo padrão.
Você mor… Quer dizer, os loadings morreram
Completando a parte gráfica, Demon’s Souls oferece ainda opções de filtros visuais, mas eles basicamente mudam as tonalidades de cor do jogo. Um deixa a imagem com os tons de cor mais quentes, outro deixa mais frios, tem um sépia e até um preto e branco. Sinceramente, as opções são muito bem vindas, mas com exceção do filtro quente (que por algum motivo agrada aos olhos), não vi muita utilidade e nem muito apelo visual nos outros filtros. Talvez algum filtro que deixasse a imagem um mais “borrada” para parecer que é um console antigo ligado por cabo AV ou outro que deixasse tudo mais pixelado fossem opções mais legais. Yooka-Laylee and the Impossible Lair, por exemplo, brincou com filtros desse tipo e o resultado foi muito bom.
Mas ainda no campo das características técnicas, não tem como não citar a ausência praticamente total de loadings. Na verdade nem existem telas de loadings, e quando o game vai carregar alguma coisa, ele “disfarça” com uma tela cheia de névoa que não dura mais do que uns três segundos. Isso adiciona um dinamismo ao game que seria difícil de replicar caso ele fosse lançado também para PS4, por exemplo, e ainda deixa o jogador sempre em estado de alerta – não tem loading para ele ir ali buscar algo no Google, e pausar o game significa apenas que ele está no menu, pois o jogo continua rolando, com inimigos agindo e atacando normalmente e tudo mais.
É impossível não recomendar Demon’s Souls no PS5. O jogo é basicamente obrigatório para qualquer pessoa que tenha a oportunidade de ter o console, ainda que não seja fã ou tenha experiência com o gênero – o que foi o meu caso, que sempre fugi de todos os Souls possíveis e que, volta e meia, coloco jogos Triplo A no modo mais fácil para não ter muito estresse. Mas Demon’s Souls foi diferente. Assim como a vida, o jogo vai te maltratar, só que o aprendizado é recompensador demais.