Durante meus anos jogando e escrevendo sobre jogos, me vi diante de diversas surpresas – tanto boas quanto ruins – algumas por não saber onde iam com suas ideias, outras por não se adequarem ao gênero que dizem se encaixar. Testament: The Order of High Human é um raro caso onde estes dois mundos se chocam.
Produzido pelo estúdio Fairyship Games, os trailers me fizeram acreditar que seria uma aventura divertida, como se estivesse revisitando algo como Dark Messiah Of Might And Magic, que não é conhecido pela sua narrativa boa, mas sim por ser um jogo de aventura extremamente divertido. Testament também me chamou a atenção por ser anunciado como um Metroidvania, no entanto não foi o que encontrei aqui.
A queda dos Alto Humanos
Em Tessara, um mundo onde magia e tecnologia andam lado a lado, há a raça conhecida como Alto Humanos, conhecidos por sua longevidade, poder e por serem os regentes deste mundo. O jogo se passa durante a queda do reinado do protagonista, o rei caído Aran, acordando perdido em uma floresta.
Traído por seu irmão Arva, que foi corrompido pelas energias da escuridão, Aran deve ir atrás dos conhecimentos e armas antigas deixadas pelos seus antepassados para poder derrotar Arva e grupos aliados a ele, raças que foram corrompidas pela energia sombria emanada por um grupo rival aos antepassados de Aran e Arva.
Conhecidos como os “Despertos”, este grupo foi banido pelos Buscadores, fundadores da ordem dos Alto Humanos e escolhidos para reinarem sob Tessara e todas as outras raças e criaturas. Arva, se sentindo atraído pelo poder e conhecimento dos Despertos, acaba sendo corrompido pela magia da escuridão e trai seu irmão.
Abrindo as portas para que a energia maligna e criaturas das sombras dos Despertos destrua Tessara e todas as criações dos Buscadores. Resta ao jogador atravessar desafios e quebra-cabeças, recuperar as armas e magias do passado para impedir que Tessara seja destruída.
Uma visão do mundo de Tessara
Em Testament: The Order of High Human, Arva irá precisar usar tudo que estiver ao ser alcance para poder derrotar seu irmão. Para isso, ele vasculha por Tessara atrás de antigas câmaras radiantes. Estas câmaras possuem conhecimentos e armamentos que são capazes de auxilia-lo em sua busca de redenção.
O mundo fora de seu reinado parece estar todo coberto pelo que Arva diz ser uma decadência, não presente apenas entre os alto humanos. Um exemplo disto é quando chegamos a cidade de Vandor, que era como a capital do antigo mundo, que era chamado de Terras de Heiram. Os gigantes eram o povo escolhido dos Buscadores, mas por serem gananciosos, acabaram sendo rebaixados a uma raça inferior e medíocre.
Por isso se tornaram aliados dos Despertos, o mesmo com a raça de guerreiros Rakka, uma comunidade de caçadores das florestas, mas, que após certo tempo se tornaram apenas assassinos. Sem mais nem menos fizeram esta transição de um grupo de caçadores renomados para máquinas sádicas de matar.
Este é um tema recorrente que falarei mais a frente em Testament: The Order of High Human, o constante fator de que toda e qualquer raça é inferior a dos Alto Humanos e que nenhuma consegue ser igual ou maior que Aran e sua raça. Muitas vezes estas outras raças e grupos se tornam irracionais ou inferiores sem motivo aparente.
Nem só com músculos se resolve um problema
Em Testament: The Order of High Human, o jogador é apresentado a um jogo que se vende como um Metroidvania FPS, com plataforma e ação. Como dito antes, quando vi o trailer esperava encontrar algo semelhante a Dark Messiah, mas Testament: The Order of High Human é de longe um dos FPS mais básicos e maçantes que já enfrentei.
Durante o gameplay o jogador pode correr, andar e se agachar, enquanto vasculha o mundo de Tessara e suas regiões. Enquanto se move e supera obstáculos, o jogador se torna mais acostumado aos movimentos do antigo rei e se torna mais apto a conquistar os terrenos e desafios, ainda mais quando se desbloqueia novas habilidades, dando acesso a novas áreas.
Muitas áreas estão repletas de inimigos e aqui entra o combate, com Aran sempre tendo consigo sua espada, arco e magias o combate inicialmente aparenta ser bem divertido e complexo. Só que ele acaba ficando por isso mesmo, por pura aparência, conseguindo ser mais maçante, desinteressante e mais repetitivo e pouco funcional que o de jogos lançados em 2006.
A espada é como um véu de seda passando pelos inimigos, não há impacto ou peso no combate, até mesmo quando os inimigos ficam atordoados pelo impacto, não há baque algum a ser passado para o jogador por feedback visual. Tão pouco nas magias, que são bem simples, sendo esferas de poder ou raios. Neste aspecto, o arco é o mais funcional, mas ainda assim pode acabar enganando o jogador com sua mira pouco precisa.
Um problema mais sério
Um dos grandes fatores que tornam Testament: The Order of High Human um jogo fraco é principalmente sua narrativa, que pode ser interpretada de maneira bem errada. Afinal o jogo não traz muita explicação dos conflitos e “por quês” deste mundo, deixando tudo muito vago e solto, como se tentasse implementar a estrutura narrativa da série souls, mas pela metade.
Algumas partes Aran nos conta, outras descobrimos por itens, diários e entradas no glossário, mas há sempre um conflito de ideias inacabadas e apresentadas pela metade que pinta o jogo como uma carta de supremacia racial. Posso estar estendendo muito a minha visão aqui, mas certos termos e maneiras como Aran se refere a outras raças no jogo são bem escritas da pior maneira possível.
Voltando ao exemplo dos halflings e dos caçadores Rakka por exemplo. Halfling além de hobbits, em RPGs, geralmente significam uma mistura de raças, ou seja, miscigenação entre membros de raças diferentes, mas em nenhum momento o jogo diz que os gigantes de Heiram foram fundidos a uma outra raça. Ou seja é como se o jogo dissesse abertamente que criaturas miscigenadas são estúpidas e desprovidas de grandeza. Uma péssima escolha de nome, caso não fosse este o caso.
Ainda neste tópico, falando dos caçadores Rakka, é mais difícil ainda virar a cara para uma possível mensagem preconceituosa na escrita de Testament. Os caçadores Rakka se vestem de forma tribal, com pele escura, além de serem fortes e esguios, mas Aran quando vê o o líder, diz que são monstros e que não merecem perdão. Por quê apenas agora Aran está tomando uma atitude? Por quê não o fez quando rei? Por quê os Alto Humanos não vivem em harmonia com outros humanos de outras etnias? Por que não dividir a tecnologia com outros grupos? Perguntas que jamais serão respondidas.
Estes furos no roteiro tornam o jogo, que já tem um gameplay fraco, em uma bomba problemática! Podem dizer que posso estar sendo injusto ao ver deste jeito, mas se até mesmo Donkey Kong 64 foi infectado por ideias preconceituosas, imagine um jogo que narra a aventura de uma raça superior de brancos nórdicos com poderes mágicos?
Volte para o reino das trevas
Testament: The Order of High Human não é um bom jogo, a narrativa é fraca, maçante e desconexa, além de deixar espaço para inúmeras interpretações danosas. O gameplay é pouco engajante, ou divertido, com um combate sem peso ou impacto, com um sistema de Stealth menos interessante que o de Left Alive e uma roda de craft que até esqueci que existia, além de não ter nada de Metroidvania!
Caso esteja procurando algo como Testament: The Order of High Human para jogar, volto a citar mais uma vez, Dark Messiah of Might and Magic. Não é a sétima maravilha do mundo, mas é muito mais divertido e interessante do que qualquer coisa que Testament: The Order of High Human esteja tentando.