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Uma região do mundo a qual sempre me chamou muita atenção a vida toda foi a da Europa Oriental/Leste Europeu. Uma região geralmente retratada como um local depressivo e melancólico pela mídia, sempre encoberta por pesadas nuvens e um infindável inverno. Mas nem sempre é assim: suas névoas e nuvens escondem grandes e interessantes “monstros” como pode-se ver em The Thaumaturge.

Com o sobrenatural transbordando para o que conhecemos como real, em The Thaumaturge acompanhamos Wiktor Szulski em sua jornada pela bela Varsóvia, durante uma época de grande turbulência na Polônia. Seja a relação tempestuosa com seu pai, a presença de “saudadores” – salutors em inglês – ou a mão de aço do Império Russo de 1905 as portas de uma revolução, Wiktor observa a montagem perfeita de um cenário perfeito de caos.

In sanguine veritas

The Thaumaturge apresenta ao jogador o misterioso mundo da taumaturgia, a habilidade de um mago realizar magias e milagres. Wiktor Szulski vem de uma linhagem de poderosos magos, sendo seu pai o mais poderoso que ele conhece. No entanto após uma certa fatalidade juvenil cometida por Wiktor, que já não tinha a mais saudável relação com o pai, é expulso de casa.

Imagem de The Thaumaturge

Apenas com seu salutor, um espírito guia e de proteção – uma criatura chamada Upyr, um espírito vingativo e ressentido incapaz de seguir em frente após a morte – o jogo começa anos a frente, assim que Wiktor chega em um pequeno vilarejo doente e cansado, pois sua conexão com seu salutor está fraca, o que o torna débil, mas tudo muda quando ele é curado pelas mãos de um estranho homem chamado Grigori Rasputin.

Com a ajuda do místico russo, Wiktor consegue solucionar a misteriosa morte do ancião da vila, além de conseguir dominar outra entidade que assombrava a população local, atraído pelas falhas daquele por trás deste mistério. A verdadeira narrativa de The Thaumaturge na realidade o espera em Varsóvia, onde após tantos anos terá de retornar. Afinal, um assunto urgente o espera: a leitura do testamento de seu pai.

Chegando em uma Varsóvia oprimida pelo poderoso império Russo e em atual transição de representantes do Czar, Wiktor logo se verá revivendo sua antiga vida na cidade, sendo preso logo ao sair da estação e se envolver em uma discussão com a guarda russa e até mesmo conhecer membros de uma força revolucionária contra a opressão do Czar Nicolau II.

Imagem de The Thaumaturge

Nem mesmo sob a sete palmos há paz

Wiktor é alguém conhecido na cidade, porém sua ausência de longo prazo fez muitos esquecerem seu nome e até aparência, atualmente cansada como alguém que vive se mudando de um lugar para outro. Para sua felicidade, sua família ainda o reconhece, mas para seu azar, muitos inimigos e pessoas dispostas a acabarem com sua paz, também.

Além disso, um estranho sonho assombra os cantos da mente de Wiktor, um pesadelo onde ele faz o mesmo caminho que seu pai no exato momento em que morreu, tornando tudo ainda mais instigante. Fora o estranho sonho, o único item que seu pai o deixa em seu testamento misteriosamente desapareceu. Um grimório em couro preto que carregava as anotações e conhecimentos místicos de seu pai.

Varsóvia tem se mostrado um verdadeiro ninho de segredos sussurrados pela noite e Wiktor consegue sentir a presença de outros salutors pela cidade, além do inconfundível perfume boêmio que transborda álcool, sangue e outros fluídos pelas ruas. Um lugar tão caótico e belo será o palco de grandes mistérios que ele sequer poderia imaginar participar, seja sozinho, com estranhos ou antigos aliados e inimigos.

Imagem de The Thaumaturge

Há muitos caminhos a serem seguidos pelo jogador em Varsóvia, mas todos irão levá-lo apenas à um destino final. Resta ao jogador escolher como percorrer esse percurso, quem ele terá consigo e o quão profundo ele irá se afundar no mundo do misticismo. Há um novo mundo inteiro a se descobrir pelas ruas lamacentas da cidade.

Iluminando novamente os esquecidos

Algo que me chamou muita a atenção em The Thaumaturge foi a ideia de trazer uma narrativa sobrenatural fora da Europa Ocidental e America do Norte, fazendo com que o público vire os olhos para uma região pouco retratada, mas que não deixa de ser fascinante! Claro que há outros games que retratam contos desta região como a série The Witcher, Worshipers e Black Book, mas em comparação com outros locais mais mainstream a dispariedade é enorme.

Wiktor usa os saudadores controlados por ele para manipular pessoas e descobrir segredos ocultos em itens através dos domínios de cada um destes seres. Cada salutor domina um aspecto humano e Wiktor pode usar as habilidades adquridas nos conhecimentos de cada um deles para descobrir mais sobre os locais que investiga, sendo estes aspectos Coração, Mente, Feito e Palavra.

Imagem de The Thaumaturge

Usando seu sexto sentido Wiktor consegue usar uma espécie de onda etérea capaz de localizar itens imbuídos de energia de um destes aspectos sendo necessário um certo nível para poder ler e acessar certas pistas. Estes níveis podem ser adquiridos sempre que se sobe de nível e ganhamos um ponto de habilidade que pode ser usado em um dos aspectos, fortalecendo assim seu salutor e o aspecto escolhido.

Com determinados traços do aspecto elevados e com Wiktor capaz de descobrir evidências e pistas diferentes de acordo com seu conhecimento, muitos diálogos podem acabar sendo completamente diferentes de acordo com a atual capacidade do personagem em certos aspectos. As vezes um combate poderia ter sido evitado, um segredo revelado e até mesmo um ponto importante da história ser descoberto de maneira prévia.

Stand power? Só se for da bem macabra!

Sendo um CRPG, The Thaumaturge também traz combates em turno, onde Wiktor pode usar aliados humanos ou um de seus salutors para lutar ao seu lado, cada qual com um tipo de habilidade diferente. Sendo eles Upyr, um espirito incapaz de descansar, almas imundas em decomposição sedentas por sangue dos vivos, Bakavac, uma espécie de demônio de seis braços com uma propensão para o estrangulamento de pessoas ou animais em seu caminho.

Imagem de The Thaumaturge

Lelek, um espírito em forma de ave, capaz de degradar o estado mental de suas vítimas, se alimentando de suas mentes até que não sobre mais nada, Weles antigo deus pagão Eslavo das águas e submundo, retratado aqui como um espírito da gânancia e apostas. Por último mas não menos importante há Morana, uma quinta e especial saudadora, representando uma antiga divindade ligada à morte e renascimento da natureza, a mais forte entidade entre os cinco e a mais melancólica também.

Cada um destes salutors possui um estilo de gameplay e combate diferente. Upyr possui ataques capazes de curar Wiktor, enquanto Bukavac é mais voraz e violento, com ataques físicos brutais. Lelek usa seu canto para inibir oponentes enquanto Weles trabalha através da sorte e Morana tem foco de impedir e neutralizar inimigos através da diminuição de foco deles.

O sistema de foco se dá por uma pequena barra em cima da vida dos personagens. Uma vez que ela tenha zerado, o personagem ficará suscetível a ataques mais poderosos tanto de Wiktor, seus aliados e dos salutors. Cada um possui um ataque poderoso próprio, seja Wiktor causando uma concussão, Upyr trespassando seu sabre no estômago dos inimigos ou Bukavac cravando suas presas na jugular de alguém.

Imagem de The Thaumaturge

Sobrevivendo ao inferno astral

The Thaumaturge apresenta os salutors como realmente se espera de demônios, criaturas que prescrutam nas sombras apenas esperando por uma oportunidade de ceifar a vida e se alimentar das dores dos humanos. Cada entidade que dobramos a nossa vontade é encontrado em um humano tomado por sofrimento, seja ele de culpa, remorso ou ganância. Essas “características” dos humanos afligidos pelos salutors é chamada de falha, e serve como chamariz para eles.

Sempre que Wiktor consegue domar uma nova entidade ele voltará a ficar doente, diminuindo e muito sua capacidade de combate, enchendo sua mente de “ruído” e impedindo que ele consiga prosseguir em sua jornada. Para contornar essa enfermidade, o jogador deve procurar Grigori Rasputin, repousando e praticamente mandando na casa do casal Nadarzynsk.

Usando suas habilidades místicas, Rasputin consegue colocar a mente de Wiktor em paz novamente, afinal o processo para se controlar um salutor não é nada fácil. Para se controlar essas poderosas entidades, Wiktor deve confronta-las em um plano etéreo, onde elas assumem formas gigantescas e podem controlar os humanos que os atraíram até ali, enquanto atacam a própria alma e corpo do jogador.

Imagem de The Thaumaturge

Com grande foco em investigação e solução de mistérios, o jogador descobrirá que certas pessoas em Varsóvia estão acometidas de grandes falhas em sua alma. Essas falhas inflamam como uma ferida astral aberta e com isso os salutors vem até elas, trazendo desgraça aquelas próximos a elas, levando todos a uma espiral rumo ao fundo do abismo do desespero e morte. Resta ao jogador e Wiktor impedirem isto, coletando pistas e confrontando os humanos responsáveis pelos mais diversos crimes.

Um capítulo amargo na história

The Thaumaturge traz uma narrativa ainda que fantástica, bem enraizada em cenários reais, como a dura opressão que o povo Polaco sofreu nas mãos do Império Russo, principalmente durante a época de 1830 com o processo de “Russificação da Polónia”. Um período lembrado pela violenta repressão do Czar Nicolau II aos seus opositores, usando até mesmo técnicas de “terra queimada” contra o povo Polaco.

Wiktor tem de evitar ao máximo antagonizar a força militar presente em Varsóvia, o que muitas vezes será difícil, já que há um grande movimento contra taumaturgos e místicos na região, comemorando a morte de seu pai e antagonizando como satanistas os praticantes de magia negra, como Wiktor. Mesmo com tantos opositores o jogador logo descobrirá que Wiktor possui aliados com que ainda pode contar, como sua irmã Ligia, Wanda (uma opositora do Czar) e seu antigo amigo boêmio Abaurycy.

Imagem de The Thaumaturge

Outro ponto interessante é que mesmo não sendo um boêmio como Abaurycy, Wiktor é tomado de uma enorme mágoa contra seu pai e o mesmo possui sua própria falha que o liga com seu salutor, que surgiu para ele enquanto jovem ainda. A falha de Wiktor é seu imenso orgulho, que transborda arrogância, o que pode ser visto durante os diálogos que ditam os acontecimentos do jogo. Sempre que escolhemos a opção mais arrogante, alimentamos nossa experiência e Upyr, mas podemos acabar nos dando mal.

Para aqueles que gostam de uma história de mistérios, de conhecer virtualmente locais diferentes de Londres ou cidades norte-americanas, The Thaumaturge é uma excelente pedida. Não é tão pesado e exigente no PC (versão que testei), mas pra rodar no Ultra será necessário uma configuração mais atual pra entregar os belos detalhes dos cenários. Use seu renome, suas belas roupas e cortes de cabelo para controlar as entidades de Varsóvia em The Thaumaturge!

85 %


Prós:

🔺 Excelente narrativa baseada em uma época interessantíssima
🔺 Gameplay de investigação e combate desafiadoras e satisfatórias
🔺 Excelente gráficos e trilha sonora
🔺Traz originalidade e diversidade a mesa

Contras:

🔻 Razoavelmente curto
🔻 Pouca variação de inimigos e salutors

Ficha Técnica:

Lançamento: 04/03/2024
Desenvolvedora: Fool’s Theory
Distribuidora: 11 Bit Studio
Plataformas: PC, Playstation 5 e Xbox Series
Testado no: PC