Quase todos os elementos de Batora: Lost Haven roubam completamente a atenção do público logo de cara. A inspiração literária para a sua história, sistema de escolhas morais, gameplay isométrico, ampliação de habilidades como todo bom RPG e ainda por cima artes que são belíssimas para os personagens e ambientes.
No entanto, a experiência no mínimo pode ser considerada divisória. Qualquer um que colocar a mão nele perceberá que, até onde existem os acertos, os erros também se fazem presentes. E não por falta de paixão e dedicação ao projeto, como vimos em muitas desenvolvedoras, mas justamente pela ideia não funcionar tão bem quanto deveria – principalmente no Nintendo Switch.
Realmente tentei apreciar o que a Stormind Games desenvolveu, até por saber que nem sempre uma adaptação sai como as empresas desejam. Porém, o jogo que trouxeram não acaba sendo nem agradável e nem uma tragédia completa. Está apenas ali no meio, boiando entre ambos e não chegando a lugar algum.
O universo de Batora
A história começa no fim da humanidade como a conhecemos, com a personagem Avril tentando sobreviver ao “apocalipse”. No entanto, Sol e Lua – duas entidades divinas aqui – a resgatam para dar uma chance de virar esse jogo e salvar a todos dentro de Batora: Lost Haven. Para isso, ela terá de chegar até o núcleo de vários mundos distintos e absorver energia deles.
Sua jornada neste quesito será bem linear, mostrando a heroína explorando vários locais distintos e conhecendo as espécies que ali habitam. No meio, decisões terão de ser tomadas para te direcionar onde a trama precisa ir. Você prefere sacrificar o chefe de uma tribo ou salvar uma sociedade inteira de monstros? Ajudar um jovem rebelde a explodir uma cidade cheia de inocentes ou impedi-lo em prol de um tirano?
São coisas simples, mas que vão te dar mais pontos como alguém que está pendendo para o lado da conciliação ou para a dominação, o que gera sequências distintas de diálogos durante a sua exploração. Isto também afetará os emblemas que poderá usar durante a jornada e garantir poderes distintos dentro dela.
O grande problema disso é que nenhum fator aqui é convincente. Nem mesmo um pouco. Quando surgiu o plot twist de Batora: Lost Haven, confesso que não senti uma gota de arrependimento das coisas que fiz – quais geraram uma tragédia, mas não vou entregar spoilers para vocês. Diferente de Life is Strange ou dos títulos da Telltale – quais já são criticados pelo peso das decisões – aqui não atingiu em nada o objetivo.
Parte do problema é pelo jogo ser minúsculo, podendo ser encerrado de 5h30 a 6h30. A outra é pela completa falta de carisma dos personagens secundários que são apresentados. Figuras completamente egoístas ou docilmente benevolentes não causam o menor impacto possível. Na correria que segue, você soltará no máximo um “poxa, que pena hein?” e partirá para a próxima.
Me vem em mente um caso, onde um líder de um vilarejo é apresentado e colocado em risco em menos de 15 minutos. Me botam a opção entre salvar ele e um outro, que me salvou há momentos atrás e me soa como uma “dívida de vida”. Oras, se um deles me resgatou, como vou deixá-lo para a morte? Decidi justamente nesta intenção e aí depois vem o game com a maior lição de moral do universo, explicando as razões de você ter feito uma escolha errada. Me poupem, por favor. Uma coisa é você fazer o jogador compreender o caminho que escolheu, outra é apontar um dedo para o que foi decidido.
Complicações na Força
Aí partimos para o gameplay de Batora: Lost Haven, que também deixa a desejar em vários momentos. Câmera, movimentação sem fluidez alguma da personagem principal e inimigos que variam entre o 8 e o 80 são o que encontrará em sua frente. Sendo muito sincero, eu já vi muita coisa pior, mas não dá para defender quando qualquer um destes elementos se tornam uma razão de reclamar do que está jogando e tiram a sua vontade.
E entre os grandes desafios, dois deles me soaram muito decisivos para não me dar bem com o que apresentaram neste game. Um deles era a lentidão. Tudo para carregar e transitar entre cenas demora uma eternidade no Nintendo Switch. Sei que o console híbrido não aguenta muitos trancos, mas estamos falando de um título indie aqui.
Outra é a interface do menu inicial. Caros leitores, que ódio que isso me deu. Quando você inicia qualquer jogo atualmente, passam os logos da desenvolvedora, produtora, instruções gerais e entramos na tela principal. Não satisfeitos em demorarem uns 5 minutos para chegar até ali, eles me colocam como padrão o primeiro botão selecionado de “Novo Jogo”. Não é o de “Continuar” ou “Carregar Jogo” como todos os outros. É de iniciar a aventura do zero. Uma atualização resolveria, mas cadê que isso surgiu?
Isso resultou em algumas tragédias e preferi fechar o aplicativo para jogar outra coisa do que passar por aquela demora novamente. Erro meu, com toda a certeza. Porém, quem deixa o menu assim em pleno Século XXI? Batora: Lost Haven tem uma intenção boa no geral, mas te perde em vários dos detalhes – como estes que citei acima.
A balança é desequilibrada
Posso estar parecendo injusto com o título, mas ele realmente apresenta desafios que não deviam fazer parte da experiência de um RPG destes. No entanto, ele ainda tem pontos positivos e eu gostaria de falar um pouco deles, já que fizeram alguns dos tropeços valerem a pena.
Um é relacionado aos puzzles, que me lembraram até o que vemos em The Legend of Zelda: Breath of the Wild. Você ter de usar a dualidade de suas habilidades para atravessar cenários inteiros é um acerto e algumas vezes me travou – mostrando que precisava ir além do que estava pensando e vendo para chegar em meus objetivos.
A gravação de voz e animações de cutscenes de Batora: Lost Haven também chamam a atenção em seu próprio estilo, dando um charme a mais para a história. Mesmo ela não sendo um roteiro excepcional ou carregando diálogos marcantes, se deixa brilhar nestes determinados momentos em particular.
Batalhas contra os chefões também são um show à parte, com alguns deles realmente te rendendo combates que vão te segurar no sofá. Do início ao fim, isto foi um dos pontos que mais gostei em minha experiência e o fato de alguns deles terem até um sistema próprio para serem derrubados me rendeu um esforço que não esperava.
O fim vem veloz como uma navalha
Eu acredito fielmente que se tivessem investido mais nos personagens, suas motivações e mergulhassem Avril nas escolhas que fazia, teria garantido um impacto maior naquilo que propuseram ao público. Não que estendessem o tempo para 20h, 30h ou mais apenas por isso, mas trazer uma imersão maior seria mais favorável ao cenário deles.
Se a história funciona – apesar de não causar nenhuma comoção – e o gameplay também não é algo tão redondo assim, infelizmente não indicaria para que você pule de cabeça e faça de Batora: Lost Haven o jogo que investirá seu dinheiro tão cedo assim. Não é apenas com atualizações que salvarão isso, mas podem melhorar um pouco mais o que será o entretenimento de todos.
Há opções mais agradáveis no mercado de RPG isométrico, como a própria franquia Diablo, o roguelike Hades e até mesmo Torchlight. A equipe da Stormind Games se esforçou e conquistaram a curiosidade, porém ainda falta mais empenho – e investimentos da produtora Team17 – para demonstrarem que podem ampliar a sua visão para além dos excelentes títulos de terror.