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Você conhece a rotina. Seu centro de cidade gera alguns trabalhadores e eles vão lá extrair recursos. Em questão de tempo, seus homenzinhos (ou robozinhos), estão derrubando florestas para colher Madeira, picaretando rochas para coletar Minério e, provavelmente, caçando a fauna local para juntar Alimento. Terra Nil vai na contramão de tudo isso.

O título da Free Lives é ecologicamente correto. Cabe ao jogador pegar uma terra arrasada e estéril e devolver recursos, transformando tudo aquilo em biomas verdejantes e pulsantes de vida animal. Depois, é desmontar tudo que foi construído e devolver a natureza ao seu estado original. Seria o jogo perfeito para esses tempos de aquecimento global, desmatamento e outras desgraças produzidas pela civilização sem freio. Exceto que é chato. Muito chato.

Salvem o verde!

Eu estava de olho em Terra Nil desde a primeira vez que a produtora Devolver Digital apresentou o título. Mais uma vez, os amalucados produtores descobriram um título fora da curva para sua distribuição. E, de fato, no papel, temos aqui um jogo completamente inesperado.

Quem nunca derrubou uma floresta inteira para construir um castelo em Age of Empires ou esgotou as riquezas minerais de uma região para erguer exércitos que atire a primeira pedra. Títulos de estratégia e sobrevivência são sobre isso: explorar o mapa nos dois sentidos, tanto na descoberta de mais recursos como na extração desavergonhada. Pelo menos em Minecraft, você pode plantar as árvores de volta.

Em Terra Nil, chegamos de mansinho em mapas gerados proceduralmente. Nada cresce neles. O solo está árido. O mar está tóxico. Os rios estão secos. As poucas árvores estão mortas. Pouco a pouco, usando recursos de energia renovável, como turbinas eólicas ou usinas geotérmicas, erguemos construções com o único propósito de consertar o estrago feito antes. Então, temos máquinas que descontaminam o solo, irrigadoras que devolvem a água para a aridez, bombas de água que ressuscitam bacias fluviais. A passos de formiguinha, vamos devolvendo a vida para onde antes havia somente a morte.

A cada etapa, o jogo vai ficando mais e mais complexo, para não dizer confuso. Do jogador, é exigida uma boa dose de planejamento para otimizar os recursos. Trabalha-se aqui com uma quantidade extremamente limitada de elementos que interagem entre si. Um erro de cálculo pode ser revertido uma única vez, como um texto com um único Ctrl+Z disponível.

É preciso tomar cuidado não apenas com a distribuição das construções para otimizar sua cobertura do território, como também é necessário avaliar a etapa seguinte de todo o processo, muitas vezes sem saber de antemão o que o jogo vai pedir ou quais são as condições necessárias para se atingir a vitória. O que devia ser prazeroso acaba se tornando mecanizado, o mecanizado acaba se tornando frustrante quando chegamos na etapa final, para desmanchar tudo e, até mesmo isso, exige uma sequência de etapas repetitivas.

Terra Nil não vai segurar a mão de ninguém

Tudo que eu aprendi sobre Terra Nil eu aprendi quebrando a cara em Terra Nil. O jogo apresenta um tutorial graficamente belo, com ilustrações detalhadas de vários elementos, porém quase zero informação. Nem mesmo estou seguro de que ele seja cientificamente correto. Nunca ouvi falar de que queimadas controladas podem ser um passo essencial para a criação de florestas. Além disso, a queimada que você produz no jogo é tudo, menos controlada.

Na hora em que seu mapa está pronto para ser customizado em biomas, é muito importante prestar atenção na ordem certa em que eles serão criados ou o jogador pode parar em um beco sem saída.

Falando em becos sem saída, é perfeitamente possível se jogar uma partida de quase uma hora e chegar em um ponto em que é impossível continuar com os recursos que se tem. O jogo chega a te informar sobre isso. Não há como voltar atrás mais do que uma decisão. A derrota é irreversível. Reiniciar o mapa, com mais sabedoria, é a única alternativa.

Terra Nil oferece opções de dificuldade mais tranquilas. Existe até mesmo um modo Zen, sem limites, porém a experiência base do jogo é desequilibrada, com poucas dicas das melhores abordagens e muito murro dado em ponta de faca.

A própria aleatoriedade dos mapas pode depor contra. Um mapa com poucos pontos elevados será um mapa com poucas opções de floresta tropical, o que irá dificultar na hora de completar a taxa mínima exigida para esse bioma, por exemplo. Um mapa sem ilhas não verá a aparição de tartarugas, um mapa sem lagos não terá patos e por aí vai.

A força do ódio me fez avançar ao máximo pelo mundo de Terra Nil, para desbloquear novos desafios em outras regiões. Porém, não acho que esse seja o sentimento que a Free Lives queria que o jogo despertasse. Cada região traz exatamente o mesmo tipo de mapa, gerado proceduralmente, então sequer há um sentido maior para concluir uma região por completo, exceto o senso de dever.

Belo, mas ordinário

Eu queria amar Terra Nil. Não apenas para ver correspondida minha expectativa com os primeiros trailers, mas também porque o tema me interessa e o jogo é lindo visualmente. Tanto ele sabe que é bonito que permite que o jogador assista uma apresentação pelo mapa depois do trabalho concluído, como se fosse um protetor de tela mostrando detalhes do ecossistema que você criou.

Por outro lado, se no aspecto técnico do visual ele brilha, no aspecto do áudio, ele traz um problema absurdo: é um jogo extremamente baixo, mesmo com todas as configurações no máximo. Eu imagino que seja um bug que talvez seja corrigido no lançamento ou pouco depois dele, uma vez que a Free Lives está tecendo loas para como sua trilha sonora é relaxante. Tão relaxante que beira o inaudível?

Terra Nil pode acabar agradando aqueles que gostam muito de um desafio e buscam um jogo de estratégia diferenciado, mas cansativo. Para quem busca criar mundinhos verdejantes, eu recomendaria o modo Zen, ainda que ele não remova todo o tedioso processo de pegar aquela terra ocre e inóspita até transformá-la em um novo Éden. O jogo da Free Lives poderia ser muito mais, porém se contenta apenas em ser burocrático. Para questões ecológicas melhor trabalhadas, procure Endling: Extinction is Forever, de um outro gênero, mas infinitamente mais impactante.

65 %


Prós:

🔺 Visual exuberante
🔺 Proposta intrigante

Contras:

🔻 Som extremamente baixo
🔻 Mecânicas complicadas demais e mal explicadas
🔻 Sistema de tentativa e erro trava o jogador
🔻 Fator aleatório atrapalha

Ficha Técnica:

Lançamento: 28/03/23
Desenvolvedora: Free Lives
Distribuidora: Devolver Digital
Plataformas: PC, Switch, Android, iOS
Testado no: PC