Há seis anos surgia um novo gênero chamado “soulslike”, referindo-se a jogos que se baseiam nas ideias estabelecidas por Dark Souls. Críticos do termo defendem que ele soa mais como uma colagem de mecânicas do que como um gênero em si e Immortal Planet com certeza não veio para tirar esse estigma, já que a grande maioria das suas mecânicas parecem, pelo menos superficialmente, terem sido copiadas na cara dura do já clássico da FromSoftware. Assim, para evitar repetições, não irei apontar sempre que uma mecânica for soulslike: quem já jogou Dark Souls vai reconhecer as similaridades, e quem não jogou talvez até se beneficie em encarar Immortal Planet por uma ótica mais imparcial.
Immortal Planet é uma carta de amor à Dark Souls e o segundo game desenvolvido por Tomasz Wacławek, criador de Ronin, que atualmente assina como teedoubleuGAMES. O jogo narra a história de uma pessoa misteriosa que acorda em um planeta aparentemente congelado, onde há alienígenas imortais querendo te matar. Se eu estou sendo vago é porque o jogo também é. Há muito sobre o lore a ser descoberto nas descrições dos itens e, logo após o tutorial, você encontra um personagem que te manda em uma missão que serve para dar ao jogador um senso de propósito dentro daquele mundo e, narrativamente, dá início à saga do protagonista. Mas no final das contas dar propósito ao jogador soa como a única razão pela qual o jogo tem uma narrativa – ela não é particularmente interessante e não contribui de forma significativa para a experiência. Assim é sensível que ela escolha ficar fora do caminho do jogador.
Immortal Planet aposta todas as suas fichas no gameplay, mais especificamente no gameplay loop. Não que não existam decisões que pesam a longo prazo, mas o coração da experiência está no arco de ações que o jogador realiza entre checkpoints. Assim, é muito bom saber que ele funciona tão bem, oferecendo uma experiência tensa, profunda e particularmente satisfatória.
A alma do imortal
O combate é o grosso do jogo, já que matar alienígenas é o que você vai fazer 80% do tempo. Comparado à hack n’ slashes como Bayonetta ou God of War o combate é lento e metódico, e parte disso é devido ao sistema de estamina. Você estará sempre de olho na barra de energia, já que ela dita sua capacidade de realizar qualquer ação: golpear, defender, esquivar, correr, usar items ou magias. Esses são os verbos que comandam o combate e todos eles consomem energia rapidamente. Isso cria uma dinâmica interessante em que os confrontos são compostos de micro escolhas, tomadas geralmente em uma fração de segundo. Arrisca mais um golpe ou esquiva e recupera energia? Bloqueia ou tenta acertar uma magia de atordoamento? Essas micro decisões tornam o combate profundo e incrivelmente interessante, mesmo que ele exija domínio e até pareça um pouco difícil demais nas mãos de um iniciante.
Essa dificuldade alta faz com que planejar cada movimento acabe parecendo uma maneira mais viável de jogar. Você vai morrer incontáveis vezes entre cada par de checkpoints, ao mesmo tempo que irá aprender um pouco mais sobre a topologia da fase, as armadilhas e a posição dos inimigos. Assim o jogador inevitavelmente começa a criar estratégias para lidar com as situações apresentadas, e nessa repetição é natural tentar encaixar as estratégias aprendidas para tentar completar a fase da maneira mais eficientemente possível, já que há recursos consumíveis dos quais falarei mais adiante.
Joguei bastante seguindo esse metagame de planejamento, mas às vezes em que meus planos deram errado acabaram sendo os momentos mais divertidos do jogo. Quando você comete um erro bobo que te coloca em uma situação para a qual não planejou, com inimigos te atacando de todos os lados, o que resta é improvisar. Quando isso acontece o jogo assume uma cadência similar à de um jogo de ritmo misturado com bullet hell, com o jogador tendo que raciocinar rápido para executar o movimento certo na hora certa e acabar não sendo golpeado ou ficando sem estamina. São em momentos assim que o jogo realmente brilha, gerando momentos de tensão e adrenalina impossíveis de se replicar em um jogo com mecânicas de combate mais simples. Ou seja, é possível encarar e se divertir com Immortal Planet fazendo uso de estratégias ou não, obviamente enfrentando desafios diferentes.
Para tentar guiar o jogador durante o improviso o desenvolvedor adicionou o elemento de aleatoriedade, que acaba sendo o primeiro grande problema do jogo. Espalhadas pelas fases há plataformas que guardam um refil de HP, que é consumível e normalmente só é recuperável de outra forma nos checkpoints. Em um jogo tão tenso como esse, encontrar esse refil deveria ser um momento de alívio, mesmo que momentâneo. Porém aleatoriamente algumas dessas plataformas carregam também um tipo de inimigo que pode acabar com você com alguns poucos golpes. Não há como prever quais plataformas terão inimigos, já que elas mudam a cada morte do jogador, e quando você ativa a plataforma já é tarde demais. Esses spawns são raros o suficiente pra você esquecer de ficar alerta, porém frequentes o suficiente para estragar várias partidas e frustrar o jogador.
Immortal Planet usa sprites 2D com hitboxes (áreas de dano) simples, e segue uma perspectiva isométrica. Tal visual é perfeito para entregar um combate preciso e com ambientes fáceis de entender. Isso conta como ponto positivo, já que qualquer movimento em falso pode te custar caro. Jogos similares sofrem nesse sentido por serem em 3D, o que torna Immortal Planet uma leitura interessante do gênero soulslike. Em contrapartida, talvez para economizar no orçamento ou talvez até para dar uma sensação ágil e seca aos movimentos, as animações 2D têm poucos frames. Algumas técnicas exigem movimentos precisos, como por exemplo uma habilidade que recarrega a estamina se o jogador esquivar de um ataque no movimento exato. Assim a falta de animações mais complexas que comuniquem melhor as ações dos inimigos faz com que seja difícil saber o momento exato de agir.
A vida é feita de escolhas
Eu falei das micro decisões que permeiam o combate, mas também há um outro tipo de escolha que completa a efetividade do gameplay loop. Todo inimigo morto dá uma quantidade de XP, que é usado nos checkpoints para evoluir as habilidades do personagem (dano, vida, uso de magias e afins). Se você morrer, porém, o XP que você carrega fica no local da morte para ser recuperado na próxima partida. E se você morrer de novo sem ter recuperado o XP da partida passada ele é perdido para sempre. Essa volatilidade faz com que o jogador queira liquidar a experiência que carrega o mais cedo possível, já que leveis por sua vez nunca são perdidos. O problema é que ao usar o checkpoint todos os inimigos renascem. Isso deixa o jogador constantemente inseguro, querendo voltar para a base para salvar o progresso, mas isso é contrabalanceado pela vontade de completar a fase, criando assim uma mecânica interessante de risco e recompensa.
Além disso existem as magias, que são encontradas pelo jogo e que são essenciais para causar um dano efetivo em inimigos mais fortes. Elas têm diversos efeitos, e as que você escolhe equipar (quatro no total) vão afetar e ao mesmo tempo refletir o seu estilo de jogo. Algumas causam dano em área, outras congelam os inimigos e outras até os empurram, abrindo espaço para manobras e os derrubando nos precipícios, se usada com estratégia. A questão é que elas têm uso limitado e só podem ser recarregadas no checkpoint. Isso adiciona um elemento de gerenciamento ao jogo e reforçam a escolha de voltar a base versus seguir em frente. Há quem diga que um game bom é aquele que oferece escolhas significativas ao jogador, e nesse sentido Immortal Planet dá um show.
O level design merece menção, já que ele faz um bom trabalho em ensinar certas mecânicas emergentes. Por exemplo, há um momento em que ao cruzar uma certa linha invisível dois inimigos equipados com armas a distância aparecem te cercando. Após morrer várias vezes nessa seção e me sentir injustiçado eu entendi que poderia correr para as costas de um deles e fazer um atirar no outro. Essa situação é pensada para ensinar ao jogador que é possível fazer atiradores acertarem aliados, mudando a situação à seu favor. Há outros momentos de aprendizado similares, em especial com minas de proximidade, mas não estraguemos a surpresa. Sim, às vezes o jogo te mata para te ensinar, mas é importante frisar que sempre há uma chance para recuperar o XP perdido, o que faz a possível injustiça se transformar em motivação. O level design também guarda surpresas na forma com que as salas são estruturadas, desenhadas para surpreender constantemente.
Por último é importante mencionar o design de som. A trilha sonora é simples, sendo composta quase completamente por sons incidentais que evocam um clima de solidão e desolamento, que por si só é no mínimo efetiva. Mas durante certos encontros, em especial com inimigos grandes, o som fica cheio de graves que, junto com a vibração do controle a cada passo, consegue passar uma sensação de grandiosidade e perigo que o visual simples talvez não consiga expressar sozinho. Isso é design eficiente.
No grande esquema das coisas, Immortal Planet joga como um Dark Souls destilado. Você não precisa estudar builds, criar mapas mentais complexos ou entender mecânicas super profundas. É tudo sobre decisões a curto prazo, sobre o gameplay de momento a momento. Nós definitivamente não precisamos de outro Dark Souls, já que o próprio cumpre bem essa função. Mas já que a ideia de soulslikes pegou, Immortal Planet talvez seja o único até agora que faça sentido, oferecendo uma experiência simplificada em certas áreas, mas bem sucedida no que tenta fazer.
Prós:
🔺 Combate profundo e metódico
🔺 Gameplay loop cativante
🔺 Fases bem planejadas
Contras:
🔻 Elemento de aleatoriedade
🔻 Animações truncadas atrapalham o gameplay
Ficha Técnica:
Lançamento: 27/07/17
Desenvolvedora: teedoubleuGAMES
Distribuidora: teedoubleuGAMES
Plataformas: PC