Lançado em 2018, Two Point Hospital foi um sucesso inquestionável. Combinando um humor absurdo e o gerenciamento típico de jogos Tycoon, o sucessor espiritual do clássico Theme Hospital tem uma legião de fãs e uma comunidade altamente engajada. Naturalmente, após cativar os amantes do gênero, é de se esperar que os próximos jogos produzidos pela Two Point Studios causariam um certo grau de ansiedade e expectativa. Em Two Point Campus, o estúdio inglês decidiu sair do caos da vida hospitalar para explorar um outro tipo de caos que é, para muitos, ainda pior: a vida universitária.
Durante 15 minutos, a Two Point Studios disponibilizou Jo Koehler, produtora sênior, e Ben Huskins, diretor de arte, para um breve bate-papo, onde ambos explicaram alguns dos conceitos chaves que os inspiraram. Em resumo, pacientes e médicos dão lugar a estudantes e professores, configurando uma mudança que, apesar de simples, mexe com toda a estrutura do jogo. Pacientes com doenças absurdas e curas mirabolantes são substituídos por estudantes com personalidades estereotipadas e aulas que desafiam toda a ortodoxia praticada pelo corpo docente.
As bizarras aventuras de um calouro universitário
A mudança de ambientação configura um desafio para os desenvolvedores. Adiantando um pouco o conteúdo da entrevista, Huskins disse que foi necessário pegar os exageros e os trocadilhos de Two Point Hospital e achar uma maneira de transportá-los para o convívio universitário. Logo, o apelo ao absurdo, marca registrada da franquia, foi incorporado aos cursos disponibilizados no campus. Um exemplo disso é o curso de culinária, onde os estudantes aprendem os segredos da cozinha criando pizzas e bolos gigantes.
Em Two Point Hospital, os pacientes chegavam ao seu hospital, recebiam tratamento, eram assassinados curados e iam embora. Agora, em Two Point Campus, os alunos são seus clientes, e é do seu interesse mantê-los dentro da universidade. Essa mudança faz com que traços de personalidade possam ser trabalhados em cada estudante, fazendo com que cada personagem seja, de fato, uma pessoa mais detalhada do que simplesmente alguém cuja diferença para os demais está nos sintomas de uma doença.
Observando o movimento do campus, notam-se estereótipos clássicos de estudantes, como nerds, atletas, góticos e alunos ricos. Cada um desses personagens, além de se diferenciarem pelo visual e pelo comportamento, possuem características que dialogam com o ambiente. Tomando como exemplo os alunos góticos, eles possuem um bônus de higiene e aumentam a barra de felicidade dos outros alunos – não me perguntem o porquê, mas é assim que o jogo enxerga os góticos.
Quanto mais cursos em sua universidade, mais alunos com traços diferentes aparecem. Ver o campus lotado com gente que age, se veste e anda de formas diferentes torna o lugar vivo, como se fosse realidade. Mesmo que a versão disponibilizada para o preview fosse limitada, deu para perceber o potencial deixado para a criatividade dos desenvolvedores brilhar na hora de criar traços únicos, que remetam a algum colega de faculdade icônico ou a algum personagem de série ou filme.
The College Dropout
O estilo caricaturizado da franquia Two Point pode dar a impressão que este é um jogo simples, mas não se engane pelas aparências. Assim como nos hospitais do título anterior, Two Point Campus possui elementos de gerenciamento que podem levar um jogador à falência em instantes.
Em Two Point Hospital, os pacientes vagavam de médico em médico até terem a certeza do diagnóstico. De lá, eles seguiam para o tratamento, onde as chances de cura variavam de acordo com a doença, o diagnóstico e a capacidade do médico responsável pelo procedimento. Quem já jogou sabe qual é a sensação de gastar horas expandindo o hospital para, no final, descobrir que seus pacientes estão morrendo porque o problema não está na estrutura, mas sim na capacidade da equipe médica.
Agora, em Two Point Campus, você não terá que se preocupar com uma possível carnificina patrocinada pelo despreparo gerencial ou humano, mas sim com algo pior: a taxa de aprovação dos alunos. Os estudantes chegam voluntariamente à sua faculdade, pagando uma quantia considerável de dinheiro para aprender algo útil – pelo menos em teoria. Assim sendo, mantê-los na faculdade é essencial, e esse processo passa pelo grau de satisfação dos mesmos.
Obter um bom aproveitamento depende de algo que vai além da capacidade do aluno e do professor. Para ir bem nas provas, os estudantes precisam estar de bom humor, o que os permite assimilar melhor o conteúdo da aula e, no final, obter notas que os permitam continuar trilhando a carreira escolhida. Para isso, de maneira similar a jogos como The Sims, Two Point Campus conta com um sistema de necessidades, onde a satisfação de todos os fatores conta diretamente para o seu sucesso ou fracasso como administrador.
Decoração, eventos especiais, espaços para socialização e meios de entretenimento contam na horar de deixar os estudantes contentes em participar de uma instituição de ensino tão privilegiada a ponto de não quererem sair de lá. Entretanto, tudo tem seu custo, e manter tamanho estabelecimento funcionando é uma decisão que, como os jogadores de jogos de gerenciamento sabem, compreende uma equação de equilíbrio entre expansão e gastos.
Um breve bate-papo com os desenvolvedores
Após jogar Two Point Campus durante algumas horas, tive o prazer de conversar brevemente com os desenvolvedores Jo Koehler e Ben Huskins, responsáveis por dar vida ao jogo. Nos 15 minutos disponibilizados, tentei captar um pouco mais da visão dos criadores sobre os desafios de mudar a ambientação da franquia, a curva de aprendizado do jogo e sobre a localização em português.
Huskins comentou sobre como o ambiente acadêmico é propício para o tipo de humor da franquia, já que existem personagens com traços e comportamentos distintos tanto em filmes quanto na vida real. Segundo ele, os desenvolvedores sentiram que já tinham cobrido todos os aspectos que envolviam a medicina e os hospitais, logo as universidades surgiram como uma grande área a ser explorada.
“Nós sentimos que cobrimos todas as áreas que envolvem o sistema de saúde em Two Point Hospital, então a área da educação nos pareceu uma área promissora a ser explorada. Há muito o que ser feito no que diz respeito à educação.”
Tal exploração, como foi explicada logo no início deste artigo, envolve a estadia dos estudantes por um tempo muito maior do que as dos pacientes de um hospital. Nesse caso, você poderá acompanhar os estudantes durante a sua vida acadêmica, conhecendo-os de maneira mais íntima.
Sobre a acessibilidade, quando perguntada sobre as possíveis dificuldades que alguém sem experiência no gênero de gerenciamento poderia ter em Two Point Campus, Koehler explicou que esse foi um dos pontos principais durante todo o desenvolvimento do título, pontuando que os desenvolvedores gastaram muito tempo melhorando o suporte para mods e tomando todo o cuidado para não deixar o jogo tão difícil a ponto de espantar novos jogadores.
Huskins, por sua vez, mencionou que as mecânicas de Two Point Campus, apesar de serem variadas, serão introduzidas de modo progressivo a fim de acostumar os jogadores. Isso significa que, em nome de deixar a experiência mais didática, nem todos os recursos estarão disponíveis assim que você carregar o jogo, mas serão desbloqueados conforme você progride e entende como utilizá-los de forma correta.
“Um jogador casual, que não está acostumado com o gênero, poderá aprender mecânicas mais complexas em apenas algumas horas.”
Por último, perguntei sobre o trabalho de localização para outros idiomas – sobretudo o português –, já que muito do humor de Two Point Hospital e Two Point Campus está em trocadilhos que, na maioria das vezes, só funcionam na língua inglesa. Mesmo sabendo que essa parte fica a cargo de empresas terceirizadas, eu quis saber se os desenvolvedores pensaram em criar piadas mais genéricas, que não dependam tanto de jogos de palavras, ou se eles deixam essa parte totalmente a cargo da localização.
Koehler fez questão de frisar o bom trabalho do time de localização, que pega piadas e as transforma em algo que faz sentido para outras línguas. Ela destacou o feedback recebido de ambas as partes, dizendo que, às vezes, algumas piadas muito específicas são cortadas do jogo, visto que ficaria muito difícil de transformá-las em algo que faça sentido em todas as línguas disponíveis.
Mudar as piadas e colocá-las em contexto regional é um dos diferenciais da localização da franquia. Qualquer um que tenha jogado Two Point Hospital em inglês e em português notou como a tradução muda completamente o sentido de um trocadilho, mas, ao mesmo tempo, o transforma em algo que faz sentido para nós, brasileiros. A doença conhecida como “Lightheadedness” – que, no jogo, aparece como uma pessoa com uma lâmpada na cabeça – é traduzida para “Clarão na cuca”, já que o trocadilho original não faria sentido algum.
“É incrível o trabalho da equipe de localização de Two Point Hospital. Algumas das piadas muito específicas que fizemos nas doenças foram mudadas para algo que é igualmente engraçado, mas que faz mais sentido na língua deles.”
Com esse último comentário, meu tempo havia se esgotado e me restava continuar jogando a build disponibilizada de Two Point Campus.
Considerações finais
Antes de terminar esse artigo, gostaria de mencionar um fator que me evolui bastante em relação ao último jogo: a interface. Two Point Campus fez avanços significativos nesse quesito, apostando em um visual que agrega valor ao jogo. Aliás, as minhas maiores críticas ao Two Point Hospital são justamente na interface, que, sinceramente, possui um estilo feio e passa a sensação de algo barato. São mudanças pequenas, mas que mudam a percepção geral do jogo.
Por fim, o material mostrado brevemente na preview de Two Point Campus é o suficiente para deixar os fãs animados com o futuro da franquia. Se a mudança de ambiente impõe novos desafios, os desenvolvedores mataram essa tarefa no peito, apostando em novas mecânicas e abraçando as possibilidades. Nesse estágio de desenvolvimento, mais do que uma experiência satisfatória, o importante é enxergar possíveis caminhos para a evolução do material que se tem em mãos, como se fosse um diamante prestes a ser lapidado – e, quanto a isso, posso dizer que a Two Point Studio tem um grande projeto em mãos.