Não há como iniciar este texto sem antes deixar bem claro que sou iniciante em JRPGs e principalmente na franquia Tales of. Se você está lendo e esperando a perspectiva de alguém hardcore, que esteja já habituado aos macetes da série e quer apenas comprovação imediata do hype, não terá. O que procuro oferecer nesta análise é o ponto de vista de um novato e tirar dúvidas de outros iniciantes que talvez estejam reticentes quanto a pegar Tales of Arise ou não com base na seguinte pergunta: o jogo é uma boa porta de entrada para a franquia, e quem sabe, para o gênero?
Antes de falar de Tales of Arise, acho que não é possível deixar de fora o fator Final Fantasy VII Remake, que deve ter servido como jogo de entrada para muitos no meio do JRPG. Mudando o rosto dos jogos do gênero no mercado ocidental, o título da Square Enix ofereceu uma mistura muito inventiva de combate em tempo real com elementos estratégicos, além de contar com uma apresentação visual realmente soberba e de deixar qualquer um de queixo caído. Publicado pela Bandai Namco, Tales of Arise aproveita a abertura deixada por FF7R para chamar a atenção do público. Ainda assim, não se sabe se é uma boa pedida a todos os novatos.
A história de dois mundos
A história do título tem uma escala épica e nos conta sobre dois mundos: Rehna e Dahna. O primeiro é lar de uma raça soberana, enquanto o segundo é constantemente explorado pelos rehnanos como fonte de energia astral, coletada dos pobres dahnanos que fornecem trabalho escravo e sofrem outras formas de punição. Em meio a esse ciclo de opressão, conhecemos o protagonista Alphen, também conhecido como Máscara de Ferro por causa da máscara que carrega em seu rosto, sem saber como tirá-la ou como ela foi parar ali. Depois de um ataque a um trem, ele cruza caminho com Shionne, uma rehnana fugitiva que é dona de um misterioso poder.
Como é a tradição em JRPGs, em Tales of Arise temos um vasto leque de personagens que vai se expandindo conforme a história avança, sendo introduzidos através de atos que cobrem novas áreas do mapa. Para agradar aqueles que gostam de um bom elenco, cada um dos integrantes conta com uma história de fundo relativamente complexa e motivações variadas enquanto ajudam Alphen e Shionne a derrubar os cinco lordes rehnanos que exploram e oprimem Dahna. Tudo parece bem típico desse estilo de JRPG, com direito até a abertura em anime mostrando todo o elenco em cenas dramáticas e a conversas adicionais durante a exploração.
Em seu caminho principal, o jogo toma grande parte de seus atos iniciais colocando o jogador para trilhar rumos mais estreitos, completando missões pré-determinadas até seguir em frente para enfrentar um novo chefe. É uma estrutura relativamente limitada de início, o que pode deixar alguns frustrados com a falta de flexibilidade. De fato, por horas não há tanta variedade para escolher o que fazer além de algumas missões secundárias, e o pouco de exploração acaba servindo para fortalecer seus personagens com o fim de enfrentar os chefes mais bem preparados. Para isso, é necessária a repetição, matando os mesmos inimigos que reaparecem nos cenários.
É aqui que Tales of Arise traça uma linha na areia e define qual o seu público alvo: aqueles já iniciados nos ritmos e necessidades dos JRPGs, e aqueles dispostos a passar horas e horas melhorando pacientemente os status de seus personagens, além de suas estratégias. Para outros jogadores, principalmente os mais casuais e que querem focar no caminho principal, só fazendo a história, a curva inicial de dificuldade pode acabar chocando, colocando-nos para enfrentar chefe após chefe numa sequência de batalhas extremamente exigentes. Nisso, as opções de dificuldade não mudam muita coisa, com um modo normal desafiador e um modo história que ainda exige certo nível de grind para vencer, apresentando inimigos fortes e uma necessidade por estratégias bem elaboradas. Muita calma nessa hora.
O que pode intimidar os novatos é a abundância de sistemas a se aprender, que, quando dominados, também podem ser sua salvação. Com foco em um combate real time, o jogo traz mecanismos como a quebra da postura inimiga, vantagens únicas a cada integrante do grupo e um sistema que exige o uso atento de combos com as artes (ou Ars) secundárias de cada personagem, penalizando o jogador por apertar a mesma ação ou botão diversas vezes. Cada luta exige grande atenção se quiser manter o dano de seus ataques em alta, e ainda há a necessidade de se atentar aos padrões de ataques inimigos, que nem sempre são previsíveis e vão te pegar de surpresa.
Quando falamos de chefes, estes se distinguem dos inimigos normais porque não há maneira prática de quebrar suas posturas com combos, então são exigidas estratégias ainda mais metódicas e pacientes, além de atenção aos ataques brevemente telegrafados. Mesmo quando há a possibilidade de superar isso, Tales of Arise introduz elementos para acentuar ainda mais a dificuldade das batalhas, como inimigos menores que ainda tomam muito tempo para derrotar, distraindo-nos do chefe e criando uma abertura para que ele nos pegue ainda mais despreparados. Preparem-se, porque essas lutas são muito longas.
Uma boa estratégia cai bem
O que ajuda, e muito, é a possibilidade de trocar estratégias e itens equipados durante o combate, permitindo que o jogador analise seu inimigo e use as táticas mais eficientes. Entre as estratégias, há diversas opções que definem o comportamento dos aliados em batalha, como Lutar com Moderação, Lutar Agressivamente e Foco em Cura, entre muitas outras, e é possível escolher quais artes os companheiros devem priorizar de acordo com os oponentes enfrentados. Poder alternar entre tais opções durante o combate é algo que faz muita, mas muita diferença mesmo. Já os itens incluem acessórios (mais sobre eles logo mais) que possuem resistências elementais diversas e melhorias de status.
Felizmente, para ajudar ainda mais, os checkpoints são bem generosos, escolhendo pontos oportunos para salvar o jogo automaticamente. Além disso, há a possibilidade de salvar manualmente em qualquer momento, permitindo que o jogador escolha livremente para onde retornar. Devo dizer que em meio à dificuldade acentuada de algumas batalhas, os checkpoints são um alívio à parte, mas ainda não mudam o fato de que o jogo é pensado principalmente (mas não exclusivamente) para aqueles já calejados com o gênero e a franquia. Outro aspecto de grande ajuda é a viagem rápida, possibilitando uma ida e vinda conveniente pelos mapas.
Em contrapartida, para confundir um pouco os iniciantes, aqui há um sistema de Pontos de Cura, a única maneira pela qual o grupo pode recuperar vida em batalha sem gastar itens. Esses pontos dependem de checkpoints específicos para serem preenchidos, como Luzes de Cura, acampamentos e estalagens (que todos preenchem os Pontos de Vida e as Pontos de Cura). Além disso, há a possibilidade de usar Gomas de Laranja que podem ser coletadas através do mundo e que recuperam parte dos pontos de cura, mas estas são bem raras e recomendo guardá-las para ocasiões futuras.
Quanto maior o grupo, mais integrantes devem dividir os mesmos pontos de cura, limitando o número de vezes que um aliado pode ser recuperado. Além disso, apenas Shionne (no início) possui artes de Cura, sendo a única capaz de curar ou ressuscitar os integrantes com os Pontos de Cura. Caso ela seja derrubada em batalha, restam apenas os itens ao jogador. Estes itens, no entanto, são bem caros, podendo ser adquiridos a valores altos com comerciantes ambulantes. Como a pesca, uma das fontes secundárias de dinheiro do grupo, só é introduzida lá na frente, e as corujas colecionáveis só aparecem de vez em quando para trocá-las por presentes na Floresta das Corujas, a economia de itens acaba sendo cara e vai deixar alguns jogadores sem muita esperança no início de Tales of Arise (isso sem a ajuda dos pacotes de boosters e itens compráveis, disponíveis na loja de DLCs, diga-se de passagem).
Para ser bem-sucedido no jogo padrão, como mencionado antes, é necessário fazer o bom e velho grind combatendo todos os inimigos pelo mapa e completando missões secundárias, além de coletar itens e dinheiro em cantos escondidos dos cenários. Também podemos criar os acessórios correspondentes aos inimigos enfrentados. Por exemplo, se o inimigo usa magias de água, então equipe um item que dê resistência elemental a água. É simples. Preste muita atenção aos tutoriais, que ficam disponíveis em um menu para revisá-los à vontade. Tales of Arise pode ser relativamente difícil para iniciantes, mas não é impossível superar tal dificuldade já que há tantos sistemas à disposição do jogador. Só é preciso ter paciência.
Visualmente deslumbrante
Superada a barreira de dificuldade, o jogador ao menos terá uma variedade de locações para explorar e completar missões secundárias com maior sossego. Cada uma das locações é bem distinta da outra, dando ao jogo um aspecto épico e um senso de escala verdadeiro. Somando ainda mais aos visuais, os gráficos construídos na Unreal Engine 4 são belíssimos, equilibrando o uso de cel-shading e formas tridimensionais. Melhor ainda é a possibilidade de escolher entre dois modos gráficos, um priorizando a taxa de quadros e o outro priorizando qualidade gráfica. Não é necessário dizer que escolhi a primeira opção, dada a velocidade dos combates. Nem me fale, aliás, da linda trilha orquestral que acompanha a exploração e as batalhas.
Como alguém que nunca jogou um título de Tales of na vida, fica difícil definir quão acessível Tales of Arise é em relação a seus precursores. Mas não restam dúvidas de que este é um jogo que será desafiador para iniciantes, e qualquer um desavisado pode acabar quebrando a cara logo nas primeiras horas, sendo forçado a aprender todos os sistemas e superar a dificuldade dos confrontos na marra. Por isso, não sei se recomendo este jogo sem um nível de cautela, e deixo aqui meu aviso aos novatos que talvez prefeririam jogar apenas a história: tenham calma, explorem o máximo possível e façam o grind. Mas para aqueles que já sabem o que os espera, que não veem problema em algumas horas de preparação antes de cada chefe, o resultado deve ser bem diferente.