Skip to main content

Costumo ser aquele cara chato que não gosta de remakes, que sempre prefere jogar os jogos antigos como eles são, ou então jogar jogos novos, inteiramente novos. Por sorte, nem todo mundo é besta como eu: Omar Cornut, superfã dos jogos e consoles de 8 bits da Sega, que cresceu jogando, sempre preferiu dar aquele talento em obras já publicadas a criar coisas do zero, e foi assim que surgiu a ideia de fazer um remake em alta definição de Wonder Boy III: The Dragon’s Trap, lançado para Master System em 1989.

Emular é reviver

Cornut é um veterano na cena da emulação, autor do clássico emulador MEKA, que roda desde SG-1000 até Master System, passando pelo Game Gear. Ele trabalhou por anos com desenvolvimento de jogos em diversas empresas e países diferentes, mas quando decidiu montar seu próprio estúdio e fazer um jogo independente, concluiu que seria muito mais fácil fazer um remake de um jogo que ele conhecia bem do que criar um jogo do zero. Fã e grande conhecedor que era dos bits e bytes de Wonder Boy III: The Dragon’s Trap (Monster World II, no Japão, e Turma da Mônica em: O Resgate, no Brasil), a ponto de Ryuichi Nishizawa, autor do jogo, dizer que Cornut conhecia a programação do jogo melhor que ele próprio, decidiu fazer mais uma homenagem ao game (o nome de seu emulador já havia homenageado o Meka Dragon, primeiro chefe de Dragon’s Trap), na forma de uma versão em alta definição 1:1 com o original.

Modo retrô do remake

E foi exatamente isso que ele fez: virou a ROM do jogo do avesso através de engenharia reversa e desenvolveu gráficos novos baseados nos antigos e proporcionais a eles, com precisão de um pixel. Junto a este esmero técnico, Cornut convidou o talentoso ilustrador, animador e ex-colega de outros projetos Ben Fiquet para cuidar pessoalmente da arte do projeto, o que garantiu personagens e cenários simpáticos e cativantes. Além disso, toda a trilha sonora do jogo foi refeita com instrumentos clássicos reais, tomando-se o cuidado de utilizar instrumentos egípcios na trilha do cenário que remete às pirâmides dos faraós, instrumentos japoneses na trilha do cenário japonês, e assim por diante.

Uma característica original e surpreendente deste jogo, fruto da obsessão em recriar todas as características do original no remake, é a possibilidade de se chavear os gráficos entre originais e novos ao toque de um botão, assim como a trilha sonora. Suavemente. Em tempo real. Confesso que meu queixo caiu quando testei a funcionalidade. Tentei deixar a transição gráfica registrada em uma tela (abaixo), mas recomendo testar pessoalmente para sentir o impacto.

Uma imagem vale mais que mil palavras

O resultado de todo este cuidado é o apuro em todos os aspectos do jogo, incluindo replicar com perfeição todas as físicas do original, com direito a expor detalhes curiosos, como uma barra de progresso que é apresentada enquanto o jogador pressiona o direcional para cima, ilustrando que era (e permanece sendo) necessário segurar o comando por mais tempo do que se imagina para abrir as portas.

Mecânicas old-school preservadas

Diga-se de passagem, as portas são o elemento fundamental do funcionamento do jogo. Segundo Nishizawa, além de interconectar todas as partes do mundo de Dragon’s Trap, as portas deixam o jogador curioso, incentivando-o à exploração. Portas trancadas levam o jogador a explorar o cenário em busca de uma chave.

Tudo isso foi muito bem explorado por Resident Evil, no final dos anos 90, com direito ao acréscimo do suspense aterrorizante intensificado pelo ranger da porta que se abria, em uma mansão também toda interconectada por portas. Dragon’s Trap, porém, apresentava uma complexidade a mais: o amaldiçoado Hu-Mano vai sendo transformado em diversos animais conforme vai derrotando os chefes dragões: Lagarto, Piranha, Rato, Leão e Falcão. Conforme as características de cada uma das formas do personagem vão sendo dominadas, novos trechos do mundo tornam-se acessíveis, assim como novas lojas para comprar novos e melhores equipamentos.

O que será que tem atrás desta porta?

Em linhas gerais, a jogabilidade é simples e intuitiva, assim como os desafios que o jogo propõe. Basicamente, é possível dar espadadas, saltar e usar itens como bumerangue (meu preferido, já que se você o pega após lançá-lo, sua contagem não é reduzida) e bolas de fogo, o que é suficiente para derrotar os inimigos, chefes e dificuldades propostas pelo design das fases. Para além disso, o Rato passa por passagens mais estreitas e pode andar nas paredes e nos tetos quadriculados; o Falcão voa; a Piranha nada e por aí vai.

A cada novo cenário descoberto pelo jogador, novos tipos de inimigos vão aparecendo, assim como inimigos reaparecem com outra coloração, indicando que estão mais fortes. É o mesmo recurso utilizado frequentemente nos jogos da época, como os soldados do Footclan das Tartarugas Ninjas ou os Slimes de Dragon Quest. Assim como no RPG, é necessário procurar equipamentos que melhorem as características do personagem antes de avançar para trechos mais perigosos, o que leva o jogador a quebrar um pouco a cabeça até conseguir acessar aquela porta ou aquele baú, assim como os jogadores mais empolgados são capazes de sair procurando as portas secretas do jogo, que são muitas.

Uma verdadeira carta de amor

Infelizmente, para quem jogou o primeiro jogo, não há novas portas secretas para serem descobertas ao longo do jogo, assim como não há novos chefes, novos inimigos, novas transformações. Obviamente, a inserção de novidades estava fora do escopo do projeto desde o início, já que a ideia era criar uma réplica o mais fiel possível ao original.

Uma única inclusão foram algumas áreas secretas específicas para cada uma das formas do herói, que quando totalmente superadas habilitam a compra de uma arma especial. Após o final do jogo, caso o jogador tenha se empenhado em vasculhar cada canto do jogo em busca das áreas secretas, novas portas secretas serão ativadas na vila inicial, permitindo que o jogador enfrente novamente qualquer chefe do jogo com qualquer forma do herói que ele quiser. Como essas áreas secretas são bem pentelhas, especialmente a do Lagarto (e encontrei apenas três até o momento), não considero este prêmio suficiente para me martirizar por ele. Caso houvesse um final especial ou um novo chefe surgisse, provavelmente eu exigiria mais de mim mesmo.

Testar no Master System…

Seja como for, uma verdadeira carta de amor de Cornut para quem já havia jogado a versão de Master System é a possibilidade de usar neste remake os passwords que você anotou naquele caderninho que está até hoje no fundo da sua gaveta! Assim como os passwords novos que você pega neste jogo também são válidos para a versão de Master System, o que torna este remake ainda mais especial, principalmente no quesito nostalgia.

No meu caso, como cresci jogando Nintendinho, não Master System ou qualquer outro console da Sega, a experiência dupla de jogar simultaneamente Turma da Mônica em: O Resgate no Master com meus filhos e o Dragon’s Trap no PC tem sido muito gratificante, já que tudo é novidade para mim, e isso fez com que eu não parasse de jogar até ver o final do jogo.

Recomendo muito jogar este jogo

Por estar jogando ambas as versões em paralelo, fico com a ligeira impressão de que o remake ficou mais fácil que o original em relação aos danos causados pelos inimigos, assim como algumas das portas secretas estão praticamente sinalizadas, coisa que não acontecia no original. Mais fácil ou não, é interessante observar que na época em que o jogo foi lançado, a maioria dos jogos era de ação, programados para serem terminados em uma sentada entre meia hora e uma hora. Dragon’s Trap me exigiu nove horas e meia bem gastas, sem pressa, para revelar seu final.

No original não tinha essa boiada

Se no passado ele era um jogo que se diferenciava por resistir a uma sentada rápida, hoje, tempos de jogos muito mais consumíveis, com punhados de bons games a um dólar nos Humble Bundles da vida, Wonder Boy: The Dragon’s Trap se apresenta como um desafio simples, interessante e prazeroso em meio a um mar de jogos cada vez mais complexos, da mesma forma que as mais de nove horas que levei para chegar no final parecem pouca coisa perto das dezenas de horas exigidas pelos jogos atuais.

Caso você tenha conhecido ou não a versão de Master System, recomendo muito jogar este remake. Ele trouxe mais do que novidades, trouxe uma homenagem muito carinhosa e competente de um garoto ao jogo que incentivou sua criatividade e curiosidade.

Review – Pepper Grinder

Renato Moura Jr.Renato Moura Jr.28/03/2024
Imagem do review de Everloop

Review – Everloop

Marco AntônioMarco Antônio28/03/2024
Imagem do review de Dicefolk

Review – Dicefolk

Marco AntônioMarco Antônio27/03/2024