Skip to main content

Um dos grandes argumentos dos defensores dos videogames como meio artístico é a maior identificação do espectador/jogador com o que acontece na tela, em relação a outros meios onde o espectador é passivo em vez de ativo. Essa identificação tem várias camadas. Além da óbvia interação, que não acontece em outros meios (existem obras de teatro “interativas”, mas não chegam aos extremos de um videogame), há a empatia do receptor com a personagem. E essa empatia vem do que o espectador recebe com os seus sentidos. Ainda não existe nada que envolva paladar nem olfato (ainda bem…), mas os outros três sentidos são envolvidos de uma maneira ou outra.

O tato vem sendo utilizado desde que a Nintendo criou o Rumble Pak para o Nintendo 64 e a Sony o aperfeiçoou com o Dualshock. Com exceção do período em que a Sony “se convenceu” de que a vibração era uma “coisa da geração passada” e tentou empurrar o Sixaxis goela abaixo de seus usuários, os controles com vibração são praticamente uma necessidade. Se seu avatar recebe um golpe ou está por uma situação de stress qualquer, o controle vibra. Simples e eficaz.

A audição sempre foi algo de primeira grandeza. Nos tempos dos gráficos pixelados, a música era importante para criar clima. Com a entrada dos CDs, essa importância aumentou, e entraram em cena os personagens falantes. Algo que gerou abusos.

Parece que todo mundo se esquece que Charles Chaplin fez seu primeiro filme sonoro (O Grande Ditador) apenas em 1940, mais de dez anos depois do advento do cinema falado, e que seus dois filmes mudos feitos depois desse advento (Luzes da Cidade e Tempos Modernos) foram seus melhores trabalhos. Apesar da voz da personagem ajudar a estabelecer um padrão, ela não é essencial – muito pelo contrário, muitas vezes atrapalha.

Que o diga Miyamoto. Não é coincidência que a trinca de ases da Nintendo – Mario, Link e Samus – seja muda durante o jogo. Com exceção dos gritos de Link e Samus e dos “Mamma mia!” e “Letsa go!” do encanador. Isso faz com que seja mais fácil se identificar com a personagem, porque você coloca inconscientemente a sua voz neles. No caso de Link, a identificação é mais extrema ainda, porque ele não existe até que você coloque um nome nele.

A visão é o sentido mais utilizado, e o que merece maior atenção. Quem costuma ler artigos sérios sobre videogames com certeza já ouviu falar sobre a teoria do Uncanny Valley. Essa teoria foi criada por Masahiro Mori em 1970. De acordo com Mori, conforme uma entidade não-humana (animal, robô, desenho – animado ou não) vai assumindo características humanas, a empatia que humanos terão com ela irá aumentando progressivamente. No entanto, conforme essa entidade vai aumentando seu estágio de “aproximação ao humano”, essa empatia se transformará em uma forte repulsa até chegar ao ponto em que a referida entidade se aproximará tanto do comportamento e aparência de um humano normal que a repulsa desaparecerá completamente. Essa repulsa é o chamado Uncanny Valley.

Nos videogames, o Uncanny Valley nunca foi um problema até a geração passada, quando o poder de processamento começou a gerar gráficos foto-realistas. E na atual geração, é a Sony que está forçando esses gráficos até limites nunca vistos.

Considerando os gráficos de vendas, não é de se estranhar que ela esteja indo por essa direção, já que é a força bruta do PS3 o que a diferencia dos demais. Infelizmente, eles estão indo longe demais, e por conta disso os jogos estão caindo facilmente no Uncanny Valley. Basta ver o que a Sony apresentou para Heavy Rain e Uncharted 2. As fotos e vídeos são impressionantes, a parte de objetos inanimados é excepcional. Mas os modelos de pessoas, sem exceção, ficaram bizarros, com olhares vítreos e peles plásticas, sem contar os movimentos estranhamente robóticos. Eu deixei de ver trailers de jogos da Sony desde que vi um de Heavy Rain e tive pesadelos com aquela merda (sério!). Aquela boneca que parece saída de um filme de terror que vai no banheiro e começa a abrir o decote pra parecer sedutora… Blaaargh. E com os avatares do PS Home, a mesma coisa.

E isso é uma besteira. Os demais desenvolvedores, mesmo os exclusivos da Microsoft, não caem nessa armadilha. Só tem de ver Gears of War; apesar de aqueles marines estarem muito bem modelados, o aspecto cartunesco deles (afinal de contas, quem conhece alguma pessoa que tem 1,50m de ombros?) os afasta do Uncanny Valley. E os Miis e avatares da Live são cartunescos e simpáticos, e todo mundo consegue se identificar com eles – mas não com os bonecos do PS Home, que parecem zumbis sem expressão.

Além disso, tem de ver o exemplo que a Pixar (sempre ela) dá sempre. Eles com certeza tem animadores muito melhores do que qualquer um que a Sony tenha, e têm à sua disposição um poder de processamento maior do que todos os PS3 que já foram vendidos juntos. No entanto, em Wall-E, para retratar a personagem realista (o presidente da companhia Buy N’Large, que aparece em vídeos por todo o filme), em vez de usarem animação, preferiram live-action. E todos os demais personagens humanos de seus filmes são caricaturizados. Exatamente para não correrem o risco de perderem a empatia do público com os personagens.

Isso porque o pessoal da Pixar leu Scott McCloud. Em seu excelente livro Understand Comics, McCloud explica a pirâmide caricatura x estilização x realismo. Quanto mais próximo do vértice da caricatura, maior o reconhecimento e empatia do público com a personagem. Fácil de entender; todo mundo consegue se abstrair em um smile, mas nem todo mundo consegue se identificar com a cara de um homem caucasiano de 35 anos com olhos azuis e uma pequena cicatriz no nariz…

Logo, a próxima vez que você reclamar que tal jogo tem personagens deformados, ou que o Wii não consegue, NÃO CONSEGUE, mostrar na tela o que os outros dois conseguem, pense se isso realmente é necessário. Quase sempre, menos (realismo) é mais (identificação e satisfação).