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A universidade, como qualquer outro tipo de subconjunto da sociedade, tem vários tipos de pessoas. E, pelo fato das pessoas mudarem muito no decorrer dos anos, é muito difícil saber como alguém será aos 30-40-50 anos pela maneira como ela se comporta quando está fazendo um curso superior. No entanto, existem dois tipos que, com uma forte dose de certeza, serão sempre assim depois de saírem da universidade.

Os primeiros são os empreendedores. Pessoas que têm uma idéia interessante e querem desenvolvê-la, que não têm medo de dar a cara a bater (ou de quebrar a cara), que montam empresas, ONG’s ou coisa que o valha para fazer valer esse sonho.

Os outros são os que eu chamo de “cheguevarianos”. Vocês sabem quem são esses; aqueles tipos que normalmente saem das faculdades de Humanas, que gostam de usar camisetas do Che, que se envolvem com política universitária… E que normalmente são uns hipócritas, porque gostam de posar de defensores da classe operária quando são uns classe média que têm a vida paga pela família, e por isso podem passar anos na faculdade pública para fingir que estudam e não entender nada de história nem de como funcionam o mundo.

Bem, nessa semana o mundo do videogame indie demonstrou que é igual a uma universidade. Um membro do primeiro grupo foi malhado por membros do segundo grupo, que obviamente não sabem se colocar no papel do outro e acham que tudo tem que ser da sua maneira.

Acredito que todo mundo conheça o Humble Bundle. Jeff Rosen criou essa iniciativa com duas propostas: promover o game independente e ajudar projetos de caridade. Desenvolvedores independentes fornecem seus jogos para serem vendidos pela plataforma, os usuários pagam quanto acham que devem e distribuem o dinheiro à vontade entre os desenvolvedores, os projetos de caridade apoiados pelo HB e o próprio Humble Bundle.

Inegavelmente, foi uma iniciativa de muito sucesso. Além de games para PC, o projeto se expandiu e começou a oferecer games para Android, e inclusive dois bundles não de games (um de e-books e outro de música) foram oferecidos; todos os 19 bundles vendidos desde o início do projeto (em 2010) geraram mais de 25 milhões de dólares.

Até hoje, os bundles sempre incluíram versões para Windows, Mac e Linux (e Android) dos jogos, além das trilhas sonoras (quando disponíveis). Os jogos sempre eram disponibilizados em versões para download, sem DRM – mas o usuário, caso pagasse mais de US$ 1,00, poderia optar por receber códigos Steam para os jogos – nesse caso, obviamente, a versão possui o DRM do Steam.

Digo até hoje, porque nesse semana saiu o Humble THQ Bundle. Como diz o nome, em vez de ser um bundle de jogos independentes, o que está sendo vendido é um bundle de jogos da produtora THQ. Em vez de versões para download para Windows, Mac e Linux, os jogos são disponibilizados apenas em versão Windows – e apenas através do Steam; ou seja, versões com DRM e pagamento mínimo de US$ 1,00. Isso sim, as trilhas sonoras continuam disponíveis por download em MP3 ou FLAC.

Foi o que bastou para que os cheguevarianos do mundo indie clamassem aos céus: esse dinheiro nunca chegará às mãos das pessoas que realmente fizeram os jogos, o fato de versões Mac/Linux/sem DRM não estarem disponíveis mostra que Rosen não se importa com o desenvolvimento do videogame independente, que a Electronic Frontier Foundation não estar mais na lista de ONG’s beneficiadas pelo HB é uma mostra de que ele “se vendeu” a uma grande corporação, e um grande e sonoro etc.

Realmente, vender jogos blockbuster da THQ não é promover o videogame indie, verdade. Mas esse pessoal parece que não se importa com o fato de que a THQ permitiu isso porque está muito mal das pernas. Pra mim a empresa pode ir pro raio que a parta; infelizmente é a lei do Oeste, quem não tem competência não se estabelece. Mas parece que os cheguevarianos indieotas esquecem que, se a empresa falir, vamos ter centenas de pessoas no olho da rua. Devemos ajudar os indies, mas não podemos fazer nada que possa ajudar centenas de pessoas a manter seus empregos?

Além disso, a caridade continua lá, firme e forte (apesar de realmente ser estranho que neste Humble Bundle eles tenham removido a Electronic Frontied Foundation… mas colocaram a Cruz Vermelha no lugar, o que é ainda melhor; prefiro ajudar pessoas necessitadas na África que um bando de marmanjos sentados detrás de escrivaninhas – e antes que alguém diga algo, o trabalho da EFF é muito nobre e necessário… mas o trabalho da Cruz Vermelha é infinitamente mais necessário para o mundo). Pra esse pessoal que reclamou que o HB parou de ajudar a EFF, notícias fresquinhas: o site da EFF tem um bonito botão azul com o texto “donate to EFF” que serve pra vocês doarem o dinheiro que vocês não vão gastar com os jogos sujos da THQ. Só que claro, a quantia mínima que você pode doar ali são 25 dólares, você não pode doar um dólar e depois ir instalar os seus joguinhos novos pensando que já fez a sua parte por um mundo melhor.

Um parágrafo que merece menção foi essa pérola da estultice que Ben Kuchera, editor do Penny Arcade Report, escreveu em um editorial titulado “O Humble THQ Bundle perde jogos indie, ganha DRM, e é um passo atrás para o modelo de bundle”:

As razões pelas quais o pessoal ama os Humble Bundles praticamente desapareceram, para que eles pudessem vender uns blockbusters da THQ. A oferta em si não é ruim, são títulos ótimos por um bom preço, e o suporte para a caridade é uma coisa legal, mas foi um movimento na direção errada. Nenhuma das coisas que fazem um Humble Bundle ser excepcional está presente. Em vez disso, temos algo que não passa de uma oferta do Steam.

Ou seja, a única coisa que faz um Humble Bundle ser excepcional é o fato de vender jogos indie? Continuo pagando o quanto quero por jogos excelentes, continuo podendo dividir o dinheiro como quiser entre desenvolvedor, HB e caridade, mas como os jogos não são indies é tudo uma grande bosta fedorenta?

Mas, enquanto pseudo-jornalistas como Kuchera continuam recebendo dinheiro para zurrar essas indieotices por aí, eu leio duas coisas que me fazem continuar tendo fé na humanidade: primeiro, o Notch (o cara do Minecraft soltou um twitter dizendo que apóia o Humble THQ Bundle. E depois, no momento em que escrevo essas linhas o Humble THQ Bundle já faturou 2,87 milhões de dólares em menos de dois dias. Eu fiz a minha parte, como sempre: 15 dólares pelo bundle, 10 dólares para caridade, 2,50 para o desenvolvedor, 2,50 para o HB. E recomendo vocês a fazerem o mesmo. Calar a boca de um cheguevariano nunca é uma coisa ruim.