Há não muito tempo, no meu review de Age of Empires IV, eu mencionei que a franquia da Microsoft marcou grandemente a minha infância. Seguindo a minha história com jogos de estratégia, posso dizer que, mesmo sem conhecer os livros ou o filme, Dune também me influenciou, mesmo que de um modo um pouco diferente, durante meus primeiros anos de vida. Entre os diversos jogos de Mega Drive disponíveis em um emulador – que, aliás, foi um dos primeiros presentes que recebi do meu pai –, Dune II era um dos que mais me chamava a atenção. A imagem de um veículo de extração coletando recursos em um deserto e diversas estruturas de combate e gerenciamento para coordenar toda essa empreitada mexiam com meu imaginário, fazendo que o jogo tivesse, para mim, uma aura mística.
Hoje, quase 20 anos após minha experiência com um jogo ambientado no universo de Dune, o lançamento de Dune: Spice Wars me traz as lembranças de infância à tona. Segundo a Shiro Games, responsável pelo desenvolvimento do jogo, o objetivo é misturar mecânicas de RTS – marca registrada de Dune nos videogames – com elementos de 4x. A estratégia parece, em teoria, misturar gêneros que se complementam, mas será que os elementos visualizados no período de acesso antecipado são animadores?
Iguais, mas diferentes
O gênero RTS é marcado pela intensidade dos combates. Um bom jogador de RTS geralmente realiza um grande número de ações em um período curto de tempo, exigindo muita habilidade e atenção para explorar as brechas do inimigo. Já os jogos 4X, por sua vez, são mais conhecidos pelo nível de planejamento necessário para atingir um objetivo, sendo que grande parte dos títulos são jogos em turno que, por sua vez, permitem que o jogador tome o seu tempo para decidir qual o melhor movimento. Ambos os gêneros são formas de jogos de estratégia, mas possuem abordagens bem diferentes.
Ao tentar unir os dois estilos, Dune: Spice Wars invariavelmente escolhe um deles como foco. Nesse caso, ao contrário dos jogos anteriores da franquia, o gênero 4X tem prioridade sobre o estilo RTS, gerando um jogo que, apesar de envolver um ritmo mais rápido na movimentação e nas batalhas, é muito mais centrado no planejamento. Os momentos que envolvem a ação rápida do jogador são referentes aos ataques e às raids, mas o ritmo lento do jogo e a possibilidade de pausar a ação tornam essa tarefa muito mais fácil.
Dito isso, o jogo, em seu estado atual, não oferece a profundidade de títulos 4X mais consolidados – como Civilization VI e Endless Space 2, por exemplo. As mecânicas básicas são simples de se entender, compondo na dominação de assentamentos pelo mapa e a dominação da região dos mesmos a fim de obter acesso a alguns recursos que podem aumentar a receita econômica das construções locais.
O que diferencia esse título dos demais é o foco na especiaria. Aqui, mais uma vez, os fãs de Dune entendem o quão importante a especiaria é para esse universo. A substância tem inúmeras utilidades para todas as facções do jogo, e a exploração desse recurso é a fonte de grande parte da riqueza do Império. Regiões com especiaria são as mais importantes do jogo, já que elas serão o carro chefe da economia. Uma vez obtendo esse recurso tão valioso, você deverá se preocupar com os tributos ao Império – que, por sua vez, aumentam durante o jogo, exigindo que você pegue mais minas e/ou invista na eficiência das mesmas – e com a venda do excedente. Você vende muito pouco e provavelmente terá problemas econômicos; vende demais e terá problemas para cumprir a cota de imposto exigida pelo Império, acarretando em debuffs.
Quem quer rir…
Em Dune, o deserto é um plano de fundo para uma história que envolve política, religião e ficção científica. Para Dune: Spice Wars, a decisão de incluir elementos do gênero 4x colaboram com a criação de um cenário ideal para a inclusão de mecânicas relativas à política. Nesse caso, se você conhece a série – seja pelos livros ou pelos filmes – deve se recordar da batalha política entre as facções que fazem parte do Império. No jogo, tais facções são representadas e lutam entre si pelo domínio de Arrakis, utilizando manipulações políticas e, é claro, muita intriga.
Quem gosta de jogos 4X deve se lembrar do sistema de comunidade galáctica de Stellaris. Introduzido no DLC Federations, essa mecânica permite com que as facções do jogo criem uma espécie de organismo multilateral galáctico, com cada facção participante podendo votar em resoluções que acarretam em buffs e debuffs gerais. Dune: Spice Wars aposta em uma mecânica similar para fazer alusão à politicagem da série Dune, onde cada facção têm pontos de influência e, de tempos em tempos, são chamados para votar leis importantes – algumas de caráter geral e outras focadas apenas em uma facção.
Infelizmente, o jogo faz um péssimo trabalho em explicar o funcionamento de mecânicas básicas. Você poderá usar pontos de voto e de influência para passar ou vetar leis, mas não é explicado como se ganha esses votos. Algumas facções, por definição, já começam com quantias de voto, sendo que as outras podem apenas utilizar a influência para passar as leis. Conforme o jogo avança, essas facções sem poder de voto acabam adquirindo tal direito.
Fora o esquema político, o jogo de espionagem também interfere grandemente no destino das facções de Dune: Spice Wars. Cada agente pode ser alocado a uma facção ou área diferente, garantindo bônus ou, no caso das facções, permitindo missões especiais. Não irei detalhar todas as missões disponíveis, mas saiba que elas funcionam como uma carta especial que pode ser utilizada uma vez e garante alguma vantagem para você ou desvantagem para o inimigo. É possível, por exemplo, incitar rebeliões nos assentamentos inimigos, gerando uma distração que o permita atacá-los explorando tal vulnerabilidade. As possibilidades são grandes e, para mim, é uma das partes mais divertidas do jogo.
Um produto a ser lapidado
Em seu estágio atual, Dune: Spice Wars oferece uma jogabilidade mesclada de dois gêneros que, apesar de terem muitas similaridades, são jogados de maneiras distintas. Essa mescla, no entanto, funciona dentro do jogo devido ao foco escolhido pelos desenvolvedores. Tendo o gênero 4X como carro chefe, os jogadores podem desfrutar de uma experiência em um ritmo mais relaxado, pensando em cada movimento antes de reagir a algum ataque ou adversidade.
Quem já jogou Offworld Trading Company sabe o quão bem feita é a simulação econômica desse jogo. Dune: Spice Wars, apesar de não conter uma simulação muito complexa, o título poderia se beneficiar de um sistema econômico mais amplo. O próprio estilo do jogo e as mecânicas que envolvem a exploração de recursos são propícios a uma profundidade melhor no que se refere ao sistema econômico. Como Dune: Spice Wars ainda está em acesso antecipado espero que esse foco econômico esteja nos planos dos desenvolvedores.
Sobre os elementos de RTS, provavelmente os fãs dos jogos antigos do universo Dune, ou fãs de RTS mais tradicionais, como Age of Empires e Starcraft, ficarão decepcionados. O ritmo lento dos combates privilegia mais o pensamento estratégico do que os reflexos – e isso continuaria sendo verdade mesmo desconsiderando a possibilidade de pausar a partida. A complexidade do combate envolve mais a logística das tropas do que a dificuldade proveniente das batalhas entre as unidades.
Para o futuro, mais mecânicas que envolvam as relações políticas e os recursos de Arrakis cairiam bem por aqui. A mescla, no final das contas, é bem promissora; ela utiliza um gênero como base e acrescenta características do outro. Por mais que o conteúdo oferecido seja, de certo modo, bem compacto, as possibilidades para o futuro são imensas, e esse é definitivamente um jogo para os fãs do gênero de estratégia ficarem de olho.