Quando se fala de simuladores de corrida, o principal fator que costuma ser levado em conta é o nível de realismo, aquilo que torna o jogo hardcore o suficiente para seu público-alvo. No entanto, há aspectos que diferem os simuladores incompletos dos completos, e que muitas vezes passam batidos: feedback e acessibilidade. Apesar de tudo que faz direito, Assetto Corsa Competizione deixa muito a desejar por ignorar estes aspectos, entre outras coisas.
Vale notar, antes de mais nada, que este review será mais direcionado aos jogadores médios e iniciantes, que procuram um possível ponto de partida no gênero e que podem se perguntar se Assetto Corsa Competizione deve ser essa porta de entrada. Ah, e para ilustrar a natureza realista do game, abaixo está o vídeo de uma das corridas sendo jogada na lógica arcade, perdendo a janela do pit-stop – o que me desqualificou, mas não me impediu de ganhar um troféu de prata na PSN.
Hardcore AF
No mercado dos simuladores, Assetto Corsa é a alternativa da Kunos Simulazioni para títulos como Gran Turismo, Forza Motorsport, Grid e Project Cars, para dar apenas alguns exemplos. A nova edição, Competizione, é especificamente focada em GT Racing, ao invés de oferecer diferentes modalidades e estilos dentro de um mesmo pacote. Portanto, desde já, o conteúdo de ACC é radicalmente mais limitado do que o de boa parte de seus concorrentes.
Conforme é apresentado no vídeo de introdução, Assetto Corsa Competizione é o jogo oficial do Blancpain GT Endurance Cup, um campeonato especificamente focado em longas corridas de resistência, e esta é a base para o modo carreira oferecido pelo game da Kunos Simulazioni. Desta forma, não espere uma grande variedade na carreira e nem nos modos a la carte, e esteja preparado para levar sua paciência ao limite caso não seja um jogador hardcore do subgênero GT.
E por hardcore, quero dizer HARDCORE MESMO. Pessoalmente, sou razoavelmente iniciado no campo dos simuladores, tendo jogado uma boa parte das alternativas no mercado, porém nunca me descreveria como alguém que domina completamente este estilo de jogo. A diferença é que, enquanto jogava outros títulos do gênero, nunca me sentia excluído ou barrado por não ser 100% versado no meio, mas em Assetto Corsa Competizione o choque foi grande.
Como alguém que encara curvas de dificuldade extremas com um certo grau de entusiasmo, sendo admirador confesso dos chamados “soulslike” e recentemente me apaixonando pela simulação minuciosa e cadenciada de Snowrunner, Assetto Corsa Competizione me fez pensar que havia algo de muito errado na minha incapacidade de tolerar os obstáculos que o game colocava em meu caminho, causando um misto de frustração e, principalmente, confusão.
Muitos botões, pouca informação
Deixo a confusão sublinhada por ser este o fator que derrubou o castelo de cartas. Chegando ao menu inicial, a primeira impressão é relativamente boa, com blocos organizados em uma paleta que consiste basicamente de três cores: preto, branco e vermelho. A música que acompanha estas telas é relaxante, mais discreta que aquelas faixas orquestrais solenes de Project Cars ou as batidas eletrônicas de Forza. Foi iniciando o game de fato que o problema ficou claro.
Assetto Corsa Competizione não possui tutoriais dedicados. Não há nada que apresente o passo a passo das corridas GT àqueles que não são familiares com a modalidade em sua forma realista, mas também não há indicadores claros para os controles sem que o jogador tenha de navegar uma confusa lista de configurações. Fora isso, o funcionamento destes comandos não é explicitado, então a única alternativa é passar um tempinho experimentando no modo de Treino Livre.
Não me entenda mal. O jogo conta com uma variedade de configurações para regular o funcionamento dos veículos, a dificuldade dos adversários e até mesmo as penalidades previstas em cada corrida. Mas com isso surge outro problema: para aqueles que estão se iniciando ou que passaram algum tempo sem pegar em um simulador, não fica claro o que cada uma dessas opções vai alterar. Espera-se que o jogador saiba o que são filtro e gama de condução, por exemplo, já que não há explicação ou distinção.
Esta análise pode parecer injusta, já que uns 90% dos jogadores que pegarem Assetto Corsa Competizione serão aqueles que já sabem muito bem o que vão comprar, mas os outros 10% podem se sentir injustamente desavisados. E isso traz ainda mais um dilema: se ACC é indicado apenas aos que já passaram previamente por todo tipo de simulador, qual seria o diferencial do pacote oferecido pela 505 Games, principalmente em um campo tão cheio de competidores de peso?
Ultrapassa a concorrência?
Os diferenciais existem, mas infelizmente nem todos são positivos. A condução dos veículos é mais rigorosa, com atenção à física realista, mas a IA inconsistente dos oponentes acrescenta uma dose de frustração, por vezes te jogando com tudo pra fora da pista nas ultrapassagens. O exterior das máquinas é belo e detalhado, mas o interior deixa a desejar em comparação com o cockpit imersivo de Project Cars com seu efeito de profundidade. Os sons, pelo menos, são 10.
Ou seja, para tudo que Assetto Corsa Competizione faz bem, há outra coisa que trai essa qualidade. Posso continuar e falar que as recriações dos circuitos são bacanas, mas que já os vimos muitas vezes antes e com gráficos mais atraentes. O jogo foi construído na Unreal Engine 4, e embora a engine renda grandes resultados como em Final Fantasy VII Remake e Hellblade, aqui ela mostra mais uma vez porque continua tão controversa nos consoles da geração atual.
Mesmo sem efeitos de pós-processamento aparentes e nem texturas complexas, Assetto Corsa Competizione roda apenas a 30 quadros por segundo no PS4 e no Xbox One, algo que com toda certeza machuca o apelo do jogo. Não bastassem os controles difíceis de calibrar em um joystick, que nunca é a opção ideal para um simulador de corridas mas que deveria sempre ser bem implementado, a taxa de quadros mais baixa torna difícil reparar as nuances do sistema de física.
Isso quer dizer que quando um carro com pneus gastos começar a derrapar, estamos alguns milisegundos atrasados para controlá-lo com sucesso e corrigir sua orientação com um único analógico, resultando em uma corrida de 20 min fracassada. Fora que há atrasos em comandos que independem de FPS, como nos pit-stops, em que os direcionais que usamos para selecionar o que será trocado ou não no carro demoram segundos para registrar o input do jogador, custando um tempo muito valioso.
Oferecendo modos limitados, incluindo um multiplayer cujas salas ainda estão todas fechadas, Assetto Corsa Competizione vai depender da disposição do jogador médio em olhar o lado bom da experiência em detrimento dos demais pormenores se quiser passar da fase do “git gud”. Já os profissionais devem embarcar mais facilmente na diversão hardcore, mas será que o título vai impressioná-los com tantas outras opções disponíveis?