Depois de Watch Dogs ter retornado para um ótimo segundo jogo, a Ubisoft realmente precisava colocar sua principal franquia na geladeira para conseguir surpreender os fãs com Assassin’s Creed Origins. Para a surpresa de muitos, eles realmente conseguiram! Todas as “viúvas” de Ezio, do inusitado Black Flag e até mesmo do morno Syndicate, esperavam por um jogo que deixasse de lado a ambição descabida e escalada desenfreada, que insistia em apenas apresentar um jogo maior e, consequentemente, mais perdido. Todos nós, que de alguma forma acompanharam a jornada histórica da Irmandade dos Assassinos, realmente desejavam o resgate daquele sentimento que tivemos em 2009. Foram necessários dois anos e o retorno ao Egito Antigo para que 2017 ficasse marcado não somente pelos ótimos jogos, mas também pela volta triunfal de Assassin’s Creed.
Assassin’s Creed, lá e de volta outra vez
Pode ficar tranquilo que não vou voltar a falar sobre Tolkien, mas acho importante deixar bem claro qual é a principal proposta de Origins em retornar ao que era bom e conquistou uma legião de gamers. Não se engane que a Ubisoft, assim como produtoras cinematográficas, correu para o que poderia ser o “porto seguro” ao contar a história sobre o início de tudo. Essa é mais do que uma história sobre como tudo começou; a maior preocupação nesse décimo jogo da franquia está em resgatar um personagem carismático, em uma jornada que fizesse com que nós nos importássemos com ela e, acima de tudo, pudesse nos surpreender com elementos narrativos para sustentar as quase 30 horas de jogo.
O responsável por tudo isso é Bayek, um Medjai (nome aqueles que fizeram parte dos Antigos Militares Egípcios). Por meio de conspirações e traições, nós acompanhamos a sede de vingança desse guerreiro, que nem deve ser mencionada aqui para não estragar o impacto do começo da história. Diferente de todos os outros títulos da franquia, Assassin’s Creed Origins é muito mais sangrento e nos faz comprar essa briga em busca do que inicialmente é apenas uma corrida para encontrar o responsável pelo sofrimento do protagonista.
Na companhia de Senu, sua águia, você também conhecerá Aya, sua esposa, Apollodorus e outros personagens que marcam sua luta e crescimento, de Siuá, passando pelo Delta do Nilo, as pirâmides de Gizé, Mênfis e Alexandria, para conhecer Cleópatra e Julio César. Todos os nomes são responsáveis também por não deixar o ritmo da história cair e mantê-la em uma crescente vertiginosa, como se entrássemos num turbilhão de acontecimentos sem fim. Você vê a construção do background de Bayek, parte em busca dos nomes em sua lista, combate traidores, e o nem tão inesperado final acaba surpreendendo na forma como é construído e como aos poucos introduz a origem da ordem dos assassinos.
Maxime Durand, o pesquisador histórico e produtor responsável pela franquia desde o terceiro jogo, focou seus esforços em nos levar para um importante período da história mundial e que também favorecesse com ligações para os outros jogos. A escolha não poderia ter sido mais certa ao apostar na ocupação do Egito pela Grécia e Roma, mostrando conflitos étnicos em meio à guerra civil e conspirações pelo antigo trono.
Todos esses elementos, durante o reinado do Faraó Ptolomeu XIII, combinaram perfeitamente para explicar detalhes do lore criado pela Ubisoft ao redor dos misteriosos assassinos, conectando diretamente com a história de Altaïr Ibn-La’Ahad, quase dois séculos após Bayek e Aya, e explicando muito do passado daquilo que já conhecemos.
Sem usar o termo assassinos, irmandade, ordem ou até mesmo templários, já que nesse período nem sonhavam com esse grupo “religioso”, você apenas conhece a Ordem dos Anciãos. Antes mesmo da busca pelas Peças do Éden, o foco de Bayek e Aya, além de outros que acompanham o seu ideal, está em lutar contra tiranos e déspotas. O mais surpreendente é perceber o cuidado e a preocupação em mostrar essa mistura étnica, como nasceu e se espalhou o credo dos assassinos, sem esquecer de ilustrar (nos últimos minutos do jogo) o real significado do famoso símbolo da série. Tudo muito amarrado e explicado para fazer com que Assassin’s Creed Origins se torne o meu jogo predileto de toda a franquia.
Aprendendo com os próprios erros
A Ubisoft, durante esses 18 anos de franquia, acabou ficando para trás em inovações dentro da sua própria série. Enquanto o mercado evoluía e apresentava novas mecânicas à partir das novidades apresentadas em 2009 no primeiro Assassin’s Creed, a empresa francesa apostava apenas em expandir seu escopo de jogo e não em inovar. Desde Ezio Alditore não víamos um jogo completo, alternando entre erros na história ou no gameplay, para que finalmente os produtores resolvessem olhar para os demais jogos de sucesso e até mesmo para seus outros trabalhos, como The Division e Watch Dogs. Como se não bastassem as referências dentro da sua própria casa, Assassin’s Creed Origins apresenta uma grande colcha de retalho do que vimos de melhor nos jogos dos últimos cinco anos.
O combate ganhou influências da série Dark Souls, com mais peso, mobilidade mais realista e a preocupação em utilizar o escudo e a esquiva. Esqueça o combo para aparar um golpe e contra-atacar, muito menos a loucura de sair correndo e matando qualquer um que estiver pela frente. A furtividade e discrição de Bayek são elementos importantes para montar sua estratégia antes de entrar em qualquer combate gratuito, pois agora você conta com level para personagens e armas. Isso mesmo! O jogo, pela primeira vez, apresenta uma característica que aos poucos vem migrando do RPG japonês para o estilo ocidental, transformando o que antes eram apenas simples jogos de aventura.
Você terá aumento de level para o seu personagem, limitando o seu ataque aos inimigos com níveis maiores ou impossibilitando o assassinato daqueles que estiverem demarcados em vermelho. Com pares de armas para ataque à distância e corpo-a-corpo, elas são responsáveis por alterar as movimentações de Bayek e o desenrolar dos combates, inclusive modificando até mesmo a novidade dos golpes especiais, conhecidos como avassaladores.
Já que estamos falando em golpes especiais, a árvore de habilidades agora possui uma importância maior, pois algumas missões dependem ou ficam mais fáceis por conta de melhorias para o seu personagem. Essa inovação para a série não deixa o jogo chato ou diminui o ritmo por conta da necessidade de grind, pois a sua jornada faz com que caminhe por diversas missões secundárias e rápidas, facilitando o upgrade e justificando as diversas opções de conteúdo extra em paralelo à história principal.
Acredito que essa seja a principal contribuição de The Witcher 3 para o jogo, por conta do level up e as diversas opções de missões, não reservando apenas ao combate as opções de conquistar experiência. O sucesso da CDProjekt Red também contribuiu para gratas novidades, com o posicionamento de câmera durante o combate e até mesmo a movimentação do personagem, deixando de lado a leveza (que muitas vezes atrapalhava nos jogos anteriores) para ter mais peso e certa limitação ao se mover pelos diversos ambientes.
Como se as referências não fossem o suficiente, os trabalhos mais recentes da Ubisoft também estão presentes no crafting e level dos itens. Usando o sistema que ficou famoso em Destiny e explorado em The Division por conta do sistema aleatório de loot, as suas armas possuem indicações por cores e otimização nos status do seu personagem ao utilizar todos os equipamentos raros ou lendários. Tudo para contribuir ainda mais pro fator replay e explicar a extensa jornada pelo Egito, enfrentando quase dez inimigos poderosos. Isso sem contar com a exploração das tumbas que os novos jogos da série Tomb Raider trouxeram para esse universo. O que ficou gratuito e perdido nessa reunião de elementos de sucesso foram as “Ubi Towers”, em que você precisa escalar, sincronizar e saltar. Porém em Assassin’s Creed Origins essa mecânica não contribui em nada a não ser por disponibilizar um ponto de viagem rápida. Vamos deixar esse elemento antiquado de lado, né? Já deu, Ubisoft!
Um novo antigo assassino
Por quê antigo? Simplesmente por manter apenas os elementos que todo mundo gosta. Isso inclui muito menos tempo gasto nos tempos modernos e fora do Animus, uma das melhores escolhas para não interromper a fluidez do jogo e não contribuir com a maluquice que a Abstergo chegou. Por outro lado, até mesmo as batalhas navais estão presente, claro que levado para dentro da realidade de naus feitas de bambu e palha, sem pólvora e com flechas ao fogo.
O novo fica por conta das mecânicas. Por exemplo: ao jogarmos com a águia Senu, basicamente uma forma real do Eagle Vision dos outros assassinos, você poderá avistar áreas para depois explorar. Você também pode cavalgar camelos e cavalos, além de brandir sua Khopesh, a espada egípcia, ou até mesmo grega o romana, justificando uma mescla de Bayek com Geralt.
O que me surpreendeu imensamente foi ver que as escaladas complexas foram substituídas por ambientes propícios para escaladas mais curtas e breves. Afinal tudo era feito em pedra e, em sua maioria, irregular; por mais que você possa escalar as famosas pirâmides do Egito, você percorrerá muito ambientes extensos com sua montaria para deixar o parkour apenas para os locais mais fechados para criar sua própria estratégia em como atingir seu objetivo principal.
No fim de tudo, quando você olhar para trás, o caminho percorrido deixará um sentimento bom. Foi muito gratificante e surpreendente que, em um ano com excelente jogos como Horizon Zero Dawn e The Legend of Zelda: Breath of the Wild (que ainda ocupam o topo da minha lista), o trabalho da Ubisoft finalmente rendeu um game incrível. Assassin’s Creed Origins é obrigatório para quem sobreviveu aos tempos cinzentos da série, além de ser uma boa porta de entrada para quem deseja conhecer a franquia.