As sombras do que conhecemos como universo são muitas vezes mais extensas do que imaginamos. Primeiramente pelo fato de que muito do que conhecemos seja voltado para nossa realidade mundana. Seguindo este pensamento, Stygian: Reign of the Old Ones traz uma visão de como seria o mundo após a vinda dos Deuses Antigos. Um mundo onde a loucura, desespero e pesadelos abandonaram as profundezas das mentes e corações humanos, tomando forma no último bastião da humanidade, a amaldiçoada cidade de Arkham e seu bizarro “continente”.
Igualmente ao seu material de inspiração, Stygian: Reign of the Old Ones é insano. Definitivamente uma nova repaginada no gênero do horror cósmico, e bem feita desta vez. A cidade de Arkham está infestada de perigos e maldições, prontas para clamar suas próximas vítimas neste incrível RPG. Ao mesmo tempo em que tentamos sobreviver à horda insaciável de criaturas, temos de manter nossos companheiros vivos e sãos pelo máximo de tempo possível, afinal de contas a loucura é o destino final daqueles neste mundo.
Não há como fugir dos seus pesadelos
A princípio, o mundo estava em paz, e mesmo com os problemas diários a humanidade seguia normalmente. No entanto, poucos sabiam que alguns estavam manipulando as engrenagens cósmicas, através de rituais e pactos com os antigos deuses. Assim, quando menos se esperava, os deuses antigos se levantaram em nosso plano e alteraram tudo aquilo que tínhamos como normal. O chamado “Dia Negro” foi um evento cataclísmico que separou a cidade de Arkham de toda e qualquer referência que havia da antiga realidade.
É neste local onde a história de Stygian: Reign of the Old Ones se desenrola. A cidade está consumida por elementos saídos diretamente de um pesadelo. As ruas são imundas e infestadas com o cheiro da morte e loucura. Da mesma forma que as ruas, as mentes dos habitantes e sobreviventes de Arkham são infestadas pelas sombras, que escondem-se na psique humana. Arkham é um antro de crimes e heresias, sejam eles causados por mãos humanas ou não.
E é neste inferno físico onde os jogadores irão se aventurar em busca de respostas e uma maneira de trazer o mundo aos eixos, ou pelo menos deixar este pesadelo. Antes de mais nada, o jogo oferece duas opções aos jogadores: escolher um personagem pré-determinado, ou criar um personagem do zero, algo como um daqueles sistemas de RPGs de mesa onde já temos fichas prontas. Como jogador experiente do gênero, resolvi ficar com a segunda alternativa e criar um personagem desde o começo.
Primeiramente, é necessário escolher o sexo do personagem. Depois partimos para a idade do personagem, que caso jovem terá um ponto a mais em físico, sentidos ou inteligência, mas terá maior dificuldade em outras partes do jogo. Personagens adultos não possuem pontos adicionais, porém são os mais balanceados. Já personagens velhos, tem um redutor que pode ser aplicado em físico, sentidos ou inteligência, porém possuem maior facilidade em determinados segmentos.
Desespero sem fim
Imediatamente após ter criado seu personagem, o jogador é levado à tela de seleção de classe. Desde já é bom saber que não há classes como guerreiro, arqueiro ou coisa do tipo. Afinal de contas, estamos falando de um RPG mais “moderno”. Assim, as classes são Acadêmico, Aristocrata, Criminoso, Explorador, Investigador, Ocultista, Ator/Atriz e Soldado. Cada classe possui suas próprias vantagens, por exemplo: um personagem acadêmico tem um foco alto em Medicina, Psicologia e Ciência, enquanto um personagem Soldado tem mais pontos em Armas de fogo, Combate e Sobrevivência.
Assim que escolhemos nossa classe, podemos dar um passado para ela. Cada “passado” possui seus prós e contras. Um investigador pode ser alguém que teve um caso o qual nunca resolveu, uma aristocrata pode estar vivendo pelo restante de sua herança e por aí vai, aumentando as vantagens e desvantagens do personagem. Após isto, escolhemos uma crença, que se dividem em seis: Humanistas, Materialistas, Niilistas, Religiosos, Céticos e Ocultistas. Cada qual irá ditar a maneira com a qual o personagem “deve” se comportar no mundo do jogo. Enfim, podemos escolher um retrato para representar nosso personagem e distribuir nossos pontos iniciais e começar o jogo.
O objetivo-mor de Stygian: Reign of the Old Ones está em descobrir os mistérios daquele conhecido como Dismal Man (Homem Sombrio). O jogo começa com o personagem do jogador tendo um pesadelo com o mesmo. Logo o seguimos para a entrada de um grande prédio, onde pessoas dançam nas ruas, mas assim que nos aproximamos um terremoto tem início e os casais começam a se canibalizar. Com isto, acordamos novamente no sótão do bar Old Eel. Dessa forma conheceremos inúmeros inimigos, aliados e capangas.
Stygian: Reign of the Old Ones é um jogo onde investigação e curiosidade são chave. Logo, os antigos deuses como Cthulhu, Kthanid, Hastur e outros grandes deuses do panteão Lovecraftiano ficam em segundo plano.
Gritos abafados em um oceano de desespero
Stygian: Reign of the Old Ones segue uma linha de RPGs mais estrita e penosa. A princípio, é fácil esperarmos de um RPG que durante a aventura encontremos automaticamente companheiros para nosso grupo. Imediatamente temos esta ideia tirada de nós. Na cidade de Arkham, é possível contar nos dedos de uma mão em quem podemos confiar. Afinal, somos relembrados de que todos que aqui vivem são possuídos pelas trevas.
Durante o jogo podemos encontrar parceiros pela cidade, dispostos a nos ajudar por algum motivo pessoal. Simultaneamente a estes membros de grupo reais, é possível contratar capangas que nos auxiliam em combate. Diferente dos membros do grupo, no entanto, capangas não possuem janela de itens ou de habilidades, servindo apenas como reforço de batalha e/ou um guarda-costas. Algo que é bom, afinal de contas cigarros, que aqui servem como moeda de troca, são difíceis de se conseguir, e armas, roupas e mantimentos têm um alto custo.
O combate em Stygian: Reign of the Old Ones é realmente impetuoso, o que adiciona uma pitada de terror e pavor na mente do jogador. Frequentemente somos lembrados de que, caso nossos companheiros morram, não teremos como recuperá-los. O sistema de combate funciona através de P.A. (pontos de ações). Cada ação do personagem consome uma quantidade X do número de P.A. que eles possuem. Por isso, é necessário sempre prestar atenção e planejar ações momentos antes. Ações como abrir o inventário consomem 5 P.A., algo que definitivamente fará falta.
Os ataques se dividem entre ataques físicos, ataques à distância, geralmente através de armas de fogo, e por último magias. Da mesma forma como em outros RPGs, ataques físicos se dividem entre armas de corte e impacto. Armas de fogo geralmente se dividem entre revólveres, pistolas e rifles. No entanto, as magias aqui são diversos feitiços, bençãos e maldições, que custam pontos de sanidade ao invés de mana, afinal todo poder pode gerar loucura, seja na ficção ou na realidade.
Eterna manhã sem sol
O sistema de inventário e equipamento do jogo é bem simples de se compreender. Bem como dito ali em cima, cigarros são moedas de troca em Arkham, servindo tanto para acalmar os nervos, quanto para garantir a próxima refeição. Do mesmo modo como muitos títulos do gênero, podemos equipar nossos personagens com roupas, que aqui não alteram muito os status, armas e catalisadores de feitiços e acessórios mágicos. Cada item deve ser estudado antes de equipado, afinal nunca se sabe quando podemos equipar um item amaldiçoado em um mundo desses.
A direção de arte de Stygian: Reign of the Old Ones é fantástica. Trazendo um estilo de arte que parece ter saído diretamente da década de 40/50, com linhas rudimentares e personagens com semblantes duros, frios e estoicos, o mundo se torna opressivo pela visão decadente e suja dos arredores, em uma eterna amálgama do orgânico com o inorgânico. Raízes que parecem feitas de carne se apertam a construções, a cidade parece ser infestada pela morte e depressão, a sujeira e decadência reinam e a constante névoa oprime toda e qualquer esperança de dias felizes e despreocupados ao sol.
A sensação de se estar em Arkham é a mesma de se estar em Silent Hill, e é isso que torna o jogo tão bom dentro de seu gênero, ainda mais com recentes lançamentos abordando o gênero Lovecraftiano / horror cósmico. Stygian: Reign of the Old Ones toma seu tempo para mostrar ao jogador o porquê daquele lugar ser tão horrível, enlouquecedor e talvez até pior que o próprio inferno. A trilha sonora e a sonoplastia fazem um trabalho incrível também para empurrar o jogador a ponderar inúmeras vezes seu próximo passo e aquele que pode ser o seu último, ou de algum companheiro de aventura.
Trazendo um sistema impiedosamente brutal, onde qualquer deslize pode e será fatal, o jogo está sempre colocando o jogador em teste de sua própria habilidade de fazer o que parece ser lógico, em um universo onde a lógica e o sentido foram lançados pela janela. Claro que o jogo sofre com alguns pequenos inconvenientes, como as telas de loadings e a maneira com a qual o jogo sempre trava um pouco antes de se mudar de tela, no entanto nada que atrapalhe o aproveitamento da obra. Por isso, se você acredita estar pronto para enfrentar os antigos deuses cósmicos, seja bem-vindo a Arkham!