Eu me lembro da primeira vez que vi o trailer do NGP, no início de 2011. Lembro que na época eu queria muito comprar um PSP, mas esse vídeo me fez mudar de ideia.
Chegamos a mais um fim de ano e 2018 já vai virar história. E nada melhor do que esta época para relembrar e refletir. Este ano tivemos muitos acontecimentos, desde surpresas a polêmicas, especialmente no meio da indústria de jogos. Mas uma notícia que me fez refletir desde seu anúncio foi esta que dá título a este artigo.
As primeiras notícias que indicavam o começo do fim surgiram já em maio, com o encerramento da produção de cartuchos do console. Porém o último prego do caixão veio durante a Tokyo Game Show deste ano: em entrevista à revista japonesa Famitsu durante o evento, Hiroyuki Oda (vice-presidente da Sony Interactive Entertainment) informou que o console seria descontinuado em meados de 2019. Além disso, o mesmo citou que não haviam planos para um sucessor. Então, comecei a ponderar sobre a importância do fato em relação aos consoles portáteis.
O despertar de um gigante
Imagino que você deva estar pensando: “Como assim, cara? O PS Vita ainda tá vivo?!”. Pois sim, ele ainda vive e não é apenas nos corações dos fãs. Ou melhor, dos poucos que tem consideração por ele. Brincadeiras a parte, o Vita foi o exemplo de um paradigma que tinha tudo para dar certo. O portátil já vinha da excelente carreira do PSP, trazendo ainda mais inovações e maior capacidade gráfica.
Com a alcunha de Next Generation Portable (NGP), ou mais conhecido popularmente como PSP2, o Vita já vinha causando burburinho nos fãs e entusiastas de plantão, especialmente por suas especificações pomposas.
Com poderio para rodar jogos com qualidade de PS3 na palma da sua mão, touch screen na sua tela OLED de 5 polegadas, acelerômetro, giroscópio, câmeras traseira e frontal para realidade aumentada, vídeo chamadas e fotos (incluindo selfies, antes mesmo disso ser popular) e touchpad traseiro – que ninguém nunca soube para que servia, mas era legal – o PS Vita vinha equipado com uma seleção de gimmicks variada. E principalmente, a inclusão de mais um analógico para o controle da câmera em jogos 3D. O bichinho tinha até conexão 3G – que não durou muito, mas foi uma opção diferenciada no início.
Pois é, a vida parecia maravilhosa para aquele console que estava para brilhar ao pôr do sol como um vitorioso. Uma pena que haveriam algumas pedras gigantes que obstruiriam completamente o seu proeminente sucesso, como o abandono de seu próprio criador.
Mas o que diabos aconteceu com o PS Vita?
Eu imagino que um dos principais problemas do Vita foi sua janela de lançamento, pois ele veio pouco tempo antes do PS4 ser anunciado e, nesse momento, imagino que os desenvolvedores da Sony estivessem correndo contra o tempo no desenvolvimento do console. Com isso as atenções e foco da companhia estiveram quase que totalmente voltados no seu carro chefe dos próximos anos.
Infelizmente isso afetou e muito o crescimento do portátil de nova geração, o que fez com que tanto os esforços de marketing e a promoção dele fossem deixados de lado para exaltar o novo console next gen do mercado. O Vita estava lá presente, vendo tudo de camarote, mas apenas como um coadjuvante, um mero acessório do seu irmão mais novo e poderoso. Percebemos isso quando vemos os anúncios da época: o portátil era basicamente anunciado como uma tela secundária para rodar jogos de PS4 via streaming.
Nesse meio tempo, sua popularidade foi decaindo cada vez mais e a Sony, mesmo notando isso, não fez nada para impedir. Na verdade a impressão é de ela simplesmente ter largado mão e o deixado às traças. O 3DS também viveu momentos de fracasso, principalmente nos meses que seguiram após seu lançamento, quando muitos chegaram a pensar que a Nintendo tinha errado a mão no novo portátil. Mas ela provou que com um bom gerenciamento, marketing pesado e redução de preço é possível transformar um iminente fracasso em ouro puro. Ou, literalmente, muito mais do que isso.
3D sem óculos? Quem poderia imaginar isso naquela época? Pois a Nintendo sim, e isso foi revolucionário. Mas assim como nos televisores, depois de certo tempo a ideia de poder jogar em 3D esfriou e as pessoas simplesmente perderam o interesse pelo recurso, como uma novidade que já não é mais tão interessante assim. A Nintendo sacou isso e lançou um 3DS sem 3D, o 2DS – que aliás é mais barato. Isso prova que a Big N está atenta às tendências e em como os usuários utilizam seus consoles, dessa forma não tirando sua relevância e o adequando ao usuário.
É aí que mora o segundo grande problema do Vita. O console tinha altos custos, como seus cartões de memória proprietários que custavam muito mais que cartões microSD. Os jogadores tinham de desembolsar a mais por algo semelhante e com capacidades inferiores em comparação a cartões comuns do mesmo valor, além do desempenho inferior – o 3DS por exemplo, sempre utilizou formatos comuns de armazenamento.
Sem falar que o modelo orginal (PCH-1000) vinha com um conector USB proprietário para transferência de dados e alimentação e, no caso do cabo estragar ou se perder, você teria de comprar outro original ao invés de poder usar o do seu smartphone ou outra centena de dispositivos com formatos comuns de conectores. Felizmente isso foi corrigido na segunda versão do portátil (PCH-2000 ou PS Vita Slim) que possui uma entrada microUSB, compatível com cabos comuns. Em contrapartida ele perdeu sua tela OLED, sendo substituída por uma LCD – uma das maiores baixas dessa revisão.
Como se não bastasse deixar o console à própria sorte, a Sony ainda tentou nos empurrar uma versão “não portátil”, a qual você acopla em sua TV e joga seus jogos em uma tela maior. Sim, estou falando do famigerado PlayStation TV (ou PS Vita TV), algo semelhante ao que o Switch faz hoje em dia só que de forma menos criativa. Ele servia para outras coisas, como streaming de jogos de PS4, mas sua interface e funções principais eram voltadas principalmente ao Vita.
O maior porém disso é que diversos títulos que utilizavam as funcionalidades únicas dele, como a tela sensível ao toque, touchpad traseiro e etc. não eram compatíveis com esta versão por razões óbvias. Ou seja, restringindo ainda mais as opções já limitadas do catálogo do portátil. Essa versão não durou muito tempo no mercado, sendo descontinuada em 2015. Esta foi uma das piores empreitadas que a Sony decidiu investir na divisão PlayStation, e olha que a Sony não tem sido uma das mais sensatas em relação a tomada de decisões.
A Sony tentou promover o Vita para as pessoas por meio de compras casadas, como por exemplo jogos de PS3 que vinham com a versão de Vita gratuitamente no pacote. Um tipo de crossbuy físico: na compra do jogo de PS3, a versão digital do Vita vinha de brinde. Uma tentativa de empurrar a compra do portátil para jogar os jogos oferecidos.
Claramente isso não deu bons resultados, tendo em vista os títulos que vinham com essa oferta, tal como PlayStation All-Stars Battle Royale – quem diria, a Sony emplacando o título “Batlle Royale” antes disso virar uma febre -, que não eram apelativos. Porém, não foram só títulos fadados a promoções no fundo de caixas de DVDs velhos no supermercado que foram contemplados com essa oferta. Tivemos também boas ofertas como Sly Cooper: Thieves in Time e Ratchet & Clank: Full Frontal Assault – dois bons games que recomendo.
Vida bandida
Os últimos anos do Vita tem sido bem cruéis no que diz respeito a novidades. O console só tem recebido jogos multiplataforma (quando recebe), dos quais alguns chegam em ports mal feitos e mal otimizados. Vemos jogos que rodam porcamente no console, o que desestimula ainda mais o interesse, até mesmo daqueles que possuem o portátil. Não apenas isso, mas o próprio desinteresse das desenvolvedoras em fazer a versão de Vita. Afinal estes jogos raramente receberam patchs de correções e, assim como o próprio console, ficam às traças após o lançamento. Sem contar os diversos títulos que ficaram só na promessa, mas nunca viram a luz do dia. Ou melhor, a versão do portátil.
A falta de interesse da Sony, que não lançou mais nenhum exclusivo para ele desde 2015, aliado às baixas vendas do portátil, afastaram também potenciais desenvolvedoras third party. Enquanto que no PSP tivemos diversos capítulos da saga GTA, Final Fantasy, God of War, além de diversos exclusivos e franquias consagradas do PlayStation e outras desenvolvedoras, o máximo de que vimos no Vita foram algumas remasterizações, ports mal feitos e poucos exclusivos de peso. E alguns dos melhores (e poucos) exclusivos dele depois foram portados para o PS4, como Tearaway e Gravity Rush, dilapidando assim sua biblioteca.
Mas não vamos crucificar somente a Sony pelas duas decisões duvidosas. Outro fator crucial a ser considerado foi a ascensão do mercado mobile, com aparelhos mais potentes e que facilmente conseguem reproduzir jogos com qualidade cada vez mais avançada e até surpreendente. Sem falar que ele faz bem mais do que apenas “rodar joguinhos” e está sempre com você, praticamente um órgão vital nos dias de hoje.
Uma luz no fim do túnel?
Nem tudo são lágrimas… Incrivelmente o portátil conseguiu se tornar o lar para gêneros de nicho como JRPGs, Visual Novels e Dating Sims, que são amplamente lançados até o presente momento. O portátil tem um forte apelo nesse quesito, sendo um dos motivos para as vendas dele ainda serem contabilizadas no Japão.
Para os fãs desses gêneros se criou um ambiente muito propício, tornando ele um portátil de nicho com jogos que raramente conseguimos ver no ocidente e alguns exclusivos do público japonês. Sabemos que muitos curtem esses tipos de jogos por aqui, mas o difícil acesso à eles era um impedimento para os fãs. O Vita tornou isso mais fácil, com títulos até mesmo com localização em inglês.
Além destes jogos, o Vita conta com uma farta biblioteca de jogos indie. Diversos jogos de sucesso desse mercado independente despontaram e continuam a despontar no Vita, que o mantém respirando. Muitos jogadores também querem desfrutar de uma jogatina móvel em um console propriamente dito, sem precisar jogar de maneira precária com comandos digitais em telas touch. Sem falar dos jogadores que querem ter a biblioteca do PSOne e/ou do PSP no bolso, afinal o console roda jogos dessas duas máquinas (de maneira emulada), além de permitir personalizar comandos e alterar a resolução dos jogos, entre outras coisas.
Estes fatores talvez possam dar uma sobrevida ao portátil. Apesar do encerramento da produção do Vita, imagino que ainda sejam lançados jogos para ele, assim como ainda são para o PSP lá no Japão.
A triste e inevitável realidade
O que me entristece principalmente, como um grande fã de consoles portáteis, é que o fim do Vita pode marcar por definitivo o fim dos consoles portáteis dedicados, um aspecto que era comum na indústria dos games desde os Game & Watch e principalmente a partir do Game Boy. Isso porque com o domínio dos smartphones e a consolidação do Switch, um console híbrido, talvez abra margem para um novo nicho de mercado, que não aposte mais em consoles propriamente portáteis. Afinal de contas, eles nunca foram os carros chefe de nenhuma empresa, mesmo tendo seus momentos de lucro absoluto como no caso das diversas gerações de portáteis da Nintendo.
E levando em consideração que o 3DS (ou 2DS) também já está seguindo para seus últimos anos de vida, e a Nintendo parece estar encaminhando suas principais franquias para o Switch (vide Pokémon: Let’s Go) ou empreitadas em dispositivos móveis (Android e iOS), não vejo ela lançando um novo portátil. Ainda mais agora que seu console de mesa abrange as duas vertentes. Mas talvez a recém descoberta patente da Nintendo, que transforma seu smartphone em um tipo de Game Boy, possa ser considerada.
A Sony por sua vez, depois de viver o fracasso (por má administração) de seu portátil, também deve abandonar esse mercado. O que não é surpresa, pois ela está abandonando muita coisa nos últimos anos – até mesmo sua participação na E3 de 2019 – com os cortes de gastos. Mas principalmente com a ascensão dos smartphones que fazem muito mais do que “jogar joguinhos” e tem atualmente a capacidade de um PC mediano, não há porque alguém investir no mercado de portáteis se não para portar seus jogos para celulares. Seguindo o sucesso da Nintendo, será que podemos esperar por um PS5 com uma experiência híbrida? Eis a questão.
É triste ver algo que você ama perecer, mas com a evolução tecnológica cada vez mais vamos ver itens que pareciam comuns em nossas vidas se tornarem obsoletos e serem substituídos por novas soluções que se adequem aos dias atuais. São os males que vem para o bem. É o fim de uma era, que irá deixar muitas saudades para aqueles que a viveram, mas que ficará imortalizada em todos aqueles que se tornaram fãs das jogatinas de bolso. E mesmo o Vita não terminando essa longa trajetória da maneira mais brilhante, ele sempre terá seu cantinho especial comigo. E o Switch um futuro brilhante pela frente. Que venha 2019, cheio de novidades!
Fotos: Yudi Ishikawa / Acervo pessoal.