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Ultimamente eu estava relendo alguns quadrinhos da minha coleção, e acabei relendo alguma coisa de Judd Winick. No Brasil ninguém fora do “mundinho” dos gibis conhece, mas nos EUA ele é relativamente famoso, porque participou do reality show da MTV The Real World, na edição San Francisco. Ali, ele foi o grande amigo de Pedro Zamora, um imigrante cubano homossexual e portador de HIV, que ficou muito famoso por causa do show.

Winick, muito por conta dessa sua amizade com Zamora, tem uma mania que chega às raias do irritante de sempre colocar nas histórias que escreve um homossexual e/ou um portador de HIV. No entanto, nunca parece forçado, e os personagens nunca são estereotipados. Por exemplo: quando ele assumiu o título do Lanterna Verde, criou um novo companheiro de trabalho do personagem principal que era homossexual, chegando a levá-lo ao primeiro plano no título quando uns caras de uma gangue o espancaram quase até a morte por sua opção sexual. Da mesma forma, em Arqueiro Verde, ele fez com que a sidekick do Arqueiro, uma ex-prostituta, descobrisse ser portadora de HIV – o que, mesmo assim, não fez com que ela deixasse o traje. Inclusive Winick chegou a criar um interesse romântico à personagem. Isso sem contar a história de Winick com Zamora, contada na sensacional graphic novel Pedro And Me.

Da mesma forma, eu reli há algum tempo Gen, de Keiji Nakazawa. É um mangá sobre uma família japonesa típica de Hiroshima antes da guerra. O pai é contra a guerra e é hostilizado por isso. O filho mais velho (o personagem principal) faz muitas travessuras com o irmão, briga na escola… Até que, no fim do primeiro volume, os americanos jogam a bomba. O pai e o irmão do meio morrem, no meio do desespero a mãe tem um colapso nervoso e dá à luz a irmãzinha de Gen com a ajuda do vizinho coreano (que era sempre hostilizado pelos demais vizinhos por sua nacionalidade e seus “sapatos estranhos”), Gen tem que ajudar a mãe para que os dois sobrevivam, vendendo coisas no mercado negro, fingindo ser um bonzo (monge budista) rezando pelos mortos para ganhar dinheiro. No final, a irmãzinha morre por envenenamento radioativo.

Estas obras (além de outras obras-primas – Maus de Art Spiegelman, Persepolis de Marjane Satrapi, Palestina de Joe Sacco) são uma demonstração de que os quadrinhos já são um meio de comunicação maduro, sendo usado para mais coisas do que simples entretenimento escapista, mesmo no mainstream.

E os videogames?

Quando vamos ver um jogo de ação onde o personagem principal é portador de HIV? Um jogo de guerra onde você é um soldado homossexual? Um jogo de aventura onde você coordena um grupo de judeus tentando escapar da Alemanha ocupada pelos nazistas, ou talvez um tutsi tentando escapar do genocídio de Ruanda? Sim, existem alguns jogos independentes que realmente tocam em temas delicados (alguns dos quais eu inclusive cheguei a mencionar em outras matérias, como Super Columbine Massacre). Só que, no mainstream, a presença disso pode ser descrita como algo entre nula e desprezível.

No caso da homossexualidade, até existem alguns exemplos interessantes, ainda que não mais que anedóticos: em Fable e sua continuação, o personagem pode ter casamentos com pessoas do mesmo sexo. E em Bully, você pode beijar meninas e meninos. Mas fora isso, as aparições de homossexuais são pontuais, e na maioria das vezes seguindo estereótipos (o travesti exagerado, o afeminado, o perturbado). E outros, como portadores de HIV, judeus, muçulmanos, brilham por sua ausência.

Para ser justo, acho que o problema não é tanto dos autores, e mais da maneira como os videogames são percebidos tanto interna quanto externamente (coisa que já discuti antes, na matéria sobre videogames e arte). De um lado, os autores ainda vêem os videogames como um meio feito “para divertir”, não para divulgar uma mensagem. De outro, tanto as empresas que os financiam quanto a opinião pública vêem os videogames como algo que não é para adultos.

Ou seja, os autores se auto-limitam – e, mesmo que não se auto-limitassem, as empresas os limitariam, com medo da opinião pública e das supostas baixas vendas. Não dá pra culpá-las. Afinal de contas, ainda não existe um mercado comprovado para games “de arte”. E ninguém gosta de colocar milhões de dólares e ver explodir na cara um escândalo criado por gente com muita presença na mídia e louca pra conseguir mais audiência.

Ainda assim, acredito que não vai demorar muito até aparecer alguém com uma boa dose de coragem e disposto a enfrentar os imbecis. Afinal de contas, os filmes “com mensagem” dão dinheiro. Com certeza, os games “com mensagem” também darão. Só precisamos de um visionário para abrir o caminho e demonstrar a madurez do meio.