Toda vez que um remake chega no mercado, duas perguntas antagônicas devem ser respondidas: o quão fiel ele é em relação à obra original e quais são as novidades que ele coloca na mesa. Atingir esse equilíbrio entre os fãs da antiga e os fãs da nova geração nem sempre é fácil.
Peguemos, por exemplo, System Shock. O remake é praticamente um novo jogo que referencia o espírito do original, tão distante eles estão um do outro no tempo e na tecnologia. Por sua vez, Age of Mythology Retold tem a inglória tarefa de ser comparado com Age of Mythology: Extended Edition, lançado apenas dez anos atrás e perfeitamente aceitável para os padrões de hoje. O resultado é um jogo graficamente superior em alguns pontos, totalmente idêntico em outros e, lamento dizer, inferior em outros.
Os deuses devem estar loucos
Era uma vez um dos melhores estúdios já criados durante os anos 90, batizada de Ensemble. Sua especialidade eram os jogos de estratégia e eles foram os responsáveis por uma franquia milionária no gênero: Age of Empires. Em 2001, a Ensemble foi comprada pela Microsoft, no ano seguinte já estava lançando o primeiro e único derivado: Age of Mythology.
O terreno já estava pavimentado: todas as mecânicas consagradas na série principal foram repetidas no mesmo motor gráfico no novo jogo. Para todos os fins, se alguém sabia jogar Age of Empires, era uma questão de minutos para se adaptar para o novo universo criado pela Ensemble. O grande diferencial de Age of Mythology era se afastar dos livros de História e da busca por uma fidelidade quase didática das unidades e adotar os livros de mitologia como referência, deixando a imaginação voar alto com unidades fantásticas, como Centauros, Hidras, Múmias, Trolls e outros seres que antes eram exclusivos dos RPGs.
Entretanto, Age of Mythology foi um pouco mais além e adicionou também uma nova camada estratégica, baseada nos favores dos deuses que sua civilização seguia, com várias combinações possíveis (desde que o mesmo panteão fosse respeitado). Essa variedade se refletia tanto nas unidades disponíveis como também nos poderes literalmente divinos que podiam ser evocados no campo de batalha, assim como nas “tecnologias” liberadas para cada povo. O jogador possuía um leque muito mais amplo para se preocupar, em batalhas que costumavam ser muito mais rápidas e intensas do que aquelas protagonizadas em Age of Empires.
Age of Mythology foi um fenômeno de vendas. Ele trocava a sisudez e o balanceamento rigoroso de Age of Empires por confrontos épicos, ainda que nem sempre equilibrados. Isso justifica que o jogo tenha renascido em 2014, com um novo motor gráfico, diversas melhorias para computadores mais modernos e até mesmo uma nova expansão, trazendo os deuses do panteão chinês. O que nos leva ao questionamento: por que um segundo remake, apenas dez anos depois?
Age of Mythology Retold é bonito, mas ordinário
Se você já tem a versão de 2014 e está feliz com ela, não há uma justificativa muito boa para morrer em uma grana novamente. É claro que Retold traz um motor gráfico melhorado, incluindo suporte a 4K, mas a Valve faz isso a cada dez anos com Half-Life, sem cobrar nada a mais por isso. A Ensemble Studios está morta e enterrada, então a Microsoft acionou a World’s Edge e a Forgotten Empires para adaptarem Age of Mythology para o mesmo motor de Age of Empires III: Definitive Edition, de 2020. O intervalo tecnológico acaba sendo muito curto para uma releitura do mesmo jogo, principalmente em uma época em que os gráficos não dão mais saltos colossais como no passado.
Não que a diferença visual seja imperceptível e não que Age of Mythology Retold seja feio. Oficialmente, inclusive, todos os modelos e animações de unidades foram refeitos do zero, assim como a trilha sonora. Entretanto, a impressão que fica é que o remake não apenas já chega datado, como também não se justifica seu lançamento tão próximo do remake anterior. Para complicar ainda mais, fica-se a sensação de que a iluminação passou por um retrocesso. E onde foi parar o ciclo de noite e dia que existia em 2014?
A IA das unidades também andou para trás, não apenas em relação ao que existia em 2014, mas em relação ao que existia no primeiro Age of Empires, de 1997. Não é incomum encontrar aldeões ou soldados completamente perdidos no mapa, fitando o vazio, mesmo depois que seus grupamentos já receberam comandos. O sistema de encontrar caminhos por obstáculos também não é dos melhores.
O jogo ainda apresenta problemas na tradução. Alguns elementos da tela estão em português, porém outros continuam em inglês. É uma falha que pode ser facilmente corrigida com atualizações, mas passa uma imagem de desleixo, de falta de polimento. A dublagem em português na Campanha está abaixo do que se espera de uma produção do Xbox Game Studios e deixa as cutscenes um festival de breguice. Segundo reclamações de alguns usuários de outros países, a dublagem parece ser consistentemente ruim lá fora também.
Age of Mythology Retold ainda é assolado por bugs estranhos de todos os tipos. O que mais me espantou foi a tendência de assentamentos conquistados gerarem aldeões ininterruptamente, consumindo todo o seu estoque de comida no processo e atingindo o limite populacional. Nesses casos, a única forma de parar o processo é destruindo o assentamento.
Para quem se destina?
Para quem nunca teve um contato com o jogo ou jogou lá no início do milênio e sente saudades, o remake pode ser uma boa pedida. Afinal, bugs podem ser removidos, erros de tradução podem ser corrigidos e existem mods que podem restaurar as vozes originais.
Além disso, há um pouco de tudo no jogo, para todos os gostos. Cada civilização tem uma jogabilidade diferente, cada escolha de panteão e divindade impacta em algum aspecto marcante no jogo. É possível experimentar a extensa campanha, que usa suas mecânicas para contar uma história com começo, meio e fim. É possível travar batalhas isoladas e casuais contra a IA em diferentes e customizáveis cenários. É possível também disputar confrontos contra outros jogadores online.
Age of Mythology Retold até traz suporte nativo para mods. Para os obcecados por gráficos e estatísticas, cada partida é ricamente detalhada após sua conclusão e existe até um recurso de replay que permite assistir tudo que foi feito, com diferentes ângulos. É uma lista de possibilidades que chega perto de ser exaustiva.
Ainda assim, mesmo para esses jogadores, é importante destacar que esse remake não é a versão final do jogo. Ficou de fora a expansão Tale of the Dragon, lançada em 2016. Nesse caso, deve-se comprar a versão Premium agora, que traz a promessa de duas expansões, incluindo aquela que traz o panteão oriental. Seria muito mais atrativo lançar um pacotão definitivo, mas é assim que a indústria funciona nesse momento.
Para quem ainda tem fresca na memória ou no HD o Age of Mythology de 2014, há muito pouca justificativa para investir nesse remake. Guarde suas preces para divindades mais nobres.
Prós:
🔺 Gráficos ligeiramente melhorados
🔺 Lotado de opções para fãs do gênero
Contras:
🔻 Bugs
🔻 Dublagem de baixa qualidade
🔻 Erros de tradução
Ficha Técnica:
Lançamento: 27/08/2024
Desenvolvedora: World’s Edge e Forgotten Empires
Distribuidora: Xbox Game Studios
Plataformas: PC e Xbox Series
Testado no: PC