O ser humano é um bicho preconceituoso mesmo! Digo isso pois quando recebi as primeiras informações sobre 20XX, na mesma hora pensei “lá vem mais um wanna be de Mega Man!”. O melhor disso tudo é quando o mercado indie de fato nos surpreende com títulos que merecem ganhar o devido destaque – tal como o próprio 20XX, jogo desenvolvido pela Batterystaple Games e que finalmente chegou aos consoles em julho depois de um longo período na Steam. O título tem a proposta inicial de criar um jogo que se pareça com Mega Man X, mas dentro do gênero roguelike e mantendo suas características de um plataforma de ação, além de permitir jogar em modo co-op.
Surreal pensar numa evolução assim para o mascote da Capcom, não é mesmo? O melhor de tudo é que essa é a continuação que todo fã da franquia Mega Man deveria receber depois de tantos anos sem algo realmente bom. Prepare-se para pular, atirar em cenários desafiadores e enfrentar chefões criativos, tudo para talvez salvar a raça humana!
Puro aço
Chris King, criador e fundador da desenvolvedora responsável por 20XX, imaginou como seria pegar o seu jogo favorito e reimaginar em uma versão moderna depois de tantas influências das últimas gerações. Adicione à essa conta um título que trabalha muito bem com conteúdo procedural e com um modo história não muito convencional, em que você é um andróide sendo testado pelos seus criadores em partidas com permadeath.
Isso mesmo, você começa a história enfrentando os chefões em vários cenários criados aleatoriamente e precisará retornar ao início após morrer (com apenas uma vida no modo normal ou duas no modo fácil, sem contar o modo difícil que faz você retornar do zero sem nenhuma possibilidade de fazer melhorias).
Tudo nesse jogo é randômico, como os cenários e os inimigos (misturando até mesmo alguns inimigos característicos de fases do gelo em estágios na selva ou céu), o que faz com que o fator de replay seja altíssimo. Além disso, há mais de 100 melhorias, incluindo os ataques que você obtém ao vencer os chefões. Infelizmente não consegui ir até o fim, mesmo com a ajuda de um amigo (local ou online).
No controle de Nina, um robô com blaster, e Ace, um robô com uma espada laser, você contará com um para cada função básica: tiro, pulo e dash. Já a cada fim de cenário você adquire um novo ataque especial, que pode ser equipado em outros três botões, delimitando suas opções sempre dessa maneira durante todo o progresso.
Os cenários são muito bem construídos, com breves desvios verticais no caminho principal para que você colete melhorias para o seus status: velocidade, ataque, defesa, energia ou até mesmo ataques especiais, além de poder aumentar a probabilidade dos inimigos soltarem itens que recuperam seus status ou dinheiro.
É perceptível que o level design foi criado para desafiar suas habilidades, apresentando o peso ideal para os movimentos dos personagens e desafios interessantes que obrigarão você a pensar antes de sair correndo, atirando ou pulando por cima para ver o que pode acontecer. Lembre-se, não há ‘continues’ ou ‘passwords’ para continuar de onde parou. Por mais cautela e estratégia que eu tenha seguido, não consegui passar do sexto chefão de um total de 10.
A ferro e fogo
Na tentativa de quebrar o estilo arcade que acompanha a fórmula roguelike, os desenvolvedores criaram uma maneira de recompensar o seu esforço. O dinheiro é dividido em três tipos: moedas, parafusos e soul chips. Moedas servem para os caça-níqueis que aparecem randomicamente pelos cenários e soltam melhorias; parafusos (ou pedaços de metal) servem para você comprar energia (tanto para sua vida quanto para o seu ataque primário ou secundário) durante cada partida; por fim, os souls chips podem ser usados após cada derrota e gastos na hub principal do jogo, antes de iniciar qualquer partida.
Ainda falando sobre as mecânicas não necessariamente ligadas ao gameplay, são as maneiras criadas para você continuar jogando mesmo depois de tantas tentativas.
Além da seleção entre dois personagens, que altera consideravelmente a experiência de jogo, há desafios diários e semanais para conquistar sempre o melhor placar ao vencer cada desafio imposto pelos desenvolvedores. Isso sem contar que cada fase possui um estágio bônus que libera uma melhoria e pode ser enfrentado apenas uma única vez ao melhor estilo ‘time attack’, sem poder ser refeito no caso de falha. Ou seja, além do padrão que acompanha a história do jogo, você poderá passar horas e horas sendo desafiado – muita ênfase na dificuldade imposta em cada um desses desafios -, mas que no final das contas funcionarão muito bem como treino para que consiga ir cada vez mais longe.
Engraçado notar que 20XX é competente exatamente onde outros jogos ‘procedurais’ e rogue-lite não conseguiram. Por exemplo, Swords of Ditto se propõe em atualizar todos os cenários e inimigos a cada derrota que você sofre, enquanto em 20XX Nina e Ace conseguem manter os soul chips encontrados em cada partida para obterem melhorias do personagem para o início de uma próxima partida, já contando que o jogador monte sua estratégia e saiba quem enfrentar ou como enfrentar os próximos cenários e chefões.
O mesmo acontece com a história, que não se guia pela proposta inicial: cada partida é como um teste de laboratório dos robôs envolvidos. Esse setup básico proposto faz com que você fique dentro dessa bolha sem que se torne repetitivo ou desgastante, potencializando toda a proposta de desafios e trabalhando no jogador o empenho superar cada vez mais seu desempenho.
O que colabora imensamente para manter o seu interesse no jogo é seu visual. Os personagens remetem a Mega Man X (leia-se: ao ponto de caber um processinho da Capcom), mas o que também agrada muito é o design dos inimigos, a maneira como atacam e se comportam, além dos chefes extremamente criativos e que não se apoiam (como fizeram com os personagens principais) nos chefões criados pela Capcom.
Sem se limitarem às referências e inspirações, a Batterystaple Games fez um ótimo trabalho visual, como se ainda estivéssemos na década de 90 e com um SNES nas mãos, além de não apostar em uma trilha sonora genérica, por mais que o sistema seja randômico para criar as fases. Todas as músicas acompanham seus chefões, ou seja, elas estão basicamente definidas desde o início de cada partida.
Ele não é o Mega Man!
Brincadeiras à parte com a letra da música do saudoso desenho do Mega Man em cada tópico desse review, 20XX é um jogo que possui fortes influências da franquia criada pela Capcom, mas que ao mesmo tempo consegue ser autêntico em sua proposta, entregando o que nem mesmo Keiji Inafune conseguiu em Mighty No. 9 e fazendo com que Chris King tenha seu merecido espaço no cenário indie e no coração dos fãs desse estilo de jogo.
Mais do que isso, é um indie perfeitamente adequado ao Nintendo Switch e sua proposta de portabilidade, inclusive por proporcionar o co-op local e adaptar bem os controles simples aos Joy-Cons, que muitas vezes são complicados de manusear pelo seu tamanho enxuto. Para mim, 20XX já está como um dos melhores indies dos últimos tempos, superando outros lançamentos e simplesmente por lembrar a frase do mestre Miyamoto: “acima de tudo, jogos devem ser feitos com uma função em mente: serem divertidos para todo mundo.”