Depois do sucesso que foi a franquia Nioh, a Team Ninja provou saber fazer muito bem um jogo soulslike. Quando Wo Long: Fallen Dysnasty foi anunciado, em junho de 2022, meu radar logo apitou pra ficar de olho nesse título. Um jogo ambientado na China antiga, com invasão demoníaca, magias elementais e combates cinematográficos com artes marciais? Eu definitivamente não poderia perder isso.
Wo Long: Fallen Dynasty é tudo isso e um pouco mais. Um soulslike que traz novas ideias pro gênero e as executa muito bem, como um sistema de moral que o faz ter mais ou menos vantagens sobre os inimigos. Desafiador como tem que ser, mas não tão punitivo quanto Nioh e Sekiro: Shadows Die Twice, sendo ainda mais atrativo para jogadores que temem jogos soulslike.
Invasão nos Três Reinos
O jogo acontece em um período real da história da China, entre os anos 220 e 280 d.C, quando o país estava dividido em três estados de dinastia: Cao Wei, Shu Han e Eastern Wu. Na fantasia do game, os soberanos estão atrás de Elixir, a fonte da imortalidade. Entre eles estava Qin, o primeiro imperador da China, mas sua ambição o levou a exercer uma influência sombria sobre conflitos e maquinações políticas. Muitas luas depois, o Império Han enfrentando seus últimos dias, com o Elixir mais uma vez ameaçando se tornar o catalisador que desperta os dragões dormentes.
A introdução de Wo Long: Fallen Dynasty mostra o ataque dos Turbantes Amarelos e vários dos chefões que se enfrenta ao longo do game, com destaque ao Taoísta de Preto, o vilão principal. O protagonista, um soldado da milícia criado pelo jogador, salva um rapaz vendado. Ferido, nosso herói (ou heroína) sobrevive graças ao poder de um talismã de proteção. E assim começa a jornada, com o primeiro campo de combate sendo um vilarejo em chamas na Província de Xu, em 184 d.C.
A tela de criação de personagem é muito completa, com diversas opções pra modificar a aparência, e dá pra perder um bom tempo nela. Caindo no primeiro combate, o jogo te explica o essencial: ataque normal, ataque espiritual, golpe fatal (por trás ou pulando por cima do inimigo), defesa, defletir (parry), uso de itens, as magias iniciais, habilidades que as armas dispõem para executar segurando o botão R1, o gerenciamento de inventário, etc.
A novidade no gameplay começa com uma barra de espírito dividida em dois medidores, esquerdo e direito. Ela mostra o quanto de ataque seu personagem está tomando (mesmo que esteja defendendo) ao lado esquerdo, na cor laranja, e o quanto está subjugando o inimigo, no lado direito e na cor azul. Os inimigos possuem essa mesma barra. Quando o lado esquerdo enche, qualquer ataque que levar vai quebrar a sua defesa, causando atordoamento por alguns segundos. E o oposto ocorre quando você enche a barra azul, permitindo um golpe mais poderoso (e cinematográfico) contra o inimigo. Isso amplia bastante as possibilidades de estratégia em combate.
Outra ideia fresquinha é o sistema de moral, uma classificação de destemor que aumenta o dano causado e diminui o dano recebido. Você sobe a classificação até 25 dominando pontos do mapa infincando sua estandarte (que você pode personalizar), sendo que os maiores funcionam como as fogueiras de Dark Souls, pra recuperar o fôlego e resetar os inimigos. Se morrer, voltará pro nível mínimo garantido pelo seu domínio do mapa. Aí o jeito é recuperar espíritos e destemor se vingando do inimigo que te matou. É um sistema bem legal, que ajuda a não frustrar o jogador após morrer várias vezes.
O sistema de moral também é aplicado no lado dos inimigos: ao derrotar um líder, de nível alto, a moral dos inimigos em grupo enfraquecem junto. Se houver uma bandeira roxa por perto, você ainda pode dar um Pote de Cura do Dragão pra vingar aquele jogador derrotado. Se vencer o inimigo que o derrubou, você ganha moral extra. É uma forma de turbinar o rank mais rápido.
As cinco virtudes
Como de praxe em soulslike, você tem os espíritos pra acumular e subir de nível. Em Wo Long: Fallen Dynasty, essa evolução ocorre gastando pontos em cinco virtudes: madeira, fogo, terra, metal e água. Cada uma tem um efeito contra outra em combate (fogo vs gelo, por exemplo) e confere melhorias específicas para o personagem, como a água aumentando sua chance de defletir golpes e a terra aumentando o peso máximo que consegue suportar. Caso desejar refazer suas escolhas, fica tranquilo: em pouco tempo você abre a hub do vilarejo, onde fica a ferreira e outros personagens com quem faz aliança ao longo da história.
Estas mesmas virtudes são usadas como magias lançadas pelo jogador com o gatilho R2, junto à um sistema de “cooldown”. E não serve apenas pra jogar fogo, gelo e coisas do tipo, mas também para embuir um efeito na arma ou mesmo recuperar vida ao acertar golpes nos inimigos. Atingindo níveis específicos, o jogador ganha pontos pra gastar nas habilidades das cinco virtudes. Cada uma exige um nível para ser utilizada, mesmo que você a desbloqueie. Por fim, em uma bandeira principal, você define quais magias quer para cada atalho.
Calma que não acabou! Temos ainda os Reforços, que são figuras históricas reais de suporte com sistema de nível próprio e que o ajudam em combate. Estes guerreiros são apresentados ao longo da campanha, sendo adicionados à sua lista para convocar pra batalha. Você gasta um Selo do Tigre e pode ter dois companheiros ao seu lado, cujo a inteligência artificial funciona bem na maioria das vezes. No combate em trio ainda é dado mais uma opção interessante, uma espécie de grito de guerra que enche sua barra laranja mas, em troca, faz com que os NPCs ataquem com tudo. E você ainda pode levantar um guerreiro caído quando precisar, pra não ficar sem a sua ajuda.
E pra fechar, você conta também com Feras Divinas desbloqueadas no seu talismã ao matar os chefões. São criaturas mágicas que conferem habilidades específicas, sendo ativadas quando a barra de invocação encher. Elas são extremamente úteis quando estiver enfrentando muitos inimigos de uma só vez ou no sufoco contra um chefão. Use só quando realmente não houver outra opção, pois a barra demora pra encher.
Wo Long: Fallen Dynasty é um RPG bastante completo, com um inventário que organiza muito bem seus equipamentos, com filtros pra tudo e trazendo informações claras para definir qual elmo, armadura, manoplas, grevas e outros itens usar. A tradução em PT-BR, por sinal muito bem feita, certamente ajuda muito. Você deve priorizar os itens raros com mais slots (aqui identificados por estrelas), que trazem efeitos adicionais, do que necessariamente os que mais dão dano.
A beleza das artes marciais
O combate é extremamente rápido e gracioso, dando a mesma sensação de recompensa ao jogar Ninja Gaiden. Defletir com sucesso e realizar um contra-ataque, quebrando a defesa do inimigo pra encaixar um golpe fatal, é prazeroso demais. Golpe aéreo ou uma flechada mortal na cabeça então, mais gostoso ainda. Da mesma forma, um demônio qualquer pode te surpreender e dar uma trabalheira danada. Mas, de modo geral, são os chefões que mais desafiarão os jogadores. São lutas épicas, geralmente com etapas. Agora se você morrer muito, melhor respirar e ficar um tempo no grinding mesmo.
As armas também fazem parte da estratégia, mudando de velocidade conforme o tipo (13, ao total): espada, podão, lança, sabre, machado, cimitarra, etc. Você pode carregar duas e alternar entre elas a qualquer momento, fazendo o mesmo também com itens arremessáveis (facas, flechas e bombas). É tudo bem prático, até mesmo no consumo de espíritos (coágulos de Qi): você escolhe a quantidade e consome tudo de uma só vez, sem a limitação que vemos em Elden Ring, consumindo um a um.
O loot também inclui aço e couro, identificados por classes, e que são usados pela ferreira para construir novos itens ou melhorá-los. Aqui entra mais uma adição extremamente bem vinda: a possibilidade de retirar e encaixar jóias em seus equipamentos. Você pode inclusive reciclar a tralha que acumulou pra obter fragmentos de jóias e investir em novos efeitos para os seus equipamentos.
Agora o que eu mais gostei foi a opção Decorar: você pode mudar a aparência de todos os seus equipamentos pra ter o visual de outro que obteve, sem alterar os seus atributos. É apenas cosmético, mas te dá a liberdade de ter o visual que preferir. Dando de exemplo, minha heroína estava com uma armadura imensa e um elmo que parecia o capacete do Juggernaut. Troquei tudo por vestimentas leves, para dar um ar de agilidade no combate. Esta possibilidade permite tirar várias fotos caprichadas no modo de fotografia, presente no game.
Um soulslike diferenciado
Tem tanta coisa legal em Wo Long: Fallen Dynasty que fica difícil descrever tudo em um review. Tem demônios tipo pandas (Shitieshou) pra encontrar, que comem metal e dão loot aleatório em troca, tem co-op online, você pode invadir ou ser invadido por jogador real e NPC, etc. E há ainda outras coisas pra se fazer na hub do vilarejo, como usar pontos de Distinções (obtidas com vinganças) para trocar por itens, gestos e baús, entregar escrituras para um NPC ler e besouros dourados para outro comer e assim obter recompensas valiosas.
Minha única crítica vai para a engine gráfica, que a Team Ninja insiste em usar a mesma há um bom tempo, impedindo o game de ser muito mais bonito. Não me entenda errado, o visual é muito bem feito, tanto quanto a trilha sonora e design de cenários e inimigos. Mas se o jogo tivesse o visual do remake de Demon’s Souls (PS5), por exemplo, seria fantástico demais. Também enfrentei alguns engasgos na taxa de quadros, mas nada que comprometesse a experiência.
Wo Long: Fallen Dynasty é fantástico do começo ao fim, com duração que passa facilmente das 35 horas se decidir explorar tudo. Não é um jogo de mundo aberto, mas seu esquema de áreas acessíveis por mapa funciona muito bem. A história tem o ritmo certo, você pode optar pelas vozes originais em chinês (ou mudar pra inglês ou japonês) e há um glossário completo para aprofundar a lore. Você também pode repetir os 7 capítulos como bem entender, acessando áreas secundárias com inimigos diferentes. Pra quem curte soulslike ou tá querendo encarar o gênero pela primeira vez, não tenho recomendação melhor.