Com o aumento constante da velocidade da internet, o automobilismo virtual cresceu muito durante essa era pandêmica. Com pilotos famosos se aventurando no meio, essa se tornou uma oportunidade única para os fãs de velocidade se inteirarem do que acontecem no cenário virtual. Por motivo dessa recente expansão, uma legião de curiosos atraídos, tanto pelos jogos, quanto pelo automobilismo em si, surge interessada em desbravar esse cenário.
Para contar a sua experiência no meio e explicar todos os fatores por trás dessa modalidade, Felipe Reus é o nosso entrevistado de hoje. Cearense que mora em Mato Grosso do Sul, Felipe se sagrou campeão da categoria Stock Light da liga Warmup, garantindo seu lugar na liga principal onde competirá contra pilotos de renome. Fã de jogos de tiro e de Rubens Barrichello, o piloto conta detalhes do cenário do automobilismo virtual brasileiro e dá dicas para os iniciantes do meio.
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Olá, Felipe. Primeiramente gostaria que você se apresentasse para os leitores do Gamerview.
Olá, pessoal. Meu nome é Felipe Reus, tenho 33 anos, sou militar de profissão e me considero um piloto virtual amador. Comecei a brincar no automobilismo virtual em 2012, pois sempre fui fã do automobilismo real. Sou de Fortaleza e sempre gostei bastante de autódromo, assistindo às corridas locais quando possível. Sempre quis ser piloto real, mas, devido à questão financeira, nunca tive essa oportunidade
Falando da sua trajetória geral no mundo dos games, qual foi a sua iniciação no meio?
Apesar de eu nunca ter passado necessidade na vida, a minha família não tinha dinheiro para investir em jogos. Meu primeiro contato com esse universo foi quando a minha tia fez uma viagem para Manaus em 1998 e trouxe um Atari 2600. Ainda nos anos 90, um tio me deu um Mega Drive, o que me possibilitou a jogar ainda mais pois eu conseguia alugar fitas em locadoras. Depois disso, a minha escola passou a cobrar trabalhos digitalizados, o que induziu minha mãe a comprar o nosso primeiro computador, onde eu conheci algumas franquias como Call of Duty e Medal of Honor. Outras franquias que me marcaram bastante foram Day of Defeat, Need for Speed e Battlefield.
Sobre o automobilismo virtual, qual foi o seu início?
Quando me mudei para o estado do Acre, em 2012, eu busquei alguma forma de voltar com essa paixão pelo automobilismo. Nunca tinha jogado esses jogos de simulação, sempre preferi títulos parecidos com Need for Speed Underground, influenciados pela moda do Velozes e Furiosos. Fiz também curso de mecânico, atividade que eu gosto mais por lazer, mas senti que precisava de algo para me inserir no meio. Eu já jogava jogos de tiro e pensei que, por já estar inserido no mundo dos games, eu poderia voltar a brincar nos jogos de corrida novamente.
Em 2012 comprei o meu primeiro volante, que era bem simples e barato. Permaneci com ele até 2014, quando o mesmo apresentou problemas e tive que me desfazer, fazendo com que eu ficasse ausente durante esse ano. As coisas mudaram em 2015, me mudei para o estado do Espírito Santo e, enquanto andava no shopping, descobri uma plataforma de simulação chamada Motion Sphere. Através disso, tive contato com o Project Cars, franquia que eu não conhecia até o momento, e que tem uma pegada de simulação maior que os títulos que joguei anteriormente.
O que te motivou a competir e entrar nas ligas da categoria?
O automobilismo virtual competitivo é bem diferente de quando você só joga para brincar. Quando você só joga para brincar, essa brincadeira tem um limite, e esse limite é quando acaba a novidade. No modo carreira de jogos como Fórmula 1 e o Project Cars, o limite é quando seu objetivo acaba e fica tudo sem graça. Tudo isso mudou quando eu conheci, através do Gandigameplays, a liga Prorace e tomei gosto pela competição.
Falando do automobilismo virtual, qual o jogo que você compete e qual a sua categoria?
No Brasil, um dos jogos mais utilizados é o Automobilista 1, pois é um jogo feito em uma plataforma mais antiga e aceita muitos mods. Tenho competido nas categorias Stock Car 2017 e na GT3, sendo esse último um mod que funciona muito bem no jogo. Adquiri recentemente o Assetto Corsa Competizione e o Automobilista 2, jogos que pretendo entrar para competir em breve.
Na sua opinião, quais são os fundamentos que tornam um piloto rápido nos simuladores?
Você precisa entender da dinâmica de um carro de corrida, estudar as configurações do carro e entender o que cada coisa faz. Também é muito importante entender sobre pista e questões técnicas, como ponto de frenagem e tangência das curvas.
Os conceitos citados são os básicos de corrida. É possível entrar sem saber nada disso, mas é muito bom ter uma certa noção antes de competir. As ligas de entrada trabalham com configurações travadas, mas é interessante entender pelo menos o básico da configuração do carro.
Se tratando do contexto brasileiro, como você enxerga o nosso cenário dentro do automobilismo virtual? Quais são as principais dificuldades e qual o nível técnico dos pilotos?
O cenário brasileiro é muito restrito. Recentemente tivemos uma explosão devido à pandemia, já que os pilotos reais não podiam competir nos circuitos e, com isso, vieram competir no virtual. Eu, por exemplo, achava que o cenário era morto até conhecer o Gandigameplays, onde fui apresentado à liga Prorace e diversas outras competições. Esse definitivamente é um cenário de nicho que envolve muita persistência e conhecimento por parte do jogador, o que desanima muitos iniciantes.
Falando sobre o nível dos pilotos, temos muitos de altíssimo nível. Na época do Project Cars, era possível notar que tinham muitos brasileiros no topo do ranking. Tive conhecimento de muitos pilotos influentes depois de entrar de cabeça nesse cenário, como o Wendel Parra e o Velho Vamp. O esporte está crescendo a um nível que muitos deles são patrocinados.
Falando sobre equipamentos, qual é o mínimo que você precisa para ser competitivo e qual seria, em média, o investimento necessário a ser feito?
Posso dividir o momento dos equipamentos de simulação em pré-pandemia e pós-pandemia. Os preços no exterior não mudaram, mas aqui no Brasil está tudo bem caro. Em 2015, comprei um modelo de volante chamado Logitech Driving Force GT, custando apenas R$350,00. Se você quer começar no cenário, esse volante é perfeito e vai te satisfazer. Geralmente quem joga nos simuladores já possui um Hardware decente, então não é necessário investir muito além nessa parte.
Obviamente, existem diferenças entre um volante mais barato e um mais caro, mas dá para competir com um modelo mais acessível sem problema algum.
Contudo, devido à pandemia, o preço aumentou consideravelmente. Volantes usados estão sendo vendidos a preços absurdos e bem mais caros do que foram inicialmente comprados. O modelo usado do Logitech Driving Force GT, por exemplo, foi de R$350,00 para R$800,00, o que é um preço extremamente caro. O que movimenta o mercado hoje são os equipamentos usados, cujos preços estão bastante inflacionados. Para montar um kit Fanatec completo, que é um dos melhores do mercado, você terá que desembolsar, no mínimo, R$10.000,00.
Qual seria o jogo que você recomenda para um iniciante no gênero?
Eu recomendaria o primeiro Automobilista. É um jogo barato, roda em computadores não tão potentes e é um bom balanço entre um simulador e arcade devido às assistências disponíveis. O Automobilista traz várias categorias diferentes, desde carros de turismo até monopostos, permitindo ao jogador começar com veículos mais simples até pegar o jeito.
Para os jogadores de console, eu indicaria a série Project Cars pelos mesmos motivos citados do Automobilista. Contudo, mesmo no modo realista, o jogo cria algumas reações no carro que não são fidedignas, então é bom jogar com cautela.
Como é a experiência de correr com pilotos reais?
Alguns pilotos reais já competiam nas ligas antes. Obviamente, por causa da pandemia, houve um fluxo maior desses pilotos reais no nosso meio, já que a falta de competições reais era um problema. O que era de início uma brincadeira para eles, acabou trazendo uma repercussão muito positiva para o nosso cenário. Tive a oportunidade de correr com nomes como Júlio Campos e Galid Osman, pilotos da Stock Car que foram convidados para a nossa liga. Nomes mais famosos como Rubens Barrichello e Eduardo Barrichello também competem nos simuladores, só que em ligas maiores.
O simulador te prepara para vida real?
Eu diria que sim. Se você pegar os fundamentos dos simuladores, é possível ter uma base forte para competir nas corridas reais. Além disso, o cenário contrário também é mútuo. Os pilotos reais têm uma sensação mais apurada e tiram o desempenho máximo do carro muito mais rápido, já que, na vida real, eles dispõem de pouco tempo para aprender uma pista. A parte deles de acerto do carro e aprendizado de circuito é fenomenal.
Qual o seu acerto ideal de carro?
Eu gosto de um carro mais equilibrado. Muitos pilotos gostam de carros mais traseiros ou mais dianteiros, mas um carro equilibrado é o ideal para mim. Se você prefere um carro que pende mais para alguma das direções, obviamente você terá que lidar com as vantagens e as desvantagens do acerto.
Mudando para o automobilismo real, qual a sua grande referência como piloto?
Sou de 1988, então peguei o final da época do Senna e não lembro muito das corridas dele. Contudo, eu acompanhei bastante o início da carreira de Rubens Barrichello, sendo esse um piloto que tenho um carinho muito grande. Também acompanhei bastante a Fórmula Indy, então nomes como Raul Boesel e Roberto Pupo Moreno marcaram a minha vida.
Sobre os pilotos brasileiros da nova geração, você acha que eles têm capacidade para entrar na Fórmula 1?
Eu não tenho acompanhado tanto essa geração mais nova. Acompanhei bastante quando o Felipe Nasr entrou, mas é difícil comparar o desempenho desses caras pois, quase sempre, eles vão para equipes fracas. Nomes como Lucas di Grassi, Bruno Senna e Nelsinho Piquet são exemplos disso.
Hoje em dia a Fórmula 1 é muito baseada em dinheiro. Se você pegar pilotos como Lewis Hamilton, até a época dele a técnica fazia muita diferença quando comparada com o fator financeiro. Contudo, logo após seu surgimento, esse paradigma mudou e o lado financeiro começou a pesar bastante.
Sem investimento será difícil para esses pilotos conseguirem um assento na Fórmula 1.
Na sua opinião, o talento necessário para dirigir na Fórmula 1 diminuiu devido à tecnologia?
Acho que é muito complicado comparar gerações. A pilotagem do carro até o final da década de 90 era muito no braço, tanto que os pilotos daquela época dirigiam de uma maneira muito diferente do que um carro atual permite. Ainda assim, acho que existe muito do feeling de pilotagem, pois todo piloto que dirige nas categorias de maior prestígio já conduziu carros sem assistência. Eu não compararia gerações, mas acho que se os pilotos das antigas tivessem a mesma mentalidade de antes para pilotar os carros de hoje, o desempenho deles seria muito inferior.
Felipe, muito obrigado pela entrevista, certamente foi muito informativo para quem tem interesse no gênero. Gostaria que você deixasse as suas redes sociais e falasse como que a galera pode acompanhar as suas competições.
Os interessados podem me seguir através do meu Instagram e do meu canal do YouTube, onde faço lives constatemente. Corro na liga Warmup, onde fui campeão da categoria Stock Light, e pretendo correr a liga Befast no Automobilista 2 e a liga Warmup de Assetto Corsa.
Gostaria de agradecer ao Gamerview pela oportunidade e ao nosso amigo Telles pelo contato. A nossa expectativa é que esse esporte cresça ainda mais, já que ligas que antigamente não enchiam um grid já estão começando a faltar vagas devido à demanda pelo jogo. O que nos resta é torcer para que tudo dê certo e que os preços dos equipamentos abaixem, atraindo mais amantes do esporte ao mundo das competições virtuais, caso contrário o esporte continuará sendo de nicho.