Quando pensamos em RPG com história bem construída, visual impactante, além de boa jogabilidade, nós lembramos sempre da Square Enix e os seus memoráveis títulos. No entanto a Airship Syndicate, já em seu primeiro trabalho, conseguiu provar que tem capacidade de rivalizar com JRPGs e jogos famosos. Impossível não ficar impressionado com qualidade da direção de arte, marcando o retorno de Joe Madureira e sua obra.
Battle Chasers finalmente chega aos consoles depois de 19 anos, após nove edições publicadas no início dos anos 2000, trazendo uma mistura do estilo Steampunk e Fantasia Medieval. Se por um lado temos a impressão de que estamos vendo o antigo gibi ganhando vida na tela da TV, por outro lado parece que a evolução dos jogos, incluindo os títulos orientais mais tradicionais em sua essência do combate por turno e exploração de dungeons, não foi acompanhada pelo ilustrador e desenvolvedor de games. Por mais de 50 horas, você vai se apegar aos personagens, adorar explorar esse mundo mágico, já esperar pelos clichês que a trama possui e odiar o sistema de combate.
Estiloso ao criar seu próprio mundo
Já comentei sobre existirem clichês nesse jogo, mas estamos acostumados com isso, não é mesmo? Os jogos atualmente sempre reciclam elementos narrativos e pouco inovam para nos surpreender. O trabalho de Joe Madureira segue essa mesma linha, mas cria sua própria maneira para contar tudo o que vemos durante todo o game.
Garrison ocupa o lugar do espadachim tradicional e lendário, que jurou ao seu amigo desaparecido, Aramus, proteger Gully, sua filha de nove anos que carrega as luvas mágicas do pai; Monika Escarlate, uma caçadora de recompensas sensual possui um misterioso passado com Garrison e, ao lado dos companheiros de guerra, Callibreto, um golem metálico, gentil e com poder destruidor, e Knolan, um antigo mago secular e sobrevivente de guerra, temos a equipe completa que nos acompanhará durante toda a história.
Depois de uma sequência animada incrível, mostrando toda a qualidade visual e direção de arte que carrega os traços de Joe Madureira, descobrimos sobre a jornada do grupo pelos Distritos Principais em busca de mais conhecimentos sobre Mana e protegendo Gully daqueles que buscam pelo poder de suas manoplas.
Guiados pelo sábio Knolan, o quinteto chega até a Ilha do Crescente atrás de mais informações sobre Mana, a antiga e misteriosa magia que abastece esse mundo. Após um ataque inesperado o primeiro clichê aparece: nosso grupo é separado e cai na desconhecida ilha. Cabe você, no controle de Gully, achar seus outros companheiros.
A partir desse ponto é que vemos a mesma estrutura de um RPG que já conhecemos desde pelo menos a era 16-bit, porém construída de maneira única e com seu próprio estilo.
Jamais imaginaria que o visual da abertura seria mantido no gameplay, fazendo parecer que tudo foi desenhado à mão e cada detalhe muito bem cuidado. Esses detalhes estão presentes nas formas como o jogo se desenrola: quando exploramos o mapa da ilha, em que temos caminhos pré-definidos como se fosse um imenso jogo de tabuleiro, com uma direção de arte mais rústica, como se fossem desenhos feitos em papéis mais fibrosos ou até mesmo pergaminhos, apresentando locais para visitar e inimigos sinalizados para você ir de encontro à eles ou desviar por outro caminho.
Num segundo momento, Battle Chasers sai dessa essa visão macro e aérea para oferecer as Zonas de Ação e Exploração, alterando a mecânica e o gameplay, em que o jogador deixa de lado o tabuleiro imenso, do mapa aberto e com caminhos entre as locações da ilha, para desbravar pequenos mapas gerados proceduralmente, seja com inimigos ou apenas passagens por locais com itens, corte de caminhos, NPCs ou detalhes que enriquecem a narrativa.
Tanto na parte artística quanto na narrativa, fiquei impressionado pela qualidade na criação dos personagens, os cuidados para ilustrar a movimentação de todos os heróis e inimigos, o peso ao interagirmos com NPCs e cenários, além da ambientação, levando a imersão para um nível altíssimo e mostrando um mundo como se estivesse vivo.
Também é possível notar os mesmos cuidados na HUD, em que os menus e as informações úteis do jogo são apresentados como um livro, remetendo à ideia de um grimório carregado por você, para compor toda a história. Os balões para falas foram customizados para acompanharem a aparência de quem está falando e auxiliarem no entendimento dos acontecimentos; já que as animações não são muitas, os desenvolvedores optaram pelo recurso de visual novel, com ilustrações estáticas acompanhadas de voz ao fundo e dezenas de linhas de texto.
Desenvolvendo suas próprias mecânicas
A Airship Syndicate conseguiu levar ao gênero, já visto e consagrado em sua fórmula mais comum, pequenos elementos e detalhes que contribuíram imensamente para quebrar a experiência já conhecida, porém ao mesmo tempo nem tudo conseguiu acompanhar essa tentativa de evolução e inovação. Nas Zonas, durante a exploração dos cenários procedurais, você pode usar as características dos personagens para auxiliar na aventura; Gully soca o chão para atordoar os inimigos para você já começar a luta em vantagem e Calibretto consegue curar sua equipe. Enquanto essas duas ganham destaque, as habilidades de exploração, esquiva e magia dos outros personagens não ganham espaço na preferência durante o gameplay.
Se esse degrau existe fora dos combates, durante uma batalha contra os inimigos encontrados em cada mapa acaba sendo notório a preferência pelos personagens disponíveis já no início da aventura, a ponto do sistema meio que obrigar o uso da Mokina Escarlate e Alumon. Se não fosse por isso com certeza ficaríamos desde o início com Garrison, Gully e Calibretto.
Não se deixe enganar pelas aparências, pois a pequena guerreira e suas manoplas poderão servir muito bem como tanque, enquanto o Golem metálico pode eliminar mais de um inimigo, e o espadachim fica responsável por adversários mais fortes. Dificilmente você tentará mudar essa estratégia, a não ser que algum inimigo seja mais fácil de ser derrotado por alguma habilidade dos outros três personagens.
A mecânica de Sobrecargas, em que você ganha uma quantidade de “energia” a mais para executar suas habilidades especiais sem que elas sejam subtraídas da sua quantidade padrão, também é interessante. Esse extra que o jogo possibilita cria um senso estratégico ainda maior, e acaba sendo descartado quando você tem personagens que aumentam os seus status mais facilmente com o uso dessa sobrecarga que você ganha atacando o inimigo, quando os valores baixíssimos acabam inibindo uma luta mais elaborada.
Imagine que dentro de uma dungeon você terá diversos inimigos, com pelo menos cinco monstros por tela gerada aleatoriamente, para você enfrentar em combates de pelo menos cinco minutos. Com 20 horas de jogo não existe paciência que fará a minha luta ser mais estratégica; o que eu queria, mais para o final, era apertar qualquer botão para ver o inimigo morrer e pular todas as sequências animadas e programadas para TODOS os combates.
Ao fim de toda a minha jornada, infelizmente o que me obrigou o grind obrigatório e os detalhes que poderiam proporcionar batalhas ainda mais interessantes, acabam sendo empecilhos para eu me divertir com as outras mecânicas e atrativos que Battle Chasers proporciona.
Talvez pela história girar em torno de apenas um vilão e sem muitas surpresas durante a narrativa, os combates passem de serem desafios para se transformarem em fardos. Diversas vezes preferia pescar ou caçar, além das missões paralelas, a ter que entrar novamente em uma dungeon já vencida para tentar uma dificuldade mais elevada e receber um loot ainda melhor.
No fim esse sistema de cenários e recompensas aleatórias acabam sendo apenas um detalhe esquecível em meio a tantos outros elementos agradáveis, principalmente com a história que agrada como se fosse um gibi independente da Image Comics.
Embarque nessa leitur… Jogo
O fator nostalgia, a característica de ser um novo RPG lançado em um ano repleto de excelentes títulos, além da qualidade gráfica que Battle Chasers: Nightwar possui, com certeza vai ganhar espaço entre os fãs do gênero. A trilha sonora suave e agradável ajuda, nos levando para dentro desse gibi animado e interativo, você sentirá vontade em seguir descobrindo mais sobre a Mana e o verdadeiro vilão desse jogo, inclusive criando ponta para uma possível sequência.
Se Joe Madureira levou três anos para lançar nove edições dos gibis e 16 anos para um jogo, talvez novas aventuras por esse universo não devam não chegar tão rápido. Até lá, com certeza você terá tempo de explorar e realizar tudo o que esse lançamento da THQ Nordic oferece.