Quando você tem no RPG o seu gênero favorito, é muito difícil se surpreender considerando que já foram usadas inúmeras ideias distintas nos games nas últimas décadas. Porém, ainda assim Cris Tales me deixou completamente de queixo caído com tudo que ele tinha a oferecer. Caros leitores, não é apenas uma boa história que está sendo contada aqui, mas uma nova forma de vermos os jogos eletrônicos e a viagem no tempo.
O título alcança um patamar que eu esperava apenas de uma produção da Square Enix, provavelmente em uma nova versão de Chrono Trigger ou alguma sequência. Se você gosta de histórias que misturam o passado, presente e o futuro, pode ter certeza que veio ao lugar certo e Crisbell te guiará por essa jornada, descobrindo contigo como podemos mudar as coisas a partir de pequenos atos.
As maravilhas de viajar no tempo
Cris Tales é, sem sombras de dúvidas, um dos games com batalhas em turnos mais criativos que já vi em toda a história dos games. Poderia falar da beleza da história e das nuances dos mapas, mas você tem de saber primeiro que os combates ultrapassam o crível de forma que, mesmo depois de boas 10h de jogo, ainda se surpreenderá com seus detalhes e tudo que a Dreams Uncorporated e a SYCK desenvolveram em cima de sua envolvente mecânica.
Em resumo simples, a protagonista Crisbell tem a habilidade de ver o passado e o futuro ao mesmo tempo que seu presente e isso pode ser usado também nos conflitos. Você pode jogar uma armadilha explosiva, por exemplo, e mandar o inimigo à frente do tempo, fazendo ela estourar em cima dele. Ou se a luta estiver complicada, volte ele em uma época que era um monstro fracote ou um soldado aprendiz e acabe com a sua raça sem pestanejar. Apenas com um simples comando.
Olha, se isso fosse tudo que Cris Tales tem a oferecer com esse recurso já estaria bom, mas tem muito mais. Assim como retornar ao passado e confrontar oponentes mais fracos te ajuda em momentos difíceis, você pode avançar ao futuro para enfrentar suas versões mais poderosas e implementar ainda mais a experiência e dinheiro ganho no fim de cada recompensa. Porém, não se engane muito, pois isso pode ter um efeito reverso dependendo de quem está enfrentando.
Imagine isso misturado aos poderosos ataques de cada personagem que controla, combos entre eles, variações e um sistema que permite que, apertando o botão de ação no momento certo, você solte um ataque a mais ou fortifique suas defesas. Isso porque eu nem citei a combinação de magias e status, além das diferentes habilidades extras que podem ser equipadas nas armas que ajudam a tornar a mecânica em algo tão complexa e natural que mesmo um novato conseguiria compreender sem ter dores de cabeça.
Mudando um pouco de assunto, o design de Cris Tales acompanha toda essa criatividade em seus cenários. Assim como nas batalhas, você pode alterar coisas no passado ou futuro com a ajuda de Matias, o sapo que te ajuda a entender o seu papel no grande destino que os aguarda. Poderá estar em uma cidade andando tranquilamente, enquanto você vê, ao mesmo tempo, ela completamente inundada no canto direito da tela. Será que conseguirá impedir essa catástrofe?
A parte mais legal é ver os vários dos personagens carismáticos em diversas versões diferentes. A imagem deles mais novos pode até te fazer entender como eles chegaram onde estão, assim como o que acontece com estes, às vezes, acaba sendo assustador. Poderia te falar o quanto dá para ser frio e ignorar tudo isso, mas não dá. Ao menos eu não consegui deixar para lá ao saber que alguns deles morreriam ou cairiam nas trevas sem fazer algo a respeito.
Ah, nem pense em se descuidar enquanto deslumbra tudo isso na tela. Um piscar de olhos é o suficiente para você perder interatividade em Cris Tales. Fique atento se antes ou depois dos eventos presentes há caixas de itens, visualização de conversas especiais ou até mesmo possibilidade de abrir novos caminhos. Quem avisa, amigo é. Até mesmo missões paralelas podem ser cumpridas ou descobertas desta forma.
Olha, você pode ler isso e achar um baita exagero apenas pelo que viu nos trailers. Gostaria de informá-los que não é. Todos nós estamos cansados de saber que o único game que utilizou a viagem no tempo de forma magnífica em toda a história dos games, até hoje, foi Chrono Trigger. Isso até o grande lançamento de Cris Tales, amanhã. Sem repetir a fórmula, sem se segurar em maneirismos dos JRPGs e nem imitar grandes sucessos, essa foi a saída da Modus Games para aproveitarmos uma aventura sem igual.
Variantes de Cris Tales
Se reparar bem, até o momento eu falei apenas de como o uso da viagem no tempo dentro do título pode impactar o seu gameplay. Porém, a história também não passa nada longe. Crisbell é uma órfã que descobre na catedral de sua pequena cidade o poder de enxergar vários períodos históricos distintos. Com a ajuda de Matias, ela segue em direção à Imperatriz do Tempo, uma vilã que pretende dominar aquele universo.
Porém, ela não está sozinha nessa jornada. Cristopher, cujo irmão morreu na última guerra contra a Imperatriz, está ao seu lado com várias magias elementais e também Willheim, outro mago do tempo. Só que, em seu caso, ele voltou sua especialidade para as magia da natureza. Outros heróis se unem à jornada em Cris Tales, cada um contendo uma grande história de background para encantar os jogadores.
E olha que esse não é o mais interessante do que rola neste universo. A história do título está cheia de contexto político, ambientando todos com várias faces daquela sociedade. Ou seja, não é só o mundo inteiro que está em risco, mas também vários fatores da sociedade que você encontra em seu caminho. Alterar as coisas pode ser positivo, mas também pode gerar ainda mais confusão dependendo do que escolher. Não são muitos os fatores de múltiplas opções, mas agradam.
Neste quesito, muita coisa será esfregada na sua cara em Cris Tales. Se você não aceita viver na realidade, é um grande “sinto muito” que lhe digo. As situações vão desde um fazendeiro que vê o prefeito jogar monstros em suas colheitas para poder comprar as terras posteriormente até uma grande discussão de classes entre o povo que vive nos subúrbios e aqueles que possuem poder financeiro, morando em residências livres de alguns desastres arquitetônicos.
Se não bastasse isso, até a imigração é debatida com o povo agindo de forma preconceituosa contra quem foi abrigado de uma grande catástrofe. Veja bem, não estou falando isso para você fugir deste game não. É para consumir mesmo e ver como as coisas que nós vemos no dia-a-dia e nos jornais diariamente se entrelaçam na cultura, trazendo essas conversas para um público que parece cada vez mais descolado da realidade que o planeta e as pessoas vivem aqui fora.
Como se eu já não estivesse imerso o suficiente, ver este tipo de coisas em Cris Tales só me fez acabar mais contente com a experiência que estava à minha frente. Uma abordagem desta é mais do que necessária em um mundo onde Fortnite, Rocket League, FIFA e vários outros atingem milhões em público e arrecadação. Não que sejam títulos ruins, mas há exceções pelas quais vale a pena levar aquele belo tapa do mundo real para absorver algo de bom, sabe?
Fragmentos da linha temporal
Mesmo com essa mistura de level design, gameplay e história dando certo, o game apresenta algumas falhas que serão inevitáveis de comentar e que me obrigaram a reduzir um pouco a sua nota. Apesar de tudo funcionar exatamente como devia, certos detalhes impedem a experiência de ser completamente aproveitada. Nada que uma atualização não resolva, mas de primeira-mão incomodam.
Uma das coisas mais broxantes que vi em Cris Tales foi as telas de loading. Tudo gera uma, o que quebra bastante o ritmo se você está empolgado. Não sei a velocidade delas na versão de PlayStation, Xbox ou PC, mas no Nintendo Switch dá uma demorada e isso a todo momento. Entrou numa cidade, ela aparece. Saiu dela, também. Começou uma batalha, lá está ela. Entrada e saída de cutscenes, adivinha?
A velocidade de Crisbell se locomovendo, seja pelo mapa geral ou pelos cenários também é um peso que te impacta. Vamos ser sinceros aqui, ela é lenta. Isso poderia ser facilmente contornado com um botão que fizesse ela realmente correr, seria muito bem-vindo. Sem um recurso assim, você vai acabar xingando ela em algum momento e se perguntando quanto tempo passou apenas percorrendo certos trechos.
Estas reclamações não fazem de Cris Tales algo injogável. Ele é perfeitamente competente, mas que se implementassem isso tornaria tudo ainda mais agradável. Você está me ouvindo, Modus Games? A versão de Nintendo Switch também conta com algo que me incomodou um pouco em relação aos Joy-Con. O momento certo de bônus de ataque e defesa faz eles vibrarem, mas no modo portátil parece que meu console vai sair voando da minha mão. Obviamente que não recomendo jogá-lo assim às 5h, 6h da manhã que faz um barulho bizarro.
Como eu afirmei acima, talvez as versões dos videogames da Sony e da Microsoft não tenham problema com isso ou com as telas de loading. Porém, sendo bem direto e reto com vocês, não foi o suficiente que me fez desgostar de tudo que vi dentro do jogo. Comecei bem frio, ainda mais que ele segue um traço bem linear e não te dá tanta liberdade. Porém, quando te deixam seguir, você voa longe e não tem do que reclamar. Ainda vendo essas falhas, joguei por horas sem temores.
Se você é fã de RPG e busca uma experiência criativa, Cris Tales é o game definitivo. Ouso dizer que, se der uma atenção a ele, será no futuro uma memória tão boa quanto Chrono Trigger foi aos vários jovens dos anos 90. É uma afirmação perigosa de se fazer? Sim, bastante, mas se eu estivesse no seu lugar daria uma chance a ele que posso bater na mesa uma aposta de que não se arrependerá nem um pouco. Vai por mim e prepare sua mala, pois essa viagem no tempo vai longe…