Vem ao mundo a mais imprevisível dos mensageiros do fim dos tempos. Fúria – estranhamente chamada de Cólera na localização brasileira – chega a uma Terra já devastada pelos acontecimentos dos jogos anteriores da série. Seu objetivo? Caçar os Sete Pecados Capitais. Consegue lembrar os sete? São como os sete anões ou as sete maravilhas do mundo antigo, nunca dá pra lembrar todos.
Gula, Avareza, Luxúria, Ira, Inveja, Preguiça e Soberba. Na verdade, são todas coisas que praticamos maravilhosamente bem enquanto jogamos Darksiders III. E com o prosseguimento do review, vocês vão me entender melhor em relação a tudo isso. A Gunfire Games assume a franquia, anteriormente desenvolvida pela Vigil Games e previamente distribuída pela falecida THQ, agora comprada pela THQ Nordic. Mais uma instância da série hack and slash, estilo agora facilmente compreendido como “igual God of War”, que busca fugir de uma certa banalidade e aproxima-se de conceitos presentes em Dark Souls.
Os quatro caval(h)eiros
Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse: Guerra (presente no primeiro Darksiders), Morte (do segundo jogo), Fúria (aqui tratada) e Peste. Vale dizer que esses cavaleiros são leves adaptações dos presentes na Bíblia, mas estão suficientemente próximos, então tá valendo.
Representantes do fim do mundo como conhecemos, os Quatro iniciam sua cavalgada após a ruptura do primeiro dos “Sete Selos”. Ou é assim que as coisas deveriam acontecer, visto que todo o plot da série é buscar resolver as tretas provenientes das coisas terem fugido do planejado. Frase que pode muito bem resumir Darksiders III.
Nós acompanhamos, desde o início, a chegada de Fúria à Terra, já em um estado que poderíamos chamar de pós-apocalíptico (neste caso, surpreendentemente, de forma literal), em sua missão para caçar os Sete Pecados Capitais.
Com o enfraquecimento das estruturas sociais tanto na Terra quando nos Céus e no Inferno, os Pecados tomaram conta do nosso planetinha e estão fazendo o que fazem de melhor: cagar em tudo. E, por mais que hoje em dia as coisas estejam bagunçadas, até para baderna tem limite. Por isso, Fúria é mandada como um belo leão de chácara para limpar a sujeira que fizeram no tapete persa da sua mãe, antes que ela chegue e outro apocalipse comece.
Começando pela personagem principal em si, Fúria é o que você espera pelo nome. Absolutamente bruta, irredutível até segunda ordem, impulsiva, grosseira. Para ser bem sincero, uma coisinha até desagradável de se acompanhar. Não consegui necessariamente criar algum tipo de vínculo com ela mas, novamente, pelo arquétipo, não esperava nada de diferente dela.
Com o passar do tempo, é perceptível um desenvolvimento da Fúria quanto mais ela interage com humanos e outras entidades de antes dos tempos, essas outras com um pouco mais de compaixão e empatia por seres mais frágeis. Conforme vai se passando, podemos dizer que Fúria foca suas forças para ferrar de forma fluida e ferrenha.
Senti um certo estranhamento no jogo. Algumas partes me pareciam extremamente detalhadas, como a variação e a fluidez de animações durante os ataques da Fúria, por exemplo. Não senti o mesmo com os inimigos, que são bem repetitivos e esquecíveis. E em alguns outros momentos, você parava pra ver o jogo acontecendo e tinha a sincera impressão de estar em um jogo de 2010.
Imagino eu que essa disparidade seja resultado da diminuição abrupta da quantidade de recursos disponíveis desde o primeiro jogo da série até o lançamento deste, 8 anos depois. Em determinados pontos, o jogo busca crescer e fazer algo a mais do que era esperado dele, não necessariamente tendo sucesso, mas é bonito (ou minimamente engraçado) ver uma criança tentando se comportar como adulto. Porém, na maioria deles, aceita ser simplório.
Apesar disso, se você levar em conta somente os momentos de separar os inimigos em pedacinhos bem pequenos, o combate é divertido e com movimentos que se unem uns aos outros com uma fluidez considerável. Não sei dizer se é uma herança dos jogos anteriores ou mérito somente da Gunfire Games.
Além de tudo, ainda há uma vertente de RPG acontecendo dentro de Darksiders III. Seguindo uma vibe presente em outros jogos do gênero, matar seus inimigos te dá uma certa quantidade de almas, que podem ser utilizadas nos checkpoints falando com Vulgrim, e obter pontos que podem ser transformados em melhorias de vida, ataque ou magias, que são basicamente ataques especiais.
Outro dos momentos de melhoramento da Fúria, está voltado para uma certa exploração do mapa, onde se pode encontrar diversos tipos de fragmentos. A combinação de alguns deles, estando em contato com os Criadores, permite que você melhore seus equipamentos de uma forma diferenciada, tendendo a um dos lados da guerra onde a Terra é o campo de batalha. Você pode optar pelo caminho angélico, recebendo bônus de vida ou partir para o lado diabólico da coisa, aumentando a quantidade de dano que se pode fazer. Adiciono que tanto um tipo de upgrade quanto o outro não me mostraram diferenças significativas em gameplay, mas podem ser significantes conforme a coisa correr a longo prazo.
Apocalipse, capítulo 6, versículo 1
Para que um jogo de hack and slash funcione, é fundamental que você consiga ver seus inimigos. Como você poderia atacar, se preparar, desviar de algo que você não está vendo? É muito difícil, concorda? Darksiders III tem o menor campo de visão de um jogo do tipo que já vi. Faz com que seja absolutamente terrível experienciar o combate, o elemento principal do jogo.
Existe um mod feito pela comunidade para melhorar isso, para deixar o campo de visão da maneira que eu bem entender. Mas é obrigação da desenvolvedora pensar ou pelo menos testar algo que seja tão estúpido. Nas duas imagens abaixo você consegue ver a diferença absurda entre o campo de visão original e o alterado pelo mod.
Vale ressaltar que, por não ter sido preparado para isso, quando coloquei o mod, ajustei para o campo de visão que me satisfez e fui para o mundinho de Darksiders III. Resultado? Meu motion sickness veio com uns quatro ou cinco pés nas minhas costas. Cada movimentação fazia com que o mundo girasse tão lindamente como se eu tivesse mandado uns três copinhos de um whisky maior de idade.
Já que estamos falando de problemas, olha só, tem mais vindo por aí. O combate é uma imitação fajuta do que ficou conhecido como Dark Souls, onde o foco deixa de ser a agilidade e brutalidade do que se espera de alguém como a Fúria, para batalhas que buscam ser mais metódicas. Mas somente buscam. Porque pedir isso enquanto te colocam em uma arena com uma dezena de inimigos faz com que tudo se torne um eterno jogo de pega-pega.
Outra mecânica surrupiada de Dark Souls refere-se aos checkpoints, que ficam estupidamente longe uns dos outros, te obrigando a refazer os mesmos combates tediosos todas as vezes, se tornando algo basicamente mecânico. Felizmente, os puzzles se mantém completados. Caso fosse o contrário, o jogo seria insuportável, já que os puzzles são mais irritantes que intrigantes.
Como todo bom hack and slash, você precisa de um acompanhante. Em Darksiders III, um ser espectral enviado pelos seus “chefes” te segue, a Vigia. Acaba por ser um personagem carismático que gera bons momentos de diálogo seja com Fúria, seja com outros personagens presentes no mundo. Nada de especial ou extremamente memorável, mas vale como ponto positivo!
Sendo uma tentativa de seguir um caminho diferente do que sua história pede, Darksiders III acaba por se trair sem perceber. Soma-se ainda uma dose de tentar abraçar algo maior do que seus recursos financeiros ou sua experiência permitem. Não chega a ser medíocre. Está abaixo disso.
É gula porque tenta pegar para si mais do que aguenta; avareza prendendo boa parte das capacidades do jogador de fazer o que quer; luxúria comendo recursos da máquina para rodar bem; ira foi o que me causou jogando; inveja de outros jogos por terem revolucionado o gênero hack and slash; preguiça porque não inventa nada seu e soberba por pregar ser algo que não é.