Gosto ainda mais dos jogos indies quando eles realmente tem aquele jeitão de um trabalho independente. Uma direção de arte diferenciada, certas limitações de movimentação ou câmera (que não comprometam a experiência) e aquele cuidado extremo com a história. Degrees of Separation está nesse grupinho seleto de gratas surpresas que consegue surpreender desde o primeiro momento.
Basta começar nesse universo mágico para se apaixonar pela proposta e trabalho da Moondrop, um estúdio norueguês que, julgando pelos projetos anteriores, parece ter encontrando um bom título para receber seu devido reconhecimento. Prepare-se para embarcar numa aventura que poderia muito bem estar nas páginas de um livro ou muito bem interpretado como um audio book, mas que necessita da sua interação e reflexão para se tornar um projeto ainda maior.
Let it go
Degrees of Separation parte da premissa básica sobre os opostos se atraírem sendo contado através de uma história simples e bem construída sob a sua perspectiva (ou da narradora). Quase como um conto de fadas, praticamente uma versão indie de Frozen, acompanhamos a jornada de Ember e Rime, dois seres mágicos que vivem em realidades paralelas e que coexistem em um mesmo espaço-tempo. Oi? Como assim?
Ember vive em um lugar quente, florido e alegre, enquanto Rime deixa seu trono num lugar gélido, pálido e monótono, ambos no mesmo local/universo. E você acompanhará os dois lados em busca daquilo que ambos desejam. Mas o que será? Equilíbrio? Um amor desconhecido? Aventura? Para isso, você precisará jogar para ter sua própria reflexão sobre o que é essa jornada e a reflexão por trás das suas temáticas.
Ember carrega o calor enquanto Rime traz o frio. Os desenvolvedores conseguiram transformar essa dicotomia em mecânica ao aplicar em um título plataforma. Uma barreira entre as duas temperaturas será sua principal ferramenta para resolver os vários puzzles pelos cenários, que variam entre florestas, castelos e tumbas.
Para dificultar o gameplay e adicionar mais desafio aos obstáculos que exigirão estratégia e alguns minutos de raciocínio, o estilo 2D não permite que os personagens atravessem um ao outro. Você precisará tirar um da frente do outro ou pular por ele para fazer a divisão da tela alcançar os dispositivos pelo cenário que abrirão caminho para você.
Rime congela águas e faz bolas de neve crescerem ao serem empurradas, Ember faz o gelo derreter e gêisers jogarem os personagens pelo cenário. Em outros momentos do jogo, essas habilidades ganham mais força e na terceira parte, acho que os desenvolvedores exageraram na criatividade e fizeram esses poderes de gelo e fogo irem além da simplicidade proposta pelo jogo.
Talvez isso tenha aparecido como necessário durante o desenvolvimento por conta da narrativa e a resolução que o jogo possui. O problema é que muito dos primeiros puzzles seriam mais fáceis com esses poderes, e os finais não possuem dificuldade maior para justificar essa mudança no gameplay.
Ao fim, a falta de uma curva de aprendizado mais sólida faz com que o final seja mais breve e fácil do que os desafios iniciais. Não depreciando a experiência, mas os menos pacientes podem abandonar o jogo pela falta de desafio, por maior primor com que a história e a arte do jogo funcionem em conjunto para mantê-lo jogando.
Ainda em uma tentativa de manter sempre o interesse do jogador, temos os lenços como coletáveis para encontrar pelos cenários, devendo juntá-los para alcançar as próximas áreas desse jogo. Infelizmente os desenvolvedores não pensaram em um formato bom o suficiente para apontá-los em um mapa ou um sinais que sejam de fácil identificação, que indiquem onde eles se encontram nos locais pelos quais passamos e exploramos.
Os opostos fazem um bom jogo
Enquanto eu jogava Degrees of Separation, eu não conseguia parar de pensar sobre estar interagindo com uma obra de arte. Cenários vibrantes, com profundidade e que brincam com as cores quentes e frias, até mesmo misturando o vermelho e o azul em alguns pontos como, por exemplo, as chamas e rajadas de vento. Quase como um teatrinho, feito com personagens e cenários recortados, em frente à uma belíssima pintura de fundo.
Por mais que a ilustração dos personagens seja inferior às ambientações criadas e a movimentação deles pareça até mesmo vir de um trabalho de faculdade, por ser rústica e limitada com movimentos minimalistas e quadrados, o conjunto faz Degrees of Separation algo único.
A calma trilha sonora, por sua vez, intercala com a narração que surge para pontuar os acontecimentos, ao mesmo tempo em que ganha espaço e contribui para sua imersão naquele mundo mágico. Com certeza, já ocupa um lugar de destaque entre as trilhas que ouviremos durante 2019, agradável a ponto de realmente nos transportar para um mundo mágico e digno de uma animação.
Nesse conto de fadas moderno e muito bem construído, que depende do jogador para ir muito além das mecânicas propostas pelos desenvolvedores, o visual e a trilha ajudam no uso da mecânica que envolve os elementos. Diversas vezes me peguei brincando de colorir os cenários ou deixando-os gélidos, antes de descobrir sem querer uma solução ou até mesmo cair numa imersão maior para resolver puzzles mais complexos.
A possibilidade de jogar em modo cooperativo com outro jogador vai deixar a diversão ainda maior. Seja sozinho ou acompanhado, tudo favorece para que você siga a aventura sem medo de arriscar e tentar qualquer tipo de resolução, afinal Ember e Rime não vão morrer e você não terá chefões para combater pela frente.
Exatamente por conta desses detalhes, considero Degrees of Separation um bom jogo indie, principalmente após ver a evolução que teve desde seus estágios iniciais de desenvolvimento (veja neste vídeo). Mas também acredito que ele poderia ser ainda melhor como uma obra literária. A narrativa supera em tudo os desafios, quebra-cabeças e level design, que no fim ainda criam em conjunto um bom pacote!