Mais de 35 anos de sua estreia nos cinemas, “Tron: Uma Odisseia Eletrônica” continua inspirando os jogos eletrônicos, nos quais, circularmente, também se inspirou. E toma de luzes de neon, velocidades frenéticas, personagens minimalistas formados por figuras geométricas, perigos mortais e vozes cibernéticas.
ZIQ funciona como uma espécie de resgate realizado pela Midnight Sea Studios. Um resgate de uma era que nunca se foi por completo e tem som, cheiro e ritmo de fliperamas escuros, onde sua ficha ia embora em questão de segundos e sua carteira em questão de minutos. Há diversão aqui para aqueles que tem reflexos de ninja e disposição para morrer infinitas vezes.
Se entregue à batida
Por incrível que pareça, ZIQ tem um enredo: você é uma espécie de organismo sintético (o protótipo Z da série IQ) que precisa provar o seu valor em uma sucessão de testes de vida ou morte, para não ser erradicado pela inteligência central Swarm ou algo assim. Não é nada que você vá encontrar no jogo, e não vai saber disso a menos que tenha lido no site oficial. Não importa. Você não vai ter tempo para historinha, uma vez que seu cérebro estará 101% dedicado a desviar de obstáculos, pular, coletar, trocar de polaridade, manter-se vivo, morrer, repetir.
A jogabilidade lembra os runners infinitos tão populares nos dispositivos móveis, com uma pista gerada proceduralmente e a necessidade urgente de evitar a destruição. Quanto mais se avança, mais difícil fica, é claro. Felizmente, você tem três vidas para tentar atingir a maior pontuação possível, subir no ranking mundial e voltar à corrida sem piscar. Seus desenvolvedores sabem que o importante nesse tipo de jogo é não deixar a adrenalina baixar e antes que você se dê conta já vai estar correndo novamente
A velocidade é o fator principal de desafio, assim como a necessidade de prestar atenção na tela para ser pulverizado. A música eletrônica composta pela Badass Wolf Shirt (BAWS) exerce a mesma função daqueles jogos clássicos que piscavam e pulsavam nos antigos arcades: criar uma batida que envolve e impulsiona o jogador a focar tão somente em sua sobrevivência.
Seus esforços são patéticos!
Entretanto, sobreviver, ir mais longe do que antes não significa nada para o universo implacável de ZIQ e seu mestre. É preciso coletar esferas de energia nas cores e nos momentos certos, encadear sequências e desbloquear, eventualmente, combos que aumentam a pontuação e aniquilam obstáculos.
Nesse desafio pulsa não apenas o maior trunfo quanto o maior problema de ZIQ. A pontuação estimula a competitividade com um quadro mundial que computa os resultados de todos os jogadores nos mais diversos cantos. Não vou negar o orgulho de ver minha modesta performance subir da 44.ª para a 32.ª posição, mesmo com um número limitado de competidores (antes do lançamento, formado possivelmente apenas por jornalistas e YouTubers). Porém, o confuso sistema de pontos e seus valores é explicado rapidamente no tutorial, mas não faz muito sentido. Como o pobre personagem amorfo que dá nome ao jogo, você vaga por essa semi-escuridão condenado a uma existência que não compreende em sua plenitude.
Para complicar sua miserável situação, você não está sozinho exatamente. A cada parte do trajeto, a voz eletrônica da Swarm comenta sua evolução, caçoando sem dó nem pena de seus fracassos e, vez ou outra, elogiando seus resultados. Jogadores com baixa auto-estima vão achar a narração irritante. Os demais jogadores terão certeza. Não que o dublador Mitchell Dostine não realize um bom trabalho (e ele parece se divertir no papel), mas aqui, ao contrário do que acontece, por exemplo, na franquia Portal, a personalidade do vilão é irrelevante e uma distração em um título que exige um nível de compenetração máximo. Dizem que a voz solta elementos da trama aqui e ali, mas não percebi, possivelmente porque aprendi a ignorá-la.
Talvez também faça parte da estratégia da desenvolvedora para desestabilizar o jogador o fato que a configuração dos botões se perde a cada sessão. Se você optar por utilizar as teclas padrões de fábrica, não há problema algum. Mas, se você quiser customizar os botões, prepare-se para ZIQ cruelmente esquecer tudo de novo sempre que for aberto novamente. Bug ou maldade? Jamais saberemos. Atualização: os desenvolvedores entraram em contato, identificaram o problema e ele já foi corrigido!
Felizmente, não há outros bugs perceptíveis no jogo, que nem precisa disso para ser cruel o suficiente para enervar, mas nunca o suficiente para convencê-lo de desistir. Desta forma, entre uma colisão e outra, entre uma zombaria e outra da Swarm, troco minhas cores, troco meus botões e tento de novo e de novo, dessa vez sem fichas, chegar ao limite, ao meu limite, qualquer limite, desse túnel cibernético sem fim.