Em nome da transparência, que fique registrado que acompanho o talento de Arthur “Tuba” Zeferino desde os tempos do saudoso Gamesfoda. Testei a primeira demo do que viria a ser Fish Person Shooter nos idos de 2017, na época do injusto fiasco do financiamento coletivo. Sem conseguir arrecadar fundos, sem produtora, praticamente desenvolvendo o jogo sozinho, Tuba conduziu sua obra até um estado que pode ser chamado de apresentável em Acesso Antecipado. Foram anos de espera e não estou decepcionado.
Fish Person Shooter é uma declaração de amor às origens dos FPS que vai muito além de seu trocadilho maroto. Aliás, trocadilhos marotos não faltam ao longo do jogo. O que temos aqui é um Doom regado a brasilidade, que mistura um sambinha, jacas que curam, Marcos Pasquim em “Kubanacan” e um toque de One Piece. É bom explicar também para essa garotada nova que não se trata daquele Doom frenético dos tempos modernos, mas aquele Doom moleque de John Carmack, John Romero e companhia, com o charme dos inimigos bidimensionais. O resultado é o Zé Carioca dos Dooms, uma aventura divertida, colorida, sem abrir mão do desafio.
Na trama (?), peixes humanoides piratas deram um migué na raça humana e escravizaram todo mundo na ilha de San Esteban. A única esperança da população é “The Pescador”, um homem desmemoriado que foi capturado pelos vilões. Ele se liberta do cativeiro e se estabelece aí o fio condutor para uma missão de vingança movida a chumbo grosso. Embora essa versão em Acesso Antecipado conte com uma NPC que orienta nosso herói brevemente, o impacto no enredo é mínimo. Honestamente, roteiro nunca foi o foco em FPS do passado. Carmack aprovaria.
O que falta em história sobra em simpatia e criatividade. A trilha sonora de Fish Person Shooter tem o típico molejo tropical mas ainda guarda suas influências minimalistas de Doom, pontuando muito bem a ação e a tensão dos combates. Os gráficos hipercoloridos completam a atmosfera que remete à galhofa, com frutas capazes de curar, inimigos que fazem parte da fauna marinha, sandálias especiais e algumas outras piadinhas internas.
Agora, a parada ficou séria
Entretanto, a jogabilidade é bastante sólida. O tiroteio nervoso exige constante atenção, uma vez que alguns inimigos podem reduzir a sua vida a zero bem rápido. Como convém aos títulos de outrora, espere por algumas emboscadas aqui e ali e situações em que é extremamente difícil sobreviver sem saber o que está vindo. O balanceamento talvez não agrade a todos, mas qualquer veterano de Doom, Blood ou Duke Nukem 3D vai se sentir em casa.
No estado atual, o jogo não tem salvamento manual permanente. Durante a sessão, é possível criar seus próprios checkpoints, mas isso vai custar preciosas escamas, que funcionam como armadura, reduzindo o dano recebido. Se fechar o jogo, adeus, checkpoint. Entre cada sessão, o jogador é forçado a começar do último nível que desbloqueou. Isso pode ser um problema em níveis mais longos, mas seu desenvolvedor prometeu resolver isso até o lançamento.
O design dos mapas é variado e surpreendente. Em determinado momento, atravessamos um nível de forma quase linear. Em outro momento, somos apresentados a um mapa gigantesco com múltiplas ramificações e segredos. Em outra, exploramos um mapa circular com limites bem claros.
Fish Person Shooter vai te fisgar
Fish Person Shooter traz outra novidade ao cenário dos jogos retrô, que Carmack nem sonhava programar: um gancho de movimentação. Uma das mãos de The Pescador foi substituída por um gancho atado a uma corda. Com esse artefato, é possível puxar inimigos dentro do alcance para um abate mais preciso (embora isso não seja recomendável para outros…), assim como armas e munições à distância. Porém, o grande trunfo dessa mecânica é adicionar verticalidade aos mapas, permitindo que o jogador puxe a si mesmo para outros lugares.
É algo tão alienígena e moderno para um “boomer shooter”, que eu levei um certo tempo para lembrar que existia. Porém, depois que você se acostuma, se torna instintivo e o olhar começa a procurar beiradas e posições supostamente inatingíveis para ir. Além de que puxar os piratas mais fracos e finalizá-los com um tiro de escopeta nunca perde a graça.
Apesar de todas as sus qualidades, Fish Person Shooter faz jus ao programa “Acesso Antecipado”. Há ainda muitas arestas para serem polidas nesse jogo, incluindo sons ausentes e alguns problemas de balanceamento. Ainda assim, o maior obstáculo a ser ultrapassado são bugs de programação, como quando o personagem cai para fora do mapa, o título fecha abruptamente e outras mazelas.
Esbarrei em uma boa cota desses eventos ao longo de minhas sete horas de jogabilidade, o que pode ser bastante frustrante quando se atravessa um certo mapa gigante sem poder salvar entre sessões.
Entre mortos e feridos, a maior tristeza foi mesmo chegar ao final de todo o conteúdo que está disponível. Fish Person Shooter trouxe lembranças boas daqueles FPS originais, acrescentou diversos elementos novos que grudaram como chiclete na fórmula e me fez sentir 20 anos mais jovem. Espero que não se passem outros quatro anos para o jogo ser finalizado.