Se um dia a Nintendo se casasse com a Devolver Digital e tivessem um filho, The Swords of Ditto seria exatamente essa criança prodígio que está saindo hoje (24) para PC e Playstation 4. Talvez você já conheça essa história, mas nunca é demais revisitá-la ou ainda melhor quando ela é apresentada de uma maneira inesperada e quebrando a sua expectativa.
Apresentando um Roguelike procedural e com uma excelente escrita para os diálogos que preenchem as lacunas do que possivelmente se assemelhe com outros jogos do passado, a dev OneBitBeyond conseguiu pegar a fórmula de The Legend of Zelda: A Link to the Past e entregar um jogo “para maiores”.
Como assim para maiores? Apostando no crescimento do seu público e em uma geração acostumada com esse tipo de jogo, nada melhor do que uma pitada de sarcasmo para dar uma nova roupagem e apostar em jogadores mais maduros que apreciarão um novo velho jogo ao invés de criticarem a mesmice que esse lançamento indie possa ter num primeiro momento. Deixe de lado seu preconceito e aproveite o inusitado para acompanhar o fim do Mundo e o extermínio de Ditto!
The Legend of Ditto: A Link to the Swords
Era uma vez, a lenda de uma espada capaz de derrotar o mal em terras longínquas e desconhecidas. Com a ajuda de um ser fantástico como guia para a sua jornada, você levanta de sua cama e parte para as aventuras que o levarão ao grande vilão que ataca esse mundo por centenas de anos. No papel de um herói lendário que desperta a cada 100 anos, terá a missão de colocar um fim nesse ciclo maligno. Esse plot você já conhece, não é mesmo? O trabalho de Takashi Tezuka e Shigeru Miyamoto, responsáveis pelo Zelda de Super Nintendo em 1991, é retomado agora pela Devolver, mas sob um novo olhar e um desenvolvimento totalmente diferente. Já pensaram como Hyrule ficaria caso Ganon fosse o ganhador da última batalha? Em The Swords of Ditto a premissa é exatamente a de que a vida continua e você precisa lidar com o resultado das suas próprias ações, sejam elas positivas ou negativas.
Em Ditto, um mundinho pacato, a vilã Mormo surge como a ameaça que deve ser derrotada e um novo herói surge a cada século para evitar que os aldeões e a cidade sofram com o maligno ser que ronda por aí. Com cenários e dungeons geradas aleatoriamente, nenhuma aventura será igual a outra, até mesmo porquê suas ações reverberarão num futuro diferente a cada derrota ou vitória. Como assim? Simples, se você for derrotado pela bruxa Mormo, as cidades começarão a ficar cada vez mais destruídas, sombrias, adoradores da bruxa aparecerão aos poucos e até mesmo os moradores locais serão rudes ao falar com você, a espada que fracassou. Caso você saia vitorioso nesse desafio, as suas ações heróicas trarão tranquilidade por mais 100 anos, e você verá (mesmo que por um breve momento) a paz reinar e os cidadãos de Ditto celebrarem aquele que derrotou Mormo.
Se você acha que tudo isso é muito simples, as referências de Zelda não param por aí e Majora’s Mask entra com tudo para complicar ainda mais a vida de nós, gamers. A cada nova era e novo herói, você terá apenas 4 dias (ou 7 se estiver jogando no modo mais fácil) para completar a sua jornada. Simples? Nem tanto. Exatamente por esse motivo é que até agora não falamos o nome do protagonista, pois a cada era você assume o papel de um novo personagem. Um novo habitante de Ditto terá a função de buscar pela espada perdida da última batalha, no bizarro cemitério da cidade, para receber os poderes obtidos até aquele momento. Ou seja, você não é ninguém e o personagem principal (que você não controla) é a espada mágica. Entenderam o motivo do plural no nome do jogo?
A genialidade de Ditto
Ditto, para quem não sabe (ou nunca jogou Pokémon) é um termo para aquilo que é idêntico ou que se repete. E para que você seja a espada na jornada que se repete, mas sem que seja chato ou tediante, a OneBitBeyond criou mecânicas interessantíssimas para que a randomicidade dos acontecimentos tenham um fio condutor, que acompanham e dependem das suas decisões durante o jogo. Puku, o espírito de um besouro rola-bosta que acompanha você e servirá de guia para direciona-lo em suas missões, inicia o jogo dizendo que sua primeira missão após estar em posse de sua espada é destruir os cristais, conhecidos como âncoras, e que enfraquecerão o vilão. Para isso você precisará buscar pelas dungeons (calabouços) que guardam os Brinquedos Lendários e que servirão como itens especiais para abrir caminho até as âncoras.
Cada calabouço exige um nível para você entrar e, por conta disso, fará com que você se aventure pelos cenários matando inimigos e cumprindo missões paralelas. Todo dinheiro conquistado poderá ser trocado por bombas, arcos e algumas outras armas secundárias, além de melhorias para o seu personagem. Isso tudo exige tempo, estratégia e habilidade, pois se durante essas tarefas você morrer, um novo século se passará e o a vida continuará independentemente do seu sucesso. Afinal, na nossa vida nem sempre temos finais felizes, não é mesmo?
Percebeu que existe uma linha pré-estabelecida que conduz o gameplay? Você tem a opção de pegar a espada no cemitério, dormir para o tempo passar e ir diretamente ao encontro de Mormo. Conselho: não será uma tarefa fácil e fatalmente você terá sua primeira derrota. O problema é que toda essa jornada dificilmente conseguirá ser cumprida no tempo que você possui e, quando você renascer, o seu inventário estará vazio (futuramente você terá a opção de transferir parte do seu loot e habilidades), as dungeons mudarão de lugar e o jogo acompanhará o seu progresso! Não pense que você, morrendo já no quinto nível, renascerá com um herói acima de todos naquele mundo. Eu disse que não era tão simples como parecia.
O combate pode ser um dos pontos baixos, pois atacar, defender e esquivar nem sempre será uma tarefa muito fácil. Isso sem contar quando você tenta desferir seus golpes na diagonal e erra o inimigo, o que será quase frequente. Sua habilidade básica de rolar para escapar de ataques levam o personagem para muito longe do inimigo e podem acabar jogando você de encontro à outro inimigo ou até mesmo demorando demais para retornar a tempo de atacar, aproveitando a janela para infligir seu golpe. Algumas melhorias podem ser usadas em seu herói, porém os desenvolvedores optaram por não trabalharem com árvore de habilidade e sim figurinhas que você ganha, em pacotinhos que deverão ser abertos por um sapo estranho, para serem aplicadas no seu personagem. Tudo limitado apenas a um sticker por vez!
Belo e simples
Conhece A Hora da Aventura? Sabe aquele estilo mais cartunesco para retratar um mundo exagerado e com características marcantes? The Swords of Ditto tem muito desse estilo visual e funciona muito bem para quebrar a tensão do estilo Rogue Like e por ser um jogo com permadeath. O sarcamos de Puku e dos demais habitantes desse mundo bizarro acompanham o design jocoso, com muita cor e livre de qualquer amarra real. Animais que falam e que também podem ocupar o lugar do herói, casas estranhas, robôs andando livremente, feras estranhas e/ou gigantescas (inclusive como inimigos que ficam fora da tela e atacam com patas imensas por onde você passa) e ônibus intergalácticos com asas são algumas poucas referências que você encontrará durante o jogo. Inclusive a versão para PS4 contém uma side quest que traz LocoRoco para o mundo de Ditto, mas que infelizmente eu não consegui encontrar. Tudo bem, ao menos eu separei o trailer abaixo para os mais curiosos!
Com uma trilha sonora chiclete e que remete muito bem aos velhos tempos dos jogos 16-bit, ela encaixa muito bem na proposta “nostálgica” que esse título oferece para os mais velhos. Horas você ficará irritado por ouvir novamente a mesma música, principalmente se sua estratégia muito bem pensada foi um fracasso por não conseguir recuperar seu HP antes do último ataque inimigo, ou até mesmo por não oferecer variedade nos sons após mais de 15h jogando (entre sucessos e fracassos). Isso também esbarra em uma crítica que não tem como deixar passar: a repetição dos fatos. Por conta da simplicidade apostada no desenvolvimento desse jogo, a sequência inicial para cada novo herói é sempre a mesma e nos leva por falas repetitivas, uma leve demora em você se libertar das amarras iniciais e que nem o sarcasmo de Puku consegue suavizar.
Talvez outra má escolha foi não oferecer um botão para acelerar esse começo (um fast-forward para correr os acontecimentos) ou até mesmo usar as falas hilárias de Puku para já entregar todo esse início a cada vez que uma nova espada se apresente para a aventura. Já que estamos falando no passar de eras, a transferência da experiência também não afeta muito o desenvolvimento do jogo, pois todos os inimigos também sobem de nível (o que explicaria a permanência de Mormo naquele mundo fortalecendo seus seguidores). Não que seja desnecessário, mas funciona também como um ponto a mais para você ao menos perder as duas ou três primeiras eras antes de se irritar e ir direto tirar satisfações com Mormo.
Por fim, The Swords of Ditto aparece como uma grata surpresa e que consegue reunir o que de melhor já vimos nessa vida gamer/geek; um show de referências reunidas em um excelente jogo indie e que reforça a identidade da Devolver em trabalhar com gêneros no seu próprio estilo e refrescar aquilo que possivelmente já esteja desgastado. Sem contar o esforço em criar novas mecânicas para nos surpreender e que desde já faz desse lançamento um dos melhores jogos do ano!
E afinal, além de tudo isso que falei, você ainda pode usar o conforto do seu lar para chamar os amigos e se unirem em um sessão cooperativa local para derrotar Mormo. Mas cuidado! A tarefa não será simplificada por conta disso, pois o jogo balanceia muito bem a presença de mais espadas em cada era. Não se engane ao pensar que já viu tudo isso antes: com certeza você já conhece o desafio que enfrentará, mas não da forma como a OneBitBeyond nos oferece.