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Para começar, vamos montar o cenário: há um par de meses, apareceram umas artes conceituais no site de um artista mostrando uma espécie de Disney World decadente e cyberpunk, com castelos semi-destruídos, a bola do Epcot Center soltando fumaça nas costas de uma baleia, robôs deformados com a cara de personagens Disney, e inclusive um Pateta zumbi robô. De acordo com ele, as artes foram usadas no desenvolvimento de Epic Mickey, um suposto jogo para o Junction Point Studios (estúdio do mestre Warren Spector, comprado no ano passado pela Disney). Essas imagens rodaram por fóruns pelo mundo todo, criando um tremendo hype.

Foram aparecendo mais rumores sobre o jogo, dizendo que ele seria exclusivo do Wii e que o Mickey usaria um pincel para desenhar/apagar coisas no jogo (no estilo de Okami). O hype foi crescendo, até que a Gameinformer soltou um especial em seu site sobre o jogo, juntamente com uma matéria na revista física – com direito a capa dupla especial e tudo.

As informações reais sobre o jogo (que, lembremos, vai sair apenas daqui a um ano), surpreendentemente, derrubaram o hype. Nos fóruns, as opiniões quase unânimes sobre o jogo se inverteram. Agora, quase todo mundo está MALHANDO o jogo, dizendo coisas como que o jogo é “um Ratchet & Clank da vida”, entre outras lindezas. O problema é que, ao contrário das concept arts, que tinham um tom mais dark (algo que era acentuado pelo fato de quase todas serem feitas a lápis, sem colorização), as fotos do jogo divulgadas pela revista têm um tom mais infantil, tendo inclusive coelhos azuis jogados aqui e ali.

Francamente, não entendo. As imagens divulgadas são mais “coloridinhas”, certo. Mas são coloridas de uma forma, digamos, “timburtonesca”. Com certeza, não estamos no Reino dos Cogumelos, estamos em um local perturbado e sinistro. Só tem que ver o Donald zumbi robô, quase tão bizarro quanto o Pateta zumbi robô de antes. Mas, aparentemente, o pessoal viu as concept arts e ficou esperando “Silent Hill: Disney Edition”.

Nesse caso especialmente, a não ser que a Disney estivesse fazendo um viral doido (ou como quer que se chame essas drogas de promoções birutas da internet), eu acredito que eles não queriam a divulgação daquelas artes. Elas deram uma imagem que, obviamente, a Disney não podia cumprir totalmente. Deviam ser artes utilizadas lá no início do desenvolvimento, e que foram suavizadas no decorrer do processo. Aliás, a única palavra que a gente tem que elas chegaram a ser usadas no desenvolvimento era que o dono do site disse que tinham sido usadas. Até onde a gente sabe, podem ter sido feitas por uma pessoa que conhecia um cara cujo vizinho tinha um primo que estava trabalhando no projeto e saiu desenhando coisas bizarras por diversão… Depois, quando saíram essas imagens, eles chamaram a Gameinformer e ofereceram a exclusiva pra tentar diminuir um pouco o estrago.

Esse episódio é uma demonstração de como o hype é algo bizarro. E o pior: a culpa por essas bizarrices não é das companhias. Elas querem vender, e pra vender tem que fazer publicidade – e a publicidade depende do público. Se estivéssemos falando de uma produtora de hortifrutigranjeiros, ela não ia soltar um teaser anunciando a estréia do seu novo Tomate 2.0 MegaMaster Plus com sabor de tiramisu dentro de seis meses, ela colocaria o produto no supermercado e faria um anúncio na televisão daqui a seis meses. No máximo colocaria o anúncio na televisão uma semana antes falando sobre o produto.

Mas o público-alvo de videogames parece que se alimenta de hype. Se uma companhia solta um teaser para um trailer, como no caso do Modern Warfare 2, é porque ela sabe que os trouxas vão ver o teaser e depois vão ficar punhetando loucamente o trailer, fazendo publicidade gratuita para o jogo deles por tudo quanto é lugar. E sabe também que, se alguém encontra uma imagem bizarra relacionada de alguma forma, alguém vai começar a criar hype em cima disso, seja verdadeiro ou não – que foi o que explodiu na cara da Disney no caso do Epic Mickey.

Mesmo nós, jornalistas, temos alguma parte da culpa (e falo aqui da imprensa de games em geral, não só do Gamerview, para que fique bem claro). Nós também somos parte desse público-alvo e criamos nosso próprio hype particular – eu, pelo menos, fiquei mais excitado pelo Epic Mickey não por conta das imagens, mas porque o Warren Spector ia produzir, e todo mundo que acompanha o site sabe minha opinião sobre o jogo dos Beatles. Chegamos ao cúmulo de ficar dando status de notícia a besteiras que os criadores soltam – lembro até hoje quando o Kojima, o Quentin Tarantino dos games, disse algo sobre fazer um MMORPG de zumbis em que os personagens pudessem se contaminar e virar zumbis, e aí o jogador ia ter que aguentar seu personagem como um zumbi. Mas os jornalistas ouvem isso, ficam num estado entre “o Kojima disse isso, oba, vai ter pageviews pra caramba dos fãs do japa” e “AAAAHHHHH um MMORPG do Kojima genial AAAAAHHHHH”, publicam… E claro, efetivamente tem pageviews pra caramba dos fãs do japa – e comentários, e tópicos em fóruns, etc.

Claro, os jornalistas e punheteiros culturais em geral também fazem isso – só ver o nível com que o Tarantino, o Kojima do cinema, é tratado. Mas o fato de que os outros erram não significa que nós também tenhamos que errar, verdade?