Não está morto o que eternamente jaz inanimado e, em estranhas eras, até a morte pode morrer. Com estas palavras, H.P. Lovecraft assinou uma das mais marcantes frases do conto de Cthulhu, o conto do antigo sonhador do horror cósmico e um dos importantes elementos da aventura em The Last Case of Benedict Fox.
Essa é uma aventura de mistério vitoriano, em 1925, em que o investigador Benedict Fox precisa descobrir os segredos por trás da morte do homem que pode ser seu verdadeiro pai. Em uma mansão, rodeada por mistérios além de nossa realidade, Benedict irá enfrentar os medos mais profundos de um homem morto, criaturas que fogem ao nosso entendimento e uma ordem poderosa que age de maneira inquisitiva.
Doce perfume da morte
The Last Case of Benedict Fox é uma mistura entre investigação noir e contos de horror cósmico, onde nosso protagonista homônimo e uma entidade sombria devem desvendar os mistérios por trás da morte de James Marvin Floyd, que pode ou não, ser pai de Benedict.
Após fugirem de uma organização, da qual Benedict faz parte desde que se lembra, nosso herói acaba se deparando com este caso. Fugindo de seus perseguidores, procurando descobrir quem matou seu suposto pai, Benedict terá de enfrentar o âmago das memórias que habitam pela casa e o limbo da mente e da alma do corpo de James.
Usando as habilidades da entidade consigo, o jogador pode entrar em uma realidade paralela formada pelas memórias do corpo prescrutado: uma região que parece ter saído diretamente de um pesadelo. Aqui, memórias de uma vida se interligam e se fundem em uma amalgama febril de temas, horrores e decadência muitas vezes.
Pelo caminho, o jogador pode encontrar novos aliados por este mundo e itens que o ajudarão a se tornar mais forte, resolverá segredos, descobrirá muito mais do que se espera olhando de fora para a opulenta mansão. Mortes, suicídios, heresia e um fascínio impregnam as paredes do local de magia profana.
Vivendo os medos dos outros
O jogador, durante The Last Case of Benedict Fox, não irá entrar no Limbo de James apenas, afinal, essa mansão guarda outro corpo, o qual não irei revelar para não estragar a trama. Esse outro corpo apresenta um cenário de tristeza e solidão em contraste com o cenário de terror e loucura de James.
Com estes dois Limbos a serem explorados, Benedict terá de estar sempre indo e voltando a diversos locais anteriormente trancados, afinal o jogo é um Metroidvania, então há bastante backtracking para se fazer. Dizer que não é cansativo é mentira, mas, é algo que se espera do gênero e a sensação de descoberta continua recompensadora.
Diferente de um poder ou habilidade que nos permite atravessar determinadas portas, em The Last Case of Benedict Fox, o que conseguimos são ferramentas esotéricas. Ferramentas que nos permitem moldar parte da realidade ou afetar criaturas de outras dimensões, sendo eles o Dispositivo Enigma e a agulha Kogai.
O Dispositivo Enigma permite que o jogador molde o valor de uma das quatro chaves que possui, para resolver puzzles matemáticos e abrir pedras através de um sistema de códigos que devem ser localizados na pedra e repetidos. A agulha por outro lado serve para forçar os dentes e dedos das portas Kogai, além de congelar inimigos.
Nem só de puzzles vive o homem
The Last Case of Benedict Fox é um jogo que faz o jogador pensar o tempo todo em como resolver seus puzzles, trazendo diferentes tipos de desafios. Entre eles, os mais interessantes são os dos códigos nas portas de pedra do limbo, as jogadas de xadrez e o ritmo dos pianos espalhados na mansão e nos Limbos.
Há ainda diversos itens a serem encontrados pelos locais a fim de serem colecionados, usados para upgrades e terminar side quests. Um exemplo disto é quando conhecemos Henry, um vendedor de itens que começa a ficar na mansão enquanto estamos pelo Limbo, que nos explica que James, tal como Benedict, era membro da ordem e um grande cientista do oculto.
Após descobrirmos isto, vemos mais e mais sinais de que James era um ávido cientista e bruxo ocultista, com paginas de rituais que podem salvar Benedict e sua entidade, os separando um do outro. Além disso, existem vários outros itens e criações que podem ter colocado James na mira da ordem Ordo Ira Dei também.
Tudo isso foi feito com o intuito de melhorar a vida dele e do outro habitante morto deste casa, mesmo que ambos acabassem se perdendo e levando ambos a este caminho sem volta. Temos então um mundo de mistérios melancólicos e motivos abastecidos pelo combustível de entidades sombrias.
Combatendo as sombras
Para resolver estes mistérios e conseguir o testemunho de James sobre quem foi seu assassino, Benedict terá que lutar contra inúmeros monstros e criaturas que habitam tanto o Limbo, quanto outras realidades. São monstros torpes e disformes prontos para se deleitar com o sangue e carne desse humano que invade seus territórios.
The Last Case of Benedict Fox traz um combate simples. Armado de uma faca, Benedict ataca fisicamente, além de poder usar os tentáculos da entidade para aparar ataques. Cada ataque e aparada realizada enche o medidor de carga de sua pistola mágica e permite que ele a dispare quando este se completa, começando com apenas uma bala, mas, podendo ser melhorado mais para frente.
Aqui é onde o jogo começa a mostrar suas imperfeições, pois o combate muitas vezes parece sem peso e com hits confusos, caixas de colisão que parecem se tornar aleatórias muitas vezes. Ficando claro certos bugs quando mais para frente usamos o agarrão da criatura que pode simplesmente “sumir” com os corpos após estes colidirem com o teto.
Esta habilidade pode ser desbloqueada usando uma das duas moedas do jogo: com memórias, pagamos itens e melhorias de armas; com tinta, pagamos tatuagens imbuídas de magia antiga, conseguidas da bela e misteriosa tatuadora que salvamos dos espelhos espalhados pelo limbo de James.
Uma mansão com vivos e mortos
Com estas habilidades, o jogo fica mais “fácil” ainda que certos locais sejam desafiadores, um exemplo disto são os bosses de perseguição, vulgo o lobo e aranha gigantes. Nestas cenas, mesmo com todos os upgrades, há certos obstáculos bem injustos o que tira todo e qualquer ânimo do jogador de tentar novamente.
Durante a perseguição do lobo no inverno, há certos obstáculos indestrutíveis, mas que também são muito altos para se pular! Essa condição deixa o jogador com a missão de realizar uma corrida perfeita sem errar nada, a fim de não perder itens que o petrifiquem e evitem o dano. Caso não tenha nada disso, boa sorte preso em uma parte do jogo.
Após abrir certas fendas e descobrir certos segredos nos Limbos, um inquisidor da ordem chega até a mansão. Este será um dos pontos importantes da narrativa. Apesar de ser um dos personagens mais interessantes da obra, Henry não é tão cativante quanto poderia ou deveria ser, sendo apenas um vendedor e vigarista.
Já o armeiro é calado e aparentemente francês, lembrando bastante Leon “O Profissional”, focado em seu trabalho. A grande estrela para mim dos personagens foi a tatuadora, uma mulher negra que aparenta ser uma força milenar, capaz de domar entidades, criaturas e canalizar energias através de seus símbolos tatuados.
The Last Case of Benedict Fox é uma excelente narrativa Lovecraftiana dos dias atuais: simples e direta. O resultado se assemelha a um dos contos do controverso autor. O título tem seus problemas é claro, mas é um jogo em que vale a pena enfrentar os momentos ruins a fim de se experimentar a conclusão do mistério por trás da morte de James e do outro morador do local, além do nascimento de Benedict e talvez de seu irmão.